Brasil encara a Coreia do Sul no berço da cultura K-pop, que invadiu o futebol nos últimos anos
Recentemente, dezenas de clubes ganharam destaque espontâneos de famosas bandas do gênero
O Brasil encara a Coreia do Sul nesta sexta-feira (10), na capital Seul, em mais um amistoso preparatório visando a Copa do Mundo do próximo ano. O que poucos sabem, no entanto, é das ligações culturais e musicais que o país acabou tendo com o futebol nos últimos anos, graças ao movimento K-pop. Foi ainda na década de 90 que este fenômeno teve início como música popular, e ao longo da última década, impulsionado pelos investimentos do governo sul-coreano, ganhou notoriedade e febre entre os jovens de todo o mundo, expandindo seus horizontes para atletas e clubes, inclusive no Brasil.
Recentemente, o grupo k-pop Stray Kids, com mais de 32 milhões de seguidores somente no Instagram, ganhou uma camisa de edição limitada em colaboração com o Tottenham. De acordo com o clube inglês, a parceria visa criar um produto distinto, combinando a identidade de um time de futebol com a estética da banda masculina sul-coreana, com objetivo de ter um alcance global.
A parceria, feita em collab entre as duas marcas, pode parecer casual, mas vem se tornando cada vez mais constante dentro do futebol nos últimos anos. Esse fenômeno leva o nome de blokecore, pois combina elementos esportivos às composições urbanas e musicais.
"Collabs como essa buscam uma troca inteligente de audiência, conectando fãs de música e esporte. A ideia é aproveitar que as pessoas têm múltiplos interesses e são naturalmente influenciadas por quem já conquistou sua confiança nesses universos", avalia Ivan Martinho, professor de marketing esportivo pela ESPM.
Alguns casos na Europa se tornaram muito conhecidos. Em meados de 2023, o atacante Erling Haaland, do Manchester City, e Jisoo, integrante do grupo sul-coreano Blackpink, se encontraram em Seul durante a pré-temporada do time na Ásia. As duas personalidades trocaram presentes e até participaram de uma entrevista juntos, e o encontro viralizou em todo o mundo.
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Em 2023, a cantora Jennie, que possui mais de 87 milhões de seguidores no Instagram, foi vista usando uma camisa do Manchester United em um videoclipe. Ela faz parte do grupo do Blackpink, que tem uma parceria com a marca de material esportivo adidas. Informações de bastidores constam que a camisa utilizada por Jennie esgotou nas lojas após o lançamento do vídeo.
"O que se vê de novo é a transformação gradual dos clubes de futebol em plataformas de conteúdo, com associações com públicos distintos, e cada vez mais veremos esses combinações inusitadas, com artistas de gêneros consagrados, consolidados, mas também com "novas ondas", como essa, dos coreanos no Brasil. Não duvido de que logo tenhamos um clube brasileiro se vinculando de alguma forma a atores de novelas turcas, outro fenômeno de mídia recente no país", aponta Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, empresa de entretenimento norte-americana, comandada pelo cantor Jay-Z, que gerencia a carreira de centenas de atletas.
Também em 2023, foi a vez das artistas do Le SSerafim usarem camisas do Barcelona, em collab com a Spotify, parceria do time catalão. A mesma banda fez uma parceria com ninguém menos que a National Basketball Association (NBA), desde abril de 2024, para ser a atração principal do programa de celebridades e influenciadores da organização na Ásia. O projeto, que leva o nome de Friends of the NBA, inclui participação das integrantes em jogos e eventos, atividades promocionais, além de conteúdos exclusivos para as mídias sociais.
?????, @le_sserafim! Nice kits! ????? @Spotify pic.twitter.com/zUrPML16MR
— FC Barcelona (@FCBarcelona) September 9, 2023
"Vivemos numa época em que boa parte da juventude mundial compartilha gostos e referências. O K-Pop tomou conta da geração Z globalmente e os clubes mais ligados devem mesmo buscar esse tipo de collab. Afinal, essa escala permite criar conteúdos de engajamento legítimo entre artistas, atletas e público, que de forma única compartilham os mesmos símbolos e referências, de Salvador à Seul", aponta Alexandre Vasconcellos, gerente regional da Flashscore no Brasil, com experiência em marketing esportivo, comunicação, inovação e ESG no mundo dos esportes.
Já a banda NewJeans, grupo feminino de K-pop com 12 milhões de seguidores no Instagram, tornou-se um ícone no estilo blokecore. A banda colaborou com a Nike em campanhas publicitárias usando uniformes de diferentes seleções patrocinadas pela marca, como a norte-americana e a sul-coreana, popularizando o estilo no mundo do K-pop.
