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'The Boys': 2ª temporada supera a anterior e aposta em temas mais atuais

Série continua acertando em seu retrato realista das consequências do surgimento de super-heróis na sociedade

4 set 2020 - 10h10
(atualizado às 10h16)
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Segunda tempora de 'The Boys' mostra mais sobre o passado dos personagens e traz temas atuais
Segunda tempora de 'The Boys' mostra mais sobre o passado dos personagens e traz temas atuais
Foto: Amazon Prime Video / Divulgação / Estadão

Ao ser lançada em 2019 a série The Boys trouxe um tema que não é necessariamente novo: mostrar de forma realista o que aconteceria se super-heróis existissem em nossa sociedade. Mas a produção surpreendeu pela sua abordagem, e continua acertando na segunda temporada, que estreia nesta sexta-feira, 4, na Amazon Prime Video.

O segundo ano da série mostra o acirramento do embate entre dois grupos: de um lado estão Os Sete, formado por sete super-heróis que não são tão heróis assim e são empregados pela empresa Vought International. Do outro estão Os Garotos, ou Boys, em inglês, que foi se formando ao longo da primeira temporada e reúne anti-heróis que acabam tendo atitudes mais heroicas que os próprios super-heróis da produção.

Como mostrado no final da primeira temporada, Hughie Campbell (Jack Quaid), Mother's Milk (Laz Alonso), Frenchie (Tomer Capon) e a Fêmea (Karen Fukuhara) viraram criminosos, e agora precisam se esconder e atuar clandestinamente. Para piorar, o grupo começa a segunda temporada separado do seu líder, Billy Butcher (Karl Urban), que os abandonou no final da fase anterior.

É interessante ver que o grupo vai se tornando cada vez mais uma família conforme passam mais tempo juntos, desenvolvendo um grau de lealdade entre si que não passa mais, necessariamente, por Butcher. O destaque fica para a relação de Frenchie e da Fêmea, ou Kimiko, que já havia chamado atenção nos episódios divulgados no ano passado. Enquanto isso, vemos um Butcher perdido passar por altos e baixos após a grande revelação da temporada anterior.

As relações entre os integrantes dos Garotos, que acabam sendo os verdadeiros heróis da série, são aprofundadas na nova temporada
As relações entre os integrantes dos Garotos, que acabam sendo os verdadeiros heróis da série, são aprofundadas na nova temporada
Foto: Amazon Prime Video / Divulgação / Estadão

Do outro lado estão os "heróis", que estão bem longe do que imaginamos quando ouvimos o termo. Os Sete encontram-se ainda mais divididos, desconfiando uns dos outros, e têm que lidar com desfalques na equipe. Um dos grandes acertos de The Boys está na mensagem que o grupo passa: uma pessoa pode ter poderes e abusar deles, cometer assassinatos ou outros crimes, e mesmo assim ser vista como um herói pela sociedade.

No meio do conflito entre as duas equipes está o relacionamento entre Hughie e a heroína - uma das poucas que faz juz ao título - Starlight (Erin Moriarty). Ele acaba tendo que lidar com novos e antigos traumas e se adaptar a sua nova realidade, enquanto ela se distancia cada vez mais da imagem idealizada sobre heróis que tinha. A relação dos dois é interessante, mas o destaque é a progressiva perda de otimismo e esperança deles enquanto tentam derrubar Os Sete.

Os Sete, equipe de super-heróis da série, encontra-se mais dividida na nova temporada
Os Sete, equipe de super-heróis da série, encontra-se mais dividida na nova temporada
Foto: Amazon Prime Video / Divulgação / Estadão

Novamente o líder dos Sete, Homelander (Antony Starr), é a grande estrela da produção. É por meio dele que a série apresenta uma abordagem interessante: ela não coloca nuances em um super-herói, ou o faz realizar ações erradas mas justificadas pelo seu objetivo. Homelander é mostrado claramente como um sociopata, capaz dos piores atos, fruto exatamente da sociedade que o glorifica.

O personagem também é beneficiado pela ótima atuação de Starr, que rouba a atenção do espectador com suas caras e olhares que dão muito mais medo e geram mais tensão que muitas cenas fortes. Na segunda temporada o Homelander tenta ganhar mais espaço no comando da sua equipe, mas acaba tendo que lidar com as consequências de suas ações, que criam uma dinâmica interessante para o "herói" e mostram que ele não é tão frio e calculista quanto tenta ser. Tudo isso se soma às tentativas - cômicas e tensas ao mesmo tempo, uma marca do personagem - de agir como pai, uma dinâmica revelada no final da primeira temporada.

O super-herói Homelander enfrenta novos desafios enquanto tenta assumir de vez o controle de sua equipe de heróis
O super-herói Homelander enfrenta novos desafios enquanto tenta assumir de vez o controle de sua equipe de heróis
Foto: Amazon Prime Video / Divulgação / Estadão

Uma das grandes vantagens da temporada é que, por ser uma continuação, ela não precisa apresentar todo um universo novo e seus personagens. Partindo das bases da primeira temporada, há um aprofundamento dos personagens e enredo.

