Beth Carvalho é tema de novo Sambabook; Zeca Pagodinho e Jorge Aragão explicam poder da 'madrinha'
Projeto volta após oito anos. Especial, que será gravado em dezembro, terá as participações de nomes como Zeca Pagodinho, Diogo Nogueira, Teresa Cristina e Xande de Pilares
Não há sambista surgido a partir dos anos 1970 que não reverencie Beth Carvalho (1946-2019). Se não o faz, como diria um velho samba de Dorival Caymmi, 'é ruim da cabeça ou doente do pé'.
Se Nara Leão uniu o samba de morro com a bossa nova, Beth foi buscar nos terreiros e rodas de samba do subúrbio carioca a autenticidade do gênero que perdura até hoje. E ela encontrou. Sobretudo no bloco Cacique de Ramos: o pagode, um jeito de levar o samba de forma festiva, com uma percussão inovadora e melodias que convidam o ouvinte a cantar junto - assim como acontece na reunião de pagodeiros.
Por isso, nada mais justo que Beth seja o tema da próxima edição do Sambabook, que retorna após oito anos. A gravação do especial que dará origem ao projeto audiovisual, como é de praxe no projeto, será em dezembro, ainda em dia a ser anunciado. A previsão de lançamento é para o primeiro semestre de 2024.
Já estão confirmados para os números musicais os nomes de Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Diogo Nogueira, Teresa Cristina e Xande de Pilares. Todos interpretarão músicas que Beth lançou ao longo da carreira.
Para Aragão, uma das crias de Beth - ele fazia parte do bloco Cacique de Ramos -, a cantora promoveu, de fato, uma revolução no mundo do samba. "Beth representou a virada de chave para tantos compositores de samba da periferia, como eu", diz o sambista ao Estadão.
A opinião de Aragão encontra reforço em um dado artístico/histórico importante. Beth foi a primeira a levar para um estúdio de gravação uma roda de pagode, tal qual ela acontecia no Cacique. Foi no disco De Pé no Chão, que ela lançou em 1978. O álbum trouxe a música Vou Festejar, parceria de Aragão com Dida e Neoci, um dos grandes sucessos de Beth.
Quem teve trabalho foi o produtor Rildo Hora, que precisou descobrir um jeito de captar uma roda de samba dentro de um estúdio profissional de gravação, algo nunca feito anteriormente. Quem tocou foi o Grupo Fundo de Quintal, à época com uma formação que incluía, além de Aragão, Bira Presidente, Ubirany, Sereno, Neoci, Almir Guineto e Sombrinha - e eles seguiram participando dos discos da cantora ao longo dos anos 1980.
Camarão que dorme...
Outro apadrinhado por Beth, e também frequentador do Cacique de Ramos, Zeca Pagodinho teve sua primeira composição gravada pela cantora em 1983. Camarão Que Dorme a Onda Leva, parceria com Arlindo Cruz e Beto Sem Braço, contou com a participação de Zeca nos vocais. Outro grande sucesso.
"Achei muito legal saber que a madrinha vai ganhar um Sambabook. Foi ela quem criou aquele movimento do pagode, do Cacique de Ramos que a gente frequentava - eu, o Arlindo (Cruz), o Fundo de Quintal. Foi a Beth que começou tudo isso", diz Zeca.
O cantor e compositor João Nogueira (1941-2000), igualmente importante no fomento desses encontros de sambistas (ele formou o Clube do Samba, em 1978), será, de certa forma, representado no Sambabook por seu filho, Diogo Nogueira, um seguidor, não apenas do pai, mas também do caminho aberto por Beth.
Diogo, que participou de todas as edições anteriores do projeto (leia mais abaixo), diz que o Sambabook dá ao samba o prestígio que o gênero merece ter. "Não vejo a hora de encontrar novamente grandes artistas no estúdio para a gente celebrar a nossa madrinha Beth Carvalho. Vai ser inesquecível", diz.
Afonso de Carvalho, criador e diretor artístico do Sambabook, foi empresário de Beth por 15 anos e diz que a cantora tem um lugar de honra não apenas no samba, mas também na música brasileira.
"A paixão que ela tinha pelo samba, pelo patrimônio musical e cultural que ela ajudou a criar, era algo emocionante. Vamos produzir uma homenagem linda, por ela e para ela" diz ele, que é sócio da Musickeria, produtora do Sambabook.
Projeto terá discobiografia e podcast
Além da gravação dos números musicais, o Sambabook contempla outros conteúdos em torno da obra do homenageado. O jornalista e pesquisador Rodrigo Faour trabalha na discobiografia de Beth Carvalho. Também será editado um caderno de partituras originais dos sambas incluídos no repertório. Para o ambiente digital, um podcast trará entrevistas com os principais envolvidos e participantes do projeto.
"Fomos na contramão do mercado quando editamos o primeiro Sambabook, há 12 anos, apostando na criação de um projeto multiplataforma ousado e inédito. O fato de estarmos preparando uma nova edição em homenagem a Beth, renovada e alinhada às demandas do ambiente da música digital, endossa que estávamos certos", diz Luiz Calainho, sócio da Musickeria.
Antes de Beth Carvalho, já foram homenageados pelo Sambabook João Nogueira, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Dona Ivone Lara e Jorge Aragão. Ao todo, 120 artistas já participaram das gravações que geraram mais de 120 faixas de áudio e vídeo.