Entre os times brasileiros, são dezenas de casos de 2024 para cá envolvendo homenagens de bandas do gênero. A mais recente delas aconteceu em junho deste ano, quando o grupo NTX fez uma apresentação na Filadélfia, nos Estados Unidos, com todos os integrantes vestidos com a camisa do Botafogo. Isso também já havia acontecido em 2024, quando estiveram no Brasil.
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"Os torcedores adoram quando isso acontece, na verdade, algumas instituições usam essas ações para buscar a internacionalização da marca. Vale lembrar que hoje a briga por audiência é grande e, obviamente, é uma forma de consumo e de receita. Vale um estudo das culturas de ambas as partes para ter uma conexão, uma história, e assim virar algo forte e recorrente", aponta Renê Salviano, CEO da Heatmap e especialista em patrocínios e ativações de marketing esportivo.
"A cultura k-pop possui um poder enorme de comunicação e influência junto ao público jovem. O futebol tem essa força também. Logo, faz muito sentido fazer uma ação conjunta. Comunica-se com o público alvo potencializando a união de duas marcas fortes que trocam atributos", diz Fábio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports e especialista em marketing esportivo.
Em 2023, a cantora Ningning, do grupo Aespa, com mais de 16 milhões de seguidores no Instagram, recebeu uma camisa do Flamengo com seu nome. O momento foi registrado e compartilhado por fãs e pelo próprio clube, mostrando a interação da artista com a cultura local. A camisa foi entregue durante um dos shows da banda e a artista fez questão de mostrar o presente para o público.
UMA VEZ FLAMENGO, SEMPRE FLAMENGO! O perfil oficial do Flamengo em inglês publicou a foto de #NINGNING segurando a camiseta do time com seu nome estampado durante o show do Brasil!
Ela não somente viu o post, como também deixou uma curtida! A maior flamenguista que temos! ??… pic.twitter.com/P62bHjkQlg
— aespa Brasil (@aespabra) September 14, 2023
No mesmo ano, a banda Ateez, com 11 milhões de seguidores no Instagram, fez um show no Allianz Parque, e os componentes apareceram vestidos com as camisas do Palmeiras.
A banda Ateez fazendo show no Allianz Parque vestindo a camisa do Palmeiras! pic.twitter.com/c0ktXkde47
— Diário 1914 (@diario1914) August 26, 2023
Outros clubes também se viram representados pelo k-pop. Em outubro de 2024, a vocalista Rosé, do grupo Blackpink, esteve no Maracanã ao lado de ninguém menos que Bruno Mars, na torcida do Fluminense, durante um clássico contra o Flamengo. Obviamente que a aparição causou alvoroço entre os fãs tricolores.
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Em janeiro de 2025, um caso inusitado ganhou repercussão na torcida do Vitória. O cântico "Chama a Samu" chegou à Coréia do Sul e encantou o músico Ted Park, que apesar de nascido nos Estados Unidos, vem de uma família de sul-coreanos e integra o gênero k-pop. O artista acabou usando a música do Vitória na introdução da single "Slide", que atualmente conta com mais de 300 mil visualizações nos Reels do Instagram.
Ainda no Brasil, talvez o caso mais emblemático e de maior alcance envolveu o Guarani, que atualmente disputa a Série C do Campeonato Brasileiro. A febre começou no segundo semestre de 2023, quando a cantora Gaeul, do grupo coreano IVE, apareceu em um show com a camisa do clube. Logo depois, Hanabashi Rio, integrante japonesa da girl band NiziU, posou com o uniforme utilizado pelo Guarani de 1996, em uma excursão no Japão. Na sequência, a cantora Iu levou as cores do Bugre para Milão, utilizando um casaco de lã azul, com o tradicional escudo da agremiação. Desde então, modelos da camisa do clube viraram "ícones fashion", após estrelas do K-Pop aparecerem vestidas com as cores do time.
"O futebol está cada vez mais conectado com o universo streetwear. Apesar de ser uma camisa antiga, este caso do Guarani exemplificou um pouco dessa aproximação dos nichos. O Barcelona, por exemplo, realizou diversas ativações no uniforme para explorar a indústria musical e conseguiu grande visibilidade", comenta Fernando Kleimmann, sócio-diretor da Volt Sport.
O exemplo citado por Kleimmann refere-se ao grupo Le Sserafim, que visitou as instalações do Barcelona no último ano, em parceria com o Spotify, patrocinador máster do clube espanhol. "No processo de criação dos uniformes da Volt, sempre buscamos nos atualizar das tendências para criar produtos que podem ir além das arquibancadas, potencializando as receitas do projeto e expandindo a divulgação da marca", reforça o executivo.