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Mercado financeiro não deve ter uma nova Carta ao Povo

Vinte anos depois, não há razão para se esperar uma nova carta de Lula aos 'faria limers'

6 jun 2022 - 05h11
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O mercado financeiro, essa entidade mediúnica, joga tradicionalmente um papel importante nas eleições presidenciais brasileiras. Não, certamente, pelos votos que pode oferecer ou angariar diretamente. A tribo dos "faria limers" é diminuta. Mas seu poder de fogo é desproporcionalmente poderoso, já que pode comandar movimentos especulativos bruscos fundamentados em verdades, meias-verdades, crenças, dogmas e mitos. Esses arroubos não só definem ganhadores e perdedores como podem também afetar a vida dos cidadãos que não diferenciam uma posição "short" de uma posição "long" e, dessa forma, influenciam o direcionamento dos candidatos.

O próximo dia 22 de junho marcará os 20 anos da publicação da Carta ao Povo Brasileiro, assinada pelo então candidato Lula. O "povo" do título é uma firula retórica, já que o destinatário da mensagem era o mercado financeiro, que se contorcia em cólicas diante da possibilidade de o PT assumir a Presidência e chacoalhar as doutrinas que inspiram a fé dos operadores.

O candidato não deixou por menos, para assombro dos que dele esperavam um enfrentamento. Falou da necessidade de exportar mais e da desoneração da produção por meio de uma reforma tributária. A reforma agrária, bandeira secular da esquerda brasileira, ganhou tanto destaque quanto a reforma da previdência. O candidato alertava ainda que nada se faria "num passe de mágica", uma concessão pragmática às dificuldades da vida, e teria como premissa "o respeito aos contratos e obrigações do País".

Mencionava ainda a necessidade de "superar a fragilidade das finanças públicas" e se comprometia a preservar o superávit primário "o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente".

Essa cândida profissão de fé não teve efeito imediato (o dólar ainda subiu e a bolsa continuou caindo), mas muito ajudou Lula quando ficou claro que ele ganharia a eleição.

Tudo sugere que desta vez é diferente e o mercado não merecerá tantos rapapés. Os tremeliques da bolsa e os espasmos na curva de juros pouco alteram a vida das pessoas. O diabo está no câmbio, que afeta diretamente os preços dos produtos agrícolas e dos combustíveis. Mas uma queda forte do dólar, no rastro de declarações conciliatórias de Lula, poderia mitigar a inflação, o que beneficiaria Bolsonaro. Não, não há razão para se esperar uma nova carta ao povo da Faria Lima. Fica para depois.

Estadão
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