Dona do "Alecrim Baiano", ativista Deborah Pataxó ecoa as lutas dos povos originários
Ela, que é autista e LGBTQIA+, luta pela saúde mental e soberania alimentar da população indígena
"Alimentação é Revolução" e "O Futuro é Ancestral" são duas das frases que a ativista indígena Deborah Pataxó escolheu para sua descrição no perfil no Instagram e, depois de uma hora de conversa, é possível perceber que são questões que efetivamente regem sua vida.
Editora, cozinheira e graduada em Direito e Gastronomia, Deborah ganhou notoriedade ao criar o perfil "Alecrim Baiano" no Instagram durante a pandemia para compartilhar uma de suas paixões: alimentação.
"Me formei em Direito e, no final do curso, me apaixonei pela gastronomia, então meu TCC acabou sendo sobre direito humano à alimentação adequada. Eu entendo a gastronomia como uma ferramenta social, a alimentação como um direito básico", dispara a criadora de conteúdo de 29 anos.
"O perfil no Instagram começou do tédio e da necessidade de uma rotina, algo fundamental para mim ,como é para muitos autistas", conta ela, que recebeu o diagnóstico já adulta. Além do Transtorno do Espectro Autista (TEA), Deborah vive com TDAH, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade.
"O diagnóstico foi um divisor de água na minha vida que respondeu muitas questões", aponta lembrando que, para chegar até ele, contou com uma ajuda essencial: uma psicóloga, que assim como ela é indígena.
"Ela compreendia as questões culturais, comportamentais, entendeu que tinham algumas questões minhas que precisavam ser investigadas e também que, como indígena, vamos ter outras formas de lidar com a crise, que pode ser soprando um rapé, acendendo uma fogueira. Eu vou buscar na minha cultura e nas tradições do meu povo formas de lidar", explica.
Atualmente, Deborah segue com o acompanhamento de profissionais especializados em TEA e TDAH, mas sem deixar de lado suas origens. "Quando interajo socialmente, com muitas pessoas e por muito tempo, fico em um estado de não verbalizar, interagir, um pouco febril. Já entendo e consigo me acolher. O diagnóstico é muito libertador, sei que tem pessoas que têm medo de procurar [ter um diagnóstico], mas é sobretudo uma forma de autocuidado", aconselha.
Deborah reforça ainda a importância do cuidado da saúde mental da população indígena citando um levantamento da Fiocruz em conjunto com Universidade de Harvard publicado na conceituada revista cientifica "The Lancet Regional Health - Americas" que aponta que a taxa de suicídio entre indigenas é três vezes maior do que em outras populações no país.
O diagnóstico também teve um peso ancestral. "Minha avó também tinha questões de saúde mental e era chamada de 'Maria Lelé'. Morreu negligenciada, de diabetes, porque o olhar para saúde indígena é defasado. De certa forma, meu diagnóstico tirou um peso não só de mim, é uma resolução para gerações. E, sabendo como me cuidar, vou passar isso para as próximas gerações".
Alimento e afeto
Vivendo em Alcobaça, extremo sul da Bahia, cidade onde nasceu e morou até os 12 anos, Deborah se dedica à alimentação, mais especificamente às lutas da soberania alimentar para povos indígenas. "Para nós, é uma questão ligada ao direito ao território, e também aos lagos, mares. É sobre se alimentar com o que tem relação com a própria cultura, sobre o colher, plantar, caçar, sobre não ter o território ameaçado e envenenado", denuncia.
"Hoje até tem programas assistenciais, mas aquela, de uma cesta básica comum, com produtos industrializados e ultraprocessados, não de acordo com aquele território. É importante lembrar que nós, indígenas, temos organismo diferente dos brancos. Por aqui, diabetes mata muito porque historicamente temos uma alimentação com pouco açúcar, presente apenas em frutas e leguminosas", explica citando os dados de diabetes entre Xavantes publicados em uma pesquisa da Unifesp e da USP.
Do tempo distante da cidade natal, viveu no Rio de Janeiro e, pouco antes do retorno, em São Paulo, mais especificamente em Osasco. E fez isso por amo. É na cidade paulista que vivia a namorada Bruna Suirãnhy Kariú.
"A gente se conhecia do Twitter (atual X) e seguíamos vários parentes. Ela é do povo Kariú Kariri e toda família é do Piauí, mas nasceu em Osasco. Quando a gente começou a conversar, ela estava com passagem comprada para a Bahia, mas era Porto Seguro, que fica distante três horas horas daqui. No fim, veio e ficou quase um mês aqui. Em seguida, eu me mudei para São Paulo para morarmos juntas, bem emocionada", conta rindo.
Depois de alguns meses, o retorno para Alcobaça foi natural. O casal conta com o apoio da comunidade, mais aberta à diversidade. "Cada povo se organiza de uma forma. O povo Pataxó tem uma juventude muito atuante, com lideranças bissexuais, gays, lésbicas, trans. Ttem que ser uma pauta dentro da comunidade, mesmo todos esses conceitos e termos tendo sido importados e vindo com os colonizadores é uma forma que a gente se afirma para somar na luta", conta ela.
E é diante dessa realidade, de uma mulher indígena, LGBTQIA+, com TEA E TDAH que Deborah vai lutando, informando e conscientizando sobre a pluralidade dos povos indígenas e suas realidades. Para o próximo ano, aguarda o retorno do fomento da Lei Paulo Gustavo, que visa fortalecer a cultura no país para viabilizar o projeto do programa "Jokanas", uma série audiovisual onde vai cozinhar ao lado de outras mulheres indígenas.