O espectador conhece mais do passado de Frenchie, Mother's Milk, Kimiko, a Rainha Maeve (Dominique McElligott) e até dos três principais personagens: Hughie, Butcher e Homelander. Quase todo o elenco secundário ganha mais tempo de tela, uma mudança bem-vinda que enriquece a trama e nos faz ter mais afeição por algumas figuras.

As principais exceções ficam com os heróis The Deep (Chace Crawford) e A-Train (Jessie T. Usher). O segundo tem alguns bons momentos ao longo da nova temporada, mas acaba ficando um pouco apagado. Já o primeiro tem arcos secundários, que mantém sua função de alívio cômico - provavelmente uma referência a todas as piadas envolvendo o Aquaman, herói da DC Comics que claramente inspirou a produção - mas que não entretém muito e contribuem pouco para a série.

Um personagem, porém, segue sendo um mistério: Black Noir. O herói ganha mais tempo de tela, com ótimas cenas de ação e momentos cômicos, mas isso não traz um aprofundamento sobre quem ele é ou seu passado. No fim, isso acaba fazendo parte do seu "charme", e até faz sentido caso os responsáveis pela produção sigam o enredo dos quadrinhos que inspiraram a série.

E os fãs da história em quadrinhos The Boys, lançada entre 2006 e 2012, também vão ficar felizes por encontrar diversas referências, algumas mais sutis e outras mais explícitas, ao material original. Fica claro que a série cumpre bem a sua função de adaptação: ela consegue manter a essência do original, mas com atualizações e aprofundamentos.

Um dos personagens que melhor representa isso é a novata Stormfront (Aya Cash). A primeira mudança é que, diferente dos quadrinhos, a heroína é uma mulher. Mas a mudança mais relevante é que a nova integrante dos Sete traz com mais força o universo das redes sociais para o mundo dos super-heróis.

Um dos destaques da temporada é a super-heroína Stormfront, nova integrante dos Sete
Um dos destaques da temporada é a super-heroína Stormfront, nova integrante dos Sete
Foto: Amazon Prime Video / Divulgação / Estadão

Stormfront pode parecer menos assustadora que Homelander, mas consegue ser uma vilã mais fria e calculista, exatamente o que o herói tenta ser, o que gera uma mistura de raiva e inveja em Homelander que é bem explorada. Por meio da heroína é possível entender como os super-heróis podem se aproveitar das redes sociais, atuando quase como influenciadores. A personagem realmente coloca The Boys em 2020, mostrando memes, fakes news e todo o potencial de mobilização das redes.

A série também se moderniza nos temas que aborda. Além das já presentes críticas ao uso da religião e da força dos grandes conglomerados empresariais e seu potencial de destruição e manipulação, alguns episódios colocam em debate a forma como a sexualidade ainda é explorada economicamente por empresas, e traz temas como racismo, superioridade racial e xenofobia.

Além da nova heroína, a série também inclui em seu elenco um nome de peso, Giancarlo Esposito. O ator dá vida ao CEO da Vought International, Stan Edgar, e materializa os objetivos da empresa de lucrar em cima dos heróis, das esperanças e medos das pessoas, e de influenciar a opinião pública. Esposito mostra que o líder de uma empresa bilionária pode ser tão perigoso quanto um super-herói, com destaque para sua dinâmica com Homelander.

Série aposta em temas mais atuais em seus episódios, incluindo as redes sociais e o poder de mobilização dos memes e fake news
Série aposta em temas mais atuais em seus episódios, incluindo as redes sociais e o poder de mobilização dos memes e fake news
Foto: Amazon Prime Video / Divulgação / Estadão

Todos esses elementos se unem em uma temporada que conseguiu superar a anterior. Mais madura, a produção apela menos para cenas hiper violentas, e cria um humor próprio que combina com o estilo da série. O enredo mantém elementos da primeira temporada, mas fica mais sombrio e tenso, com um mistério que é introduzido no começo da temporada mas é resolvido apenas em seu fim.

A produção segue cumprindo bem seu objetivo, entender o que aconteceria se nossa sociedade produzisse super-heróis que, no fim, refletiriam a própria sociedade. The Boys aposta que esses heróis acabariam mostrando, e sendo afetados, pelo que de pior existe nela: ganância, violência, superexposição, hipocrisia e abandono.

É uma abordagem mais pessimista até que outras produções parecidas, como Watchmen ou Justiceiro, pois coloca seus "heróis" não como vigilantes que operam à margem da lei, mas sim como os próprios símbolos e representantes de um sistema repleto de erros, e que trouxe um olhar novo para um setor que ainda é muito influenciado pelo sucesso do "modelo" Marvel, com um tom mais otimista, leve e esperançoso.

Os três primeiros episódios, lançados em conjunto nesta sexta-feira, já trazem todos os elementos de sucesso da segunda temporada, inseridos em um pequeno arco narrativo que tem um fim brutal e dá o tom dos próximos cinco episódios, que serão lançados semanalmente na plataforma de streaming às sextas-feiras. Quem é fã do gênero de super-heróis, quadrinhos, ou de uma boa série de ação com temas pesados e que fazem refletir, não pode perder.

*Estagiário sob supervisão de Charlise Morais

Estadão
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