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Do Pink Floyd à catarse visual: como foi e como é 'The Wall'

4 abr 2012 - 08h20
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Luís Felipe dos Santos

Roger Waters afirma, durante seus shows, que há uma diferença entre o 'The Wall' concebido em 1979 e o apresentado em 2012: a obra não é mais sobre ele, mas sobre nós todos, e faz referência também às vítimas do "terrorismo de Estado". 'The Wall' teve poucas apresentações ao vivo antes da ópera concebida por Waters. Os DVDs nunca foram lançados oficialmente pela banda e o CD só saiu em 2000 (ouça aqui no Sonora). Entre a ópera-rock de 1980 e a de 2012, há várias diferenças que mostram a mudança de conceito apresentada por Waters.

O muro aberto

Em 1980, a abertura acontecia com um mestre de cerimônias que avisava o que era proibido - de câmeras com flash, também proibidas em 2012, a fogos de artifício, um hábito em shows abertos da época que irritava muito Roger Waters. O avião explode contra o muro em In The Flesh, mas antigamente a música era entoada por uma banda falsa e não tinha a apoteose de Waters, entrando com uniforme de couro e os tradicionais martelos cruzados sobre um fundo vermelho e branco. Essa é só a primeira das grandes diferenças visuais: não há como comparar os efeitos especiais e a tecnologia das duas épocas.

O tecladista Richard Wright, da formação clássica, deixou a banda em 1979 após uma briga com Roger Waters. Entretanto, ele aparece nas apresentações ao vivo de 'The Wall' - fora contratado "por fora" para tocar com a banda na turnê. As divergências entre os integrantes eram claras na época, e culminariam com a saída de Waters em 1985. Apesar das brigas, Wright brilha ao lado de Gilmour na interpretação da melancólica 'The Thin Ice', segunda música do disco, em 1980. A dramaticidade da voz de Gilmour e da sensibilidade de Wright no teclado não são compensadas pelos músicos de 2012. Entretanto, a ópera atual mostra a intenção de Waters em despersonalizar a obra: durante a música, são apresentadas no muro imagens de pessoas mortas pela guerra - como o pai de Waters - ou por ações de Estado - como Jean Charles de Menezes.

Pink Floyd era uma banda de rock progressivo que tinha grande sincronia no palco, mesmo com as brigas fora dele. Em 1980, isso fica muito claro na interpretação da primeira parte de 'Another Brick in the Wall': a banda estende a música por alguns minutos, com o palco escurecido. Na segunda parte, bonecos gigantes e luzes de helicóptero anunciam o riff de baixo de Waters; e aí, se vê a grande diferença com 2012.

Além do oceano projetado no muro na turnê atual, o espetáculo visual do muro com a inscrição "O medo constrói paredes", o som quadrifônico com os efeitos no estádio, a correção do destaque sobre o coral de crianças e mesmo a qualidade do som da banda em 2012 compensam o fato dos quatro integrantes originais não estarem ali. Na gravação de 1980, que mostra um show em Earl's Court, os efeitos visuais não acrescentam quase nada. A música traz a interpretação pessoal de Wright e Gilmour nos solos de teclado e guitarra, que difere sutilmente do que está no disco; os músicos da banda de Waters em 2012 se esforçam para não fazer distinções às notas ouvidas no álbum original.

Apesar das críticas ao 'The Wall' de 1980, Roger Waters lembra com carinho da sua interpretação em 'Mother'. Tanto que reservou um lugar especial para ela no seu show de 2012, projetando em preto e branco imagens dela no muro. Apesar das dificuldades sonoras - microfonias são ouvidas na interpretação de 1980 - a sensibilidade de Gilmour e do próprio Waters fez diferença. É uma música intimista em 1980; Waters transformou isso em um libelo contra a vigilância à sociedade em 2012, com uma câmera e a inscrição "A grande mãe está olhando você", e a frase agressiva na hora da pergunta sobre acreditar no governo. Entretanto, o boneco gigante da mãe opressora olha o palco nas duas versões.

