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Como o coronavírus pode fazer a temporada de festivais de música desaparecer

Nos EUA, o cancelamento do SXSW e o possível adiamento do Coachella colocam em risco a sequência de eventos de verão

10 mar 2020 - 17h40
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A economia local de Austin, no Texas, passou a esperar um influxo de receita do South by Southwest, o festival de música, cinema e tecnologia anual que atrai milhares de visitantes. Então quando a cidade, citando o crescimento do novo coronavírus, cancelou o evento este ano, mandou um choque ao sistema. Artistas em ascensão perderam a chance numa plataforma de muita atenção. Pequenos negócios viram sumir um inchaço aguardado no tráfego de pedestres.

"Estamos devastados em dividir essa notícia com vocês", disseram os organizadores do SXSW na semana passada. "'O show deve continuar' está no nosso DNA, e essa é a primeira vez em 34 anos que o evento em março não acontecerá."

A decisão, tomada ao mesmo tempo em que autoridades municipais declararam calamidade pública com a ameaça do coronavírus, tem sido classificada como lamentável mas necessária. Os festivais são o mais recente setor da indústria do entretenimento a sofrer com o resultado do vírus potencialmente mortal se espalhando pelo mundo, e, apesar de outros terem cancelado seus planos antes, o SWSX é amplamente visto como um ponto de inflexão. Com rumores de ser transferido de abril para outubro, o Coachella Valley Music and Arts Festival é o próximo grande evento com a batata quente.

E conforme a temporada de festivais de verão no hemisfério norte se aproxima, não será o último.

"Esse é o começo do vírus", disse o advogado de entretenimento baseado em Nova York David Chidekel. "O que está acontecendo é que as pessoas, de um ponto de vista preventivo, começam a pensar que é melhor cancelar do que, se algo der errado, parecer os babacas gananciosos que não fizeram nada."

O SXSW relatou mais de 400 mil participantes no ano passado. O Coachella, localizado num condado da Califórnia que reportou múltiplos casos do novo coronavirus, espera atrair cerca de 250 mil. E o Stagecoach, o festival de música country após o Coachella, já teve mais de 70 mil.

Mesmo se uma cidade não declara calamidade pública ou limita o tamanho de ajuntamentos autorizados, Chidekel diz que há a ameaça de um "desastre de relações públicas" sobre os eventos de grande escala agendados para o futuro próximo. Dessa posição, ele continua, não há tanto prejuízo em cancelar. Se o surto piorar, os organizadores vão estar na linha de frente daqueles tentando impedi-lo; se não, eles ainda serão "aqueles que de maneira prudente colocaram seus interesses financeiros em banho-maria pela segurança das pessoas".

O jornal The Washington Post entrou em contato com diversos festivais agendados para os próximos meses nos EUA. Os dois que responderam, BottleRock Napa Valley and D.C.'s Broccoli City Festival, ocorrem em maio e disseram que, nesta terça-feira, planejam seguir em frente enquanto continuam em contato com as autoridades de saúde.

A perda financeira de jogar fora um festival pode ser impressionante, chegando aos milhões. Os organizadores do SXSW confirmaram para o Austin Chronicle que não tinham seguro cobrindo cancelamento por "infecções bacterianas, doenças contagiosas, vírus e pandemias". As apólices comuns não cobrem esse tipo de causa, apontou Chidekel, acrescentando que "elas passarão a cobrir, posso garantir".

Em relação ao pagamento de artistas, festivais de música cancelados podem não ter tanta obrigação financeira. Com a exceção de headliners que podem ser pagos adiantados — "o 1%, digamos", afirma Chidekel — a maioria dos artistas assina contratos sujeitos a uma cláusula de "força maior", o que alivia o festival de cumprir suas obrigações contratuais quando as circunstâncias estão fora de seu controle.

Tom Leavens, um advogado baseado em Chicago que serviu como conselheiro na Pitchfork Media antes da sua venda para a Condé Nast, costumava ajudar a coordenar o Pitchfork Music Festival e disse que cláusulas de força maior são "bastante comuns" nas indústrias. Enquanto o surto de coronavírus em si possa ser suficiente para ativar a cláusula, Leavens disse que as declarações de calamidade pública de governos locais, como em Austin, fornecem um porto seguro.

"É um argumento mais forte para o festival, se eles são proibidos de seguir em frente por conta de ação governamental", disse Leavens. "Quaisquer licenças que tenham sido garantidas ou retiradas, quaisquer recursos que a cidade forneceria, seriam retirados… Eles não podem levar a culpa por isso."

Há um argumento a favor do adiamento de festivais que encontra paralelo no que provavelmente aconteceu com o último filme de James Bond, No Time to Die, cujo lançamento foi adiado de abril para novembro. A decisão foi dispendiosa, dado o dinheiro gasto com divulgação até agora, mas os produtores devem recuperar no outono, quando os cinemas na China, o segundo maior mercado de cinema do mundo, devem estar abertos novamente. De maneira similar, os fãs de música podem estar mais inclinados a participar do Coachella em outubro, caso ele seja realmente adiado.

Enquanto alguns artistas cancelaram ou adiaram turnês, casas de shows menores não parecem ter sido atingidas ainda. A diretora de comunicação da IMP, empresa que opera palcos em Washington, DC, Audrey Fix Schaefer, disse que eles aumentaram os esforços de higienização mas não tiveram de cancelar nenhum show ainda. Mas a situação está evoluindo, disse. É difícil prever como ela vai proceder.

"Veremos mais disso", disse Chidekel. "Vai afetar os esportes, vai afetar - bom, o lance do James Bond, certo? É escandaloso. Essa é a ponta do iceberg." / Tradução Guilherme Sobota

Estadão
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