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Por que preconceituosos ignoram travesti e trans da novela?

Personagens de ‘A Força do Querer’ escapam (por enquanto) da intolerância que corroeu ‘Babilônia’

1 ago 2017 - 15h51
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A letargia em relação ao caos políticos terá contaminado aqueles que defendem a heteronormatividade? Onde estão os protestos contra a ousadia de gênero apresentada na novela das 21h da Globo?

Há dois anos, o Brasil assistia à rejeição de boa parte do público em relação às lésbicas octogenárias de ‘Babilônia’. Fernanda Montenegro (Teresa) e Nathália Timberg (Stela) sofreram múltiplos ataques na internet.

Nonato e Elis, e Ivana: o telespectador se tornou cúmplice dos conflitos íntimos dos personagens
Nonato e Elis, e Ivana: o telespectador se tornou cúmplice dos conflitos íntimos dos personagens
Foto: TV Globo / Divulgação

Na trama, as duas eram xingadas de ‘sapas safadas’ por uma personagem homofóbica. Nas redes sociais, o nível foi bem mais baixo – e a polêmica acabou apontada como pivô do fracasso do folhetim.

Hoje, a travesti Elis Miranda (o motorista Nonato durante o dia), vivida por Silvero Pereira, e a transexual Ivana, interpretada por Carol Duarte em ‘A Força do Querer’, parecem despertar uma aprovação quase unânime.

A tradicional sociedade brasileira mudou tanto em tão pouco tempo? Não, obviamente.

A diferença está numa palavra: sutileza. Em ‘Babilônia’, o País ficou ‘chocado’ logo no primeiro capítulo ao ver duas elegantes senhoras se beijando na boca. Um simples selinho, mas com efeito quase pornográfico.

Por mais bem contada que fosse a história de amor entre elas, a maioria dos telespectadores recusou embarcar na trama. Deu no que deu: personagens interessantes ofuscadas pela intolerância.

Desta vez, o ritmo foi aliado da ousadia. Gloria Perez apresentou a essência de Nonato e Ivana a conta-gotas.

O público foi cooptado a gostar dos personagens, a conhecer seu caráter e, só então – e com leveza – apresentado ao seu ‘outro lado’. Deu-se tempo ao tempo. E funcionou.

Muitos noveleiros certamente não compreendem (tampouco aprovam) o travestismo e a transexualidade, porém gostam de Nonato/Elias e Ivana pelo conjunto de suas características, e não somente pelo gênero e orientação sexual.

A autora escreve sequências didáticas, nas quais ambos abrem o coração e comentam o que sentem no âmago da sexualidade e das emoções.

O telespectador é convidado a ser cúmplice daquelas revelações íntimas e, ao mesmo tempo, recebe esclarecimentos sobre as delicadas questões colocadas em discussão.

É a novela suscitando mudanças sociais, mais uma vez. E ainda dizem que a teledramaturgia não tem valor.

Há outro fator que explica a aprovação, ou pelo menos a tolerância, aos dois personagens: Silvero e Carol eram desconhecidos do público de TV. Fizeram a grande estreia justamente em ‘A Força do Querer’.

Quando atores populares são colocados em papeis polêmicos, há maior chance de o telespectador reagir de maneira negativa. O noveleiro gosta de estereotipar seus artistas preferidos.

Por isso, por exemplo, Tony Ramos faz mais sucesso como herói do que na pele de um vilão. As pessoas se apegam a uma determinada imagem, e estranham ver o ator numa situação provocativa às suas convicções e (pré)conceitos.

Já novatos na teledramaturgia não trazem consigo um histórico de referências e, assim, evita-se comparações e julgamentos passionais.

Nonato/Elis e Ivana estão, por hora, em situação confortável. Resta saber como o público vai reagir quando a verdade de ambos, até agora camuflada, surgir à flor da pele com a intensidade que desejam.

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