Bruno Henrique tem julgamento de recurso no STJD suspenso após pedido de vista em caso de apostas
Pleno rejeita preliminar de prescrição argumentada pelo Flamengo, mas relator vota pela retirada do gancho de 12 jogos e aplicação de multa em até R$ 100 mil antes do encerramento da audiência
O Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) se reuniu nesta segunda-feira, 10, para julgar o recurso do Flamengo contra a condenação de 12 jogos de suspensão e multa de R$ 60 mil ao atacante Bruno Henrique. A sessão foi suspensa pouco depois de o relator Sergio Furtado acolher parcialmente as apelações, sugerindo a retirada do gancho e somente a aplicação de multa em até R$ 100 mil. Um dos membros pediu vista citando a complexidade do caso e os votos vão ocorrer nesta quinta-feira, 13, às 15h (Brasília), em pauta única no tribunal.
Uma investigação da Polícia Federal (PF) indicou que o jogador teria forçado um cartão amarelo de forma deliberada durante a partida entre Flamengo e Santos, em novembro de 2023, no Mané Garrincha, válida pelo Campeonato Brasileiro, para favorecer apostadores, incluindo membros da própria família.
O jogador compareceu ao Tribunal, no centro do Rio de Janeiro, acompanhado dos advogados Michel Asseff Filho, Alexandre Vitorino Silva e Ricardo Pieri Nunes, além do empresário. O julgamento foi iniciado por volta das 11h30, com grande presença da imprensa.
Bruno Henrique foi punido pela 1ª Comissão Disciplinar em 4 de setembro. O jogador estava atuando sob efeito suspensivo, concedido pela Corte no dia 13 do mesmo mês. Inclusive, o atacante marcou um dos gols da vitória do Flamengo sobre o Santos, por 3 a 2, neste domingo, pelo Campeonato Brasileiro.
O Pleno do STJD é a última instância do Tribunal. Caso o atleta consiga uma vitória neste âmbito, a Procuradoria pode igualmente apelar. O caso ainda pode ser levado à Corte Arbitral do Esporte (CAS), na Suíça.
Rejeição da preliminar de prescrição
A análise do caso iniciou com a Procuradoria, na figura do subprocurador Eduardo Ximenes, pedindo o afastamento da tese de prescrição do caso, manifestada pela defesa ainda no julgamento em 1ª instância, quando houve a rejeição da preliminar por 3 votos a 2. Em 2023, o caso chegou a ser arquivado, mas foi reaberto após vir à tona o escândalo do suposto envolvimento de Bruno Henrique em caso de manipulação.
Michel Assef, advogado do Flamengo, argumentou que a Procuradoria não agiu no prazo de 60 dias estipulado pelo Código Brasileiro de Justiça desportiva (CBJD) para apresentar denúncia após abertura de inquérito. A defesa afirmou que as datas de referência deveriam ser 1º de novembro de 2023, dia da partida em questão, ou 2 de agosto de 2024, quando o STJD recebeu um alerta da da Associação Internacional de Integridade de Apostas (Ibia) por meio da Conmebol sobre um possível caso de manipulação.
Ainda de acordo com Alexandre Vitorino Silva, advogado responsável pela defesa do atleta, a Procuradoria estaria tentando estender seus poderes por causa da repercussão midiática do caso. O órgão citou que não era possível analisar o caso de maneira adequada anteriormente porque não havia informações suficientes para levar o julgamento à frente.
O STJD teve acesso ao relatório da PF somente em maio deste ano, concluindo a investigação em junho e apresentando a denúncia em 1º de agosto. Assim como ocorreu no julgamento em 1ª instância, o Pleno rejeitou a preliminar da prescrição, mas desta vez por unanimidade (9 votos a 0).
Mérito da causa
A Procuradoria citou conversas de Bruno Henrique com familiares, via aplicativo de mensagens em que o jogador fala sobre a possibilidade de receber um cartão amarelo para ajudar um familiar me um esquema de apostas. Na conversa, o atacante diz ainda que não teria sido pago pelo recebimento da advertência.
O subprocurador Eduardo Ximenes argumenta que o cartão recebido por Bruno Henrique favoreceu diretamente o irmão Wander Pinto Junior, atuando de maneira prejudicial ao Flamengo. A Procuradoria encerrou pedindo a condenação no artigo 243 do CBJD que prevê multa de R$ 100,00 a R$ 100 mil, e suspensão de 180 a 360 dias, punição superior à sentença aplicada em 1ª instância.
Asseff, advogado do Flamengo, rebateu o pedido para a inclusão do jogador do artigo 243, citando que o recebimento do cartão estava planejado pela comissão técnica por causa do calendário. Tratava-se do terceiro amarelo de Bruno Henrique, que foi suspenso do jogo seguinte, contra o Fortaleza. A ideia era que ele fosse poupado para o jogo posterior, contra o Palmeiras.
O advogado citou que a prática de receber o terceiro cartão para não correr risco de perder uma partida importante é comum no futebol nacional, afirmando não se trata de atitude antidesportiva e rebatendo ainda a tese de que Bruno Henrique deu uma informação privilegiada ao irmão apostador. Asseff garante que o Flamengo não foi prejudicado pela infração do atacante.
