Quando a saída repentina do apresentador de telejornal vira notícia e abala a emissora
Estratégia bem-sucedida para a aposentadoria de William Bonner do ‘JN’ contrasta com episódios dramáticos de desligamento
A despedida de William Bonner do ‘Jornal Nacional’, após 29 anos como titular, provou a importância do planejamento discreto a longo prazo.
Foram cinco anos de conversas e negociações nos bastidores até que ele anunciasse em setembro a retirada, dois meses antes do adeus.
Sem os devidos cuidados, a situação poderia degringolar, com provável abalo na confiança dos anunciantes do ‘JN’.
Conduzida com leveza, a sucessão na bancada não gerou fuga de público nem estranhamento no mercado publicitário. César Tralli foi rapidamente abraçado pelos telespectadores e o ‘Jornal Nacional’ segue inabalável.
A mesma contenção de danos não aconteceu em outros desligamentos de âncoras de telejornais.
Sem despedida
Na véspera do Réveillon de 2005, a Record rescindiu o contrato com Boris Casoy. Ele era o âncora do ‘Jornal da Record’.
A queda inesperada do apresentador atingiu alguns profissionais de sua confiança, também demitidos.
Na época, comentou-se no meio jornalístico que a emissora havia decidido transformar o ‘JR’ em um clone do ‘Jornal Nacional’.
Visto como desrespeitoso, o rompimento abrupto com Casoy repercutiu mal, inclusive com boato de que houve pressão política pedindo a ‘cabeça’ do jornalista.
Apesar dos investimentos milionários, o principal telejornal do canal da Barra Funda jamais ameaçou a audiência e o prestígio do ‘JN’.
Demissão com ‘guerra santa’
Antes de Boris Casoy, a Record já havia sido palco de um desligamento traumático relacionado à transmissão de um pastor da Igreja Universal, Sérgio Von Helder, chutando e xingando uma imagem de Nossa Senhora em programa religioso da Record.
Aconteceu em outubro de 1995, por ocasião do dia da padroeira do Brasil.
Chico Pinheiro era âncora do ‘Jornal da Record’ e diretor de jornalismo na emissora havia seis meses. Ele se rebelou contra a ordem de exibir um pronunciamento do bispo Edir Macedo, líder da igreja e dono do canal.
Avisou que só colocaria no ar se mostrasse também uma gravação em que uma autoridade da Igreja Católica comentasse o episódio. Após longa queda de braço e ameaça de se demitir, ele mostrou os dois pontos de vista.
A defesa da imparcialidade jornalística cobrou dele um preço alto: ao chegar à Record na manhã seguinte, foi recebido por dois seguranças e um representante do RH. Estava na rua. Chico levou o canal à Justiça porque ainda tinha 3 anos e meio de contrato. A credibilidade da emissora ficou abalada.
Motivos polêmicos
A Globo se viu envolvida em manchetes negativas duas vezes. A primeira foi no afastamento seguido de rescisão contratual de William Waack.
Ele deixou o ‘Jornal da Globo’ em dezembro de 2017, após alguém da equipe vazar um vídeo de bastidor em que fazia um comentário interpretado como racista.
Outro momento crítico foi a demissão repentina de Rodrigo Bocardi, apresentador do ‘Bom Dia São Paulo’, ‘Bom Dia Brasil’ e eventualmente do ‘Jornal Nacional’.
Em nota, o canal alegou que ele teria descumprido “normas éticas do jornalismo”. Na internet, uma onda de rumores de suposto conflito de atividades particulares (consultorias, por exemplo) com o trabalho na TV. Bocardi negou e disse ter sido alvo de “grande injustiça”.
A Globo agiu para evitar um escândalo, mas ninguém saiu incólume da situação.