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Atriz trans Juhlia Santos explica protesto contra ‘Gisberta’

Ativista critica falta de diálogo com produção da peça e reivindica espaço para artistas transexuais

2 abr 2018 - 13h49
(atualizado às 13h49)
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No dia 27 de março, o post ‘Ator gay que vive mulher trans é atacado por transexuais’ destacou um protesto de transexuais contra o ator Luis Lobianco, intérprete de uma trans no espetáculo ‘Gisberta’.

Artistas transexuais protestam contra ator cisgênero interpretando personagem trans
Artistas transexuais protestam contra ator cisgênero interpretando personagem trans
Foto: Divulgação/Olhar Trans Negro / Sala de TV

A artista Juhlia Santos fez contato para contestar a postagem. “Sou atriz negra trans, militante de várias causas que assolam a minha comunidade, entre elas a falta de representatividade trans na cultura como um todo. Venho criticar a forma tendenciosa que foi a sua matéria”, escreveu em mensagem no Facebook.

Este blog é um espaço democrático e sempre deu espaço a quem questionou as informações aqui registradas.

A militante Juhlia Santos e um cartaz de protesto do movimento de transexuais
A militante Juhlia Santos e um cartaz de protesto do movimento de transexuais
Foto: Divulgação/Olhar Trans Negro / Sala de TV

Juhlia Santos aceitou ser entrevistada para comentar a polêmica envolvendo os transexuais revoltados por ver um ator cisgênero (pessoa que se identifica com o gênero de nascimento) interpretando uma personagem transexual. Um ‘transfake’ na definição dos militantes.

Qual a reivindicação dos artistas que se manifestaram contra a peça Gisberta e o ator Luis Lobianco?

É importante pontuar que o texto-manifesto pela representatividade trans antecede a circulação da peça Gisberta. O movimento nasce da urgência de garantir mais espaços de representatividade trans, inclusive na arte. A reivindicação é no sentido de que não há representatividade sem os nossos corpos presentes, e que não se valham simplesmente das nossas temáticas e sim que nos deem mais espaços para que assim possamos migrar da margem social para o pertencimento.

Vocês fizeram contato diretamente com o ator e a produção?

Quando foi anunciado que a peça viria para o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) Belo Horizonte, nós, artistas trans da cidade, procuramos a produção da peça e o CCBB, e a resposta que foi nos dada é que não haveria conversa antes do previsto (pela produção do espetáculo), que seria uma roda de conversa no final da temporada. O CCBB disse que só se dispunha a conversar se a equipe da peça estivesse presente. Como a equipe de Gisberta não se dispôs a conversar, o CCBB também não se dispôs. Recebemos essa resposta como um descaso e um afronto em pleno mês da visibilidade trans (janeiro). Em relação à roda de conversa indicamos vários nomes para compor o debate. Esses nomes foram rejeitados com a justificativa de que já tinham pessoas trans na mesa. Nós bem sabemos que as pessoas que estavam lá são s olidárias a eles e que, quando questionadas publicamente, não sabiam como se posicionar. Mais uma vez houve a tentativa de silenciamento. Só cederam quando eu mesma afirmei que não sairia dali sem ser ouvida!

Na imprensa, o protesto contra ‘Gisberta’ foi interpretado como agressivo e pouco benéfico à causa da transexualidade. O que tem a comentar sobre a repercussão?

A repercussão midiática tem sido muito rasa e tendenciosa, o que nos leva a questionar a credibilidade quando uma matéria é construída somente por um olhar. Vemos com tristeza as armas usadas pelos acessos aos meios de comunicação na tentativa de manutenção dos privilégios. Afirmo que a maioria (das matérias) não passa de falácias que beiram a criminalidade. Já estamos estudando meios judiciais para nos defender, pois a cada dia estamos sendo colocadas como opressoras numa tentativa de distorcer a opinião das pessoas em relação ao nosso movimento.

Na sua opinião, personagens trans (reais ou fictícios) devem ser interpretados apenas por atores transexuais?

No teatro pode tudo, inclusive o repensar artístico. Como artista, entendo que um ator ou atriz pode dar vida a qualquer personagem, sendo trans ou cis. Mas se de fato uma pessoa é sensível ao tema não cabe tomar o lugar de fala da outra. Se, por exemplo, Luis Lobianco assumir que a peça é extremamente comercial e não tem cunho político e sensível às causas, aí sim vamos entender o que não se pode esconder embaixo de um discurso de cis aliado às causas trans. Entendo que o teatro é a arte de ‘farsar’. Mas, como acontecia lá no início do teatro, não podemos nos desgarrar das questões sociais. Temos que ter responsabilidade, enquanto artistas, do nosso fazer artístico. E a discussão vai além do ‘transfake’ quando pensamos que, durante anos, o espaço do teatro foi negado a mulheres e negros, e ainda assi m em Gisberta vemos um ator cis interpretar uma personagem feminina. Um homem tomando o espaço de mulheres.

Em conversa prévia com o blog, você comentou ter conseguido ocupar o lugar de um ator cisgênero que interpretava um personagem trans. Como foi o episódio?

Depois que o ator e diretor Rodrigo Jerônimo, do Grupo dos Dez, de Belo Horizonte, teve acesso ao texto-manifesto da representatividade trans, ele não se viu mais interpretando a personagem primorosa que faz parte da peça Madame Satã. Ele já acompanhava alguns trabalhos meus de performance quando me convidou para fazer um teste. Passei e entrei para o elenco da peça.

Como atua e quais as reivindicações do MONART, Movimento Nacional de Artistas Trans?

O MONART nasce da necessidade de nos agruparmos enquanto artistas trans do País. Estamos ainda engatinhando devido às dificuldades de acessos, como nas mídias. Há muitas trans produzindo arte mas que, por estar fora das grandes cidades, ainda não conseguem se aproximar de nós. A cada dia são várias portas fechadas na nossa cara. Nos empurram cada vez mais para longe desses espaços que não são pensados para nós. A não naturalização dos nossos corpos é mantida por textos distorcidos publicados na imprensa. Não temos acesso a quase nada, a começar pelos editais (de verba pública para produções artísticas) que nos excluem, além da falta de respeito com o não uso de nosso nome social.

A TV tem dado espaço à temática da transexualidade, como na novela ‘A Força do Querer’, por meio do personagem Ivan. Vocês enxergam um avanço no espaço ocupado por transexuais na mídia?

São temas caros, mas que só terão eficácia quando os nossos corpos ocuparem as temáticas de fato. No caso da novela, o único corpo trans foi extremamente anulado e posto de forma a anular as questões. Isso acaba prestando um desserviço tratando de forma rasa diversos assuntos. A autora (Gloria Perez) só mudou sua postura após reivindicações do movimento trans. Quando se coloca pessoas cis (o personagem Ivan foi interpretado pela atriz cis Carol Duarte) tratando da temática trans é uma afirmativa que nós, trans, não somos capazes.

Você, como mulher transexual negra, enfrenta ainda mais preconceito para exercer sua arte?

Eu reivindico meu espaço enquanto travesti por um posicionamento político na tentativa de não tornar invisível quem me antecedeu. Me recuso a passar por uma higienização social. O teatro não foi pensado para me ter e tenho muita dificuldade para convencer artistas de seus privilégios brancos cisnormativos. Hoje afirmo que o teatro tem classe, cor e gênero, uma vez que sou excluída diariamente dos espaços. Vemos os grandes festivais de teatro sem a presença de negros ou com uma presença mínima, sem falar na ausência de corpos trans.

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