Alexandre Vittorino disse que Bruno Henrique foi assediado pelo irmão e não honrou acordo para receber o cartão amarelo para ajudar o irmão. Ele cita ainda diferenças de data e, inclusive, que Bruno Henrique deu informações desencontradas para não configurar ilicitude. O atacante ficou calado durante toda a sustentação.
Acolhimento parcial e pedido de vista
O relator Sergio Furtado argumentou que apesar dos inícios, Bruno Henrique não provocou cartão sob ajuste prévio com irmão e que o cartão amarelo não manifestou artificialidade, o que configuraria a manipulação de resultados. Assim, ele sugeriu a absolvição do jogador no artigo 243-A, que implicou na condenação em 1ª instância por 12 jogos, e sugeriu punição somente baseada na aplicação artigo 191, que prevê multa de até R$ 100 mil. Os efeitos também foram estendidos aos demais denunciados.
"O acervo não demonstra que Bruno Henrique tenha atuado de maneira deliberada a alterar o resultado da partida. Os relatórios apontam movimentações suspeitas de apostas, mas não demonstram que o atleta tenha atuado de maneira deliberada com o irmão. O lance em si reforça falta de evidência de vincular o cartão a um ajuste prévio", disse o relator.
Após o voto do relator, o auditor Marco Aurélio Choy pediu vista do processo e o julgamento foi interrompido. Uma nova data será marcada para a retomado da votação no Pleno.
O que dizem especialistas?
O caso de Bruno Henrique deve dar um norte para casos parecidos no futuro, já que esse tipo de situação traz algumas novidades direito desportivo, como pontua Mauricio Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados e advogado especialista em Direito do Entretenimento .
"Julgamentos sobre suposta manipulação de resultados trazem à tona uma questão nova e sensível do direito desportivo, que é a distinção entre condutas dolosas e meramente infracionais. Neste sentido, o art. 243-A do CBJD exige prova clara de intenção de influenciar o resultado de uma partida com o objetivo de obter vantagem indevida. Já o art. 191 trata de infrações sem dolo específico, ligadas ao simples descumprimento de regulamentos ou deveres esportivos", diz.
"Essa diferenciação é fundamental para assegurar segurança jurídica e proporcionalidade nas sanções, equilibrando a proteção ao atleta com a preservação da integridade competitiva. Mais do que punir, a Justiça Desportiva tem o papel de zelar pela credibilidade do desporto, aplicando o CBJD com técnica, prudência e responsabilidade institucional", conclui.
Talita Garcez, advogada especialista em direito desportivo, explica que, caso o jogador voltar a ser condenado, apenas o CAS é quem poderia conceder um efeito suspensivo. "Mesmo que a Procuradoria não solicite à CBF a internacionalização da pena, a Fifa possui mecanismos que permitem reconhecer e aplicar decisões da justiça desportiva brasileira ao nível global, impedindo que o jogador atue no exterior enquanto a punição estiver em vigor."
Entenda o caso
Bruno Henrique foi denunciado em agosto pelo STJD após uma investigação da Polícia Federal indicar que o jogador teria forçado um cartão amarelo de forma deliberada durante a partida entre Flamengo e Santos, em novembro de 2023, no Mané Garrincha, válida pelo Campeonato Brasileiro. A conduta teve como objetivo beneficiar apostadores, entre eles seu irmão, Wander Pinto Junior, e sua cunhada, Ludymilla Araújo Lima.
A apuração da PF foi baseada na análise de mensagens trocadas entre Bruno Henrique e Wander, nas quais combinam previamente a infração para obter lucro em plataformas de apostas.
A procuradoria enquadrou o atleta em diversos artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD):
- Artigo 243, parágrafo 1º: atuar deliberadamente de forma prejudicial à equipe que defende", com agravante em caso de vantagem financeira.
- Artigo 243-A, parágrafo único: prevê punição para quem "atua de forma contrária à ética desportiva com o fim de influenciar o resultado de partida".
- Artigo 184: trata da prática de duas ou mais infrações.
- Artigo 191, inciso III: dificultar ou deixar de cumprir regulamentos da competição.
A procuradoria ainda citou o artigo 65, incisos II, III e V, do Regulamento Geral de Competições da CBF, que considera ilícita qualquer conduta de atletas, técnicos e dirigentes que incentive ou facilite apostas em partidas nas quais tenham influência direta ou indireta.
Também foram denunciados seu irmão, Wander Junior, além de Claudinei Vitor Mosquete Bassan, Andryl Reis e Douglas Barcelos. Todos são atletas amadores e são acusados de terem lucrado com apostas feitas sobre o cartão amarelo recebido por Bruno Henrique.
Além da esfera esportiva, Bruno Henrique é réu na Justiça comum. A denúncia apresentada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) foi aceita parcialmente pela 7ª Vara Criminal de Brasília, e o jogador agora responde criminalmente por fraude em esquema de apostas.
A pena para o crime de fraudar competição ou evento esportivo, prevista no art. 200 da Lei Geral do Esporte, é de dois a seis anos de prisão.