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Gisèle Pélicot: o silêncio dos homens que abusam de uma mulher desacordada

Mais de 50 acusados, incluindo o marido de Pélicot, estiveram nesta semana diante do tribunal para depor sobre caso que chocou o mundo

19 set 2024 - 05h01
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"Durante 50 anos, vivi com um homem que eu não imaginava que pudesse cometer esses atos de estupro", disse Gisèle Pélicot
"Durante 50 anos, vivi com um homem que eu não imaginava que pudesse cometer esses atos de estupro", disse Gisèle Pélicot
Foto: DW / Deutsche Welle

Finalmente o marido de Gisèle Pélicot e principal acusado por dopar a esposa durante uma década para que outros homens a estuprassem, deu as caras no Tribunal de Avignon. Na semana passada, Dominique Pélicot, de 71 anos, havia alegado problemas de saúde para não comparecer ao julgamento que acontece na pequena cidade ao sul da França. 

Mas nesta terça (17/09), teve que encarar sua vítima de frente ao lado de outros 50 homens, recrutados por ele pela internet e que participaram do estupro coletivo enquanto Gisèle permanecia inconsciente, dopada de remédios administrados por Dominique. 

"Sou um violador, como os que estão nesta sala", disse o réu, confessando o crime que chocou o mundo. Os outros acusados de estupro, os que estavam na sala, eram homens com idades entre 26 anos e 73 anos e com profissões variadas. Entre eles, havia bombeiro, enfermeiro, técnico de informática e jornalista. Mais uma prova de como  a cultura do estupro está arraigada na mentalidade masculina. O abusador pode ser qualquer um que está ao nosso lado. Nem todo homem, mas sempre um homem.  

Um lado estarrecedor dessa história é que, entre as dezenas de homens que responderam ao chamado do senhor Pélicot, nenhum deles tenha ficado intrigado, a ponto de fazer uma denúncia, com o que presenciaram. Com o fato de haver uma mulher totalmente inerte, que parecia uma "boneca de pano", como definiu Gisèle ao ver depois as imagens gravadas pelo marido. Em nenhum deles acendeu o alerta de que uma mulher desacordada, inconsciente, sem condições de reagir a qualquer violência, poderia não estar ciente do que estavam fazendo com ela. Ninguém ficou em dúvida de que aquilo poderia ser um ato não consentido? Mas durante 10 anos, nenhuma denúncia chegou à polícia local, mesmo que anônima. 

Como explicar o silêncio desses homens? Provavelmente porque, para os acusados, uma mulher é propriedade do marido. E o corpo dela pode ser usado por homens quando eles bem entenderem. Então, nenhuma surpresa com o que presenciaram. 

E o que dizer de um marido cuja consciência só pareceu pesar ao ser colocado diante de um tribunal? Depois de tudo, ainda tem a coragem de dizer que a esposa o fazia feliz. Penso em que momento ele se sentia feliz. Se ao ver Gisèle ser violada seguidas vezes por estranhos, sem preservativos, ou ao assistir a saúde da esposa se degradar por culpa dele. 

Gisèle foi infectada por inúmeras doenças sexualmente transmissíveis. Também se queixava de dores inexplicáveis, como foi relatado ao seu ginecologista. Cogitou estar com Alzheimer por causa dos lapsos de memória que passou a ter, causados pela ingestão de doses pesadas de ansiolíticos que o marido dava sem ela saber. 

Nenhuma pena, por mais pesada que seja, vai estar próxima de reparar o horror vivido por essa francesa que, graças a sua coragem de querer um julgamento público, tornou-se um emblema da luta contra a violência sexual.  

A luta de Gisèle é de todas nós. Também é a dos homens que têm consciência de que é preciso urgentemente interromper esse ciclo de violência contra a mulher. Perdemos todos com isso. 

Fonte: Redação Nós
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