David Gilmour, o autor, é quem brilha no palco interpretando "Goodbye Blue Sky" em 1980 - em 2012, Waters interpreta a música com aviões bombardeando o mundo com símbolos do capitalismo, do comunismo e das religiões. Em 'Empty Spaces', a metáfora da sexualidade pelas flores aparece nos dois shows (e também no filme). A principal diferença entre os dois shows aparece na sequência "What Shall We Do Now", "Young Lust", "One of My Turns" e 'Don't Leave me Now". Enquanto as melhores possibilidades de 2012 permitiram a Waters transformar as músicas em shows de projeções, do show de strip-tease à entrada da mulher no apartamento, em 1980 os efeitos se resumem às luzes e uma alegoria de serpente pairando sobre o palco.

O muro fechado

Em uma apresentação no Nassau Coliseum de Nova York, em 1980, David Gilmour chega a rir enquanto canta sua parte em 'Hey You'; tal deslize dificilmente seria tolerado por Waters na interpretação correta e metódica da ópera-rock em 2012. O muro está fechado, o círculo atrás mostra que ali tem uma banda tocando, a única diferença maior é que os vermes que "comem o cérebro" do protagonista aparecem em um efeito sonoro: em 2012, o muro se abre e fecha em um efeito visual, quando um zumbi "bate" no espectador.

O efeito do buraco no muro, que aparece desde a primeira parte do show em 2012, provoca catarse em 1980, quando é interpretado o solo acústico de 'Is There Anybody Out There'. A sala, o abajur e a TV de 'Nobody Home' de 1980 estão no mesmo lugar em 2012.

É curioso perceber que a ideia das projeções no muro já era aplicada em 1980. Embora não com tanta intensidade, em 'Vera' e 'Bring The Boys Back Home' a banda não se vê, mas as imagens cinematográficas no muro branco. Na última canção, Waters acrescentou o texto contra a guerra e o cinismo dos governos em 2012. Waters diante do muro nas duas versões em 'Confortably Numb'; Gilmour está acima em 1980, interpretando seu solo favorito na banda, de forma diferente a cada show. Não há a catarse visual do muro sendo quebrado pelas mãos de Waters, como em 2012. Em 2011, Gilmour repetiu a performance com Waters na 'O2 Arena', evidentemente sem o vigor da época - chegou a errar a letra - mas sua assinatura no solo que construiu é bem diferente da correção de Snowy White em 2012.

Na segunda parte de 'In The Flesh' em 1980, a banda toca inteira em frente ao muro. Para possibilitar a mudança, o mestre de cerimônias volta, com voz modulada, repetindo o discurso de abertura do show. Na segunda é a própria banda que aparece, não os dublês da primeira. Há as projeções dos martelos, como em 2012; as semelhanças visuais não seguem em 'Run Like Hell'. Em 2012, a pergunta de Waters sobre os paranóicos na plateia, feita ao microfone em 1980, é projetada no telão, que troca imagens na mesma velocidade da música interpretada.

Nas interpretações de 'Waiting for the Worms' e 'The Trial', há uma interessante demonstração da diferença das tecnologias da época. Apesar das animações mostradas serem quase as mesmas, em 1980 o muro se divide em três telas que mostram as animações, enquanto em 2012 já existia a possibilidade do muro ser inteiro uma tela gigante. Ao final, todos os tijolos do muro caem diante da plateia e a banda aparece liderada por um acordeão e um trompete; igual tanto em 1980 quanto em 2012.

Fora do muro

A despeito das imensas dificuldades técnicas, que fizeram 'The Wall' ter poucas apresentações - apenas Nova York, Londres, Dortmund e Los Angeles receberam os shows - e Waters mostrar incômodo em tocar a ópera diante de um estádio, o Pink Floyd demonstrou muitas vezes na época manter a chama das suas grandes apresentações. A banda estava dilacerada emocionalmente pelas brigas, mas em cima do palco o entrosamento parecia completo.

Em 2012, Waters mostra que quer fazer mais do que um show de rock ou uma ópera para vender ingressos caros; quer passar uma mensagem, colocando toda a plateia atrás do muro da sociedade do consumo e da informação. A principal diferença entre o 'The Wall' de 1980 e o 'The Wall' de 2012 está aí; o primeiro mostra uma grande banda e o segundo, um grande espetáculo com mensagens claras e diretas.

Resta torcer para que o espólio do Pink Floyd permita que as fitas do show de 1980 cheguem ao público, como as versões gravadas do álbum lançado em 2000. As duas interpretações se completam nos seus tempos.

Foto: Getty Images/Edson Lopes Jr. / Terra
Fonte: Terra
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