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Marcos Caetano
Segunda-feira, 11 Fevereiro de 2002, 15h38
terraesportes@terra.com.br

A flor e o espinho


“Tire o seu sorriso do caminho / Que eu quero passar com a minha dor”. Um samba triste. De que outra forma poderia iniciar uma coluna que, em plena segunda-feira de carnaval, precisa ser tão melancólica? Não são poucas as composições que se atrevem a respingar sofrimento sobre a harmonia vívida do samba. Mas, entre todas elas, os versos de A Flor e o Espinho, de Guilherme de Brito em parceria com Nelson Cavaquinho e Alcides Caminha, sejam talvez os mais pungentes.

Eu bem que planejei uma coluna feliz, deixando de lado as mazelas do futebol para falar apenas da sua simplicidade, presente nas divertidas peladas de carnaval e refletida no batuque das escolas de samba. Mas a tristeza pediu passagem, e soterrou as palavras alegres do meu texto. Primeiro foi a notícia do brutal assassinato do neto de Garrincha, que ensaiava uma carreira de jogador de futebol. Depois foi a Dona Eulália, minha velhinha, grande filósofa do esporte e personagem recorrente desta coluna, que decidiu enxergar a vida do outro lado do biombo. Para culminar, perdemos Zizinho, nosso mestre dos mestres.

Por sorte Zizinho também era personagem recorrente desta coluna – e hoje será uma vez mais. Nascido Tomaz Soares da Silva, filho de Dona Quitu, por obra dela virou Tomazinho e depois Zizinho. E por obra própria, pelo que fez no futebol, tornou-se Mestre Ziza – denominação mais do que justa para aquele que, sob qualquer ótica que se pretenda avaliá-lo, foi um verdadeiro mestre.

Mestre dos gramados. Com grande visão de jogo e domínio de bola, Zizinho chutava com ambas as pernas, cabeceava com categoria, driblava fácil e lançava com perfeição. Pelé começou a jogar bola querendo ser como ele – e até nisso provou sua genialidade. O Rei teve no pai, Seu Dondinho, um grande exemplo. Mas de mestre ele só chamou uma pessoa no mundo: Zizinho.

Mestre da valentia. Zizinho ensinou que era possível ser craque e jogar com raça. Não a raça de dar carrinhos e distribuir pontapés, mas de reagir com coragem aos que tentavam destruir seu futebol. Recordo-me do dia em que ele me contou como quebrou a perna de um alemão que o caçava em campo. “O craque é melhor que o perna-de-pau até para bater” – disse ele. “Quando um vaca-brava entra de carrinho em você, é só levantar a perna um palmo, para que a canela dele se encaixe entre a sola do teu pé e o chão. O peso do teu corpo e a velocidade do bruto farão o resto. Naquele dia, o estádio inteiro ouviu o estalo do osso”. Cinqüenta anos depois, foi como se eu também tivesse ouvido.

Mestre da liderança. Quem viu Zizinho jogar, conta que era comum ecoar pelo estádio o barulho que ele fazia para chamar a atenção dos companheiros, batendo com as palmas das mãos nas coxas, enquanto corria com a bola. Era uma referência absoluta dentro de campo, o jogador para o qual todos voltavam os olhos – companheiros, torcedores e adversários – quando a situação se complicava.

Mestre da tática. Zizinho foi um precursor do jogador-treinador. Não apenas porque escreveu livros e virou técnico quando parou de jogar, mas principalmente por ter sido, junto com Puskas, um dos primeiros jogadores a comandar o time de dentro de campo, promovendo alterações táticas com a partida em andamento.

Mestre da generosidade. Foi um dos dez maiores jogadores da história, mas nunca poupou elogios nem conselhos para os craques das novas gerações. Zizinho foi uma ponte luminosa que interligou três grandes gerações do futebol brasileiro: a de Leônidas na Copa de 38, os injustiçados de 1950, e os grandes campeões, liderados por Pelé, Garrincha e Didi.

Após esse singelo inventário das glórias do meu herói, fico imaginando quantas outras ele teria colecionado, não fossem os dissabores que enfrentou, como a injustiça da não convocação para a Copa de 54 – na qual certamente ele teria acalmado o time e impedido que tomássemos aqueles dois gols dos húngaros nos primeiros 15 minutos – e a maneira absurda como deixou o Flamengo e, mais tarde, o São Paulo.

Saí do funeral da avó Eulália direto para o velório de Mestre Ziza, em Niterói. Lá, não encontrei bandeiras do Bangu. Tampouco vi um mísero representante da CBF. Pouco antes de morrer, o Mestre disse: “O medo de perder está acabando com o futebol. Chegamos a botar oito defendendo e só dois lá na frente, meu Deus”... Pensando bem, não há mais espaço no futebol de hoje para um homem como Zizinho. E seria injusto pedir-lhe que continuasse querendo viver nesses tempos de tanta falta de reverência aos mestres.

Para terminar esta coluna com mais uma homenagem ao Mestre Ziza, só mesmo apelando para um outro samba: “Tinha a dignidade de um mestre-sala”, escreveu certa vez Aldir Blanc. Zizinho foi o nosso mestre-sala dos gramados. Uma flor rara de talento, em meio a tantos espinhos de mediocridade.

 

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