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Matuê tinha todas as desculpas prontas em XTRANHO (mas não precisou usar)

O rapper entrega álbum que cumpre o que promete e dá visibilidade ao underground — mesmo que pudesse ir ainda mais longe

12 dez 2025 - 10h24
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Ele tinha todas as desculpas prontas. "Ah, álbum ruim": é um álbum estranho. "Ah, a sonoridade não combina": é um álbum estranho! "Ah, que maluquice é essa, muito barulho": é um álbum ESTRANHO! O título XTRANHO poderia funcionar como escudo perfeito para qualquer crítica, um salvo-conduto artístico que transformasse falhas em características. Afinal, é isso que está prometido, certo? Estranheza, desconforto, ruptura.

Foto: Divulgação / Rolling Stone Brasil

Mas corta. Respira. Escuta de novo.

Porque a verdade é que Matuê não precisa dessas desculpas. XTRANHO é bom, seja um álbum experimental ou não. Não é interessante "considerando a proposta". É simplesmente um bom álbum. Decidido, coeso, que cumpre exatamente o que promete e ainda entrega algo a mais: uma plataforma gigante para o underground do trap brasileiro respirar. E isso, por si só, já vale o ingresso.

Após quatro meses de produção e uma audição única — e histórica — no Vale do Anhangabaú na noite de quarta, 10, XTRANHO finalmente chegou.

"REI TUÊ" abre o disco como uma declaração de intenções promissora — e é uma das melhores faixas do álbum. A produção suja, as batidas cortantes, o flow confiante. Matuê está avisando: "Eu represento o meu bando". Não é só sobre ele. Nunca foi. É sobre a 30PRAUM, selo que o rapper fundou com Clara Mendes, sobre a cena, sobre quem ficou de fora do mainstream enquanto o trap brasileiro virava commodity.

"TALKING ABOUT" vem logo depois e traz uma familiaridade proposital. É impossível não ouvir ecos sutis de 333, o álbum anterior que quebrou recordes no Spotify e consolidou Matuê como o maior nome do trap nacional. Mas aqui, a nostalgia é estratégica. É como se o rapper estivesse dizendo: "Lembra disso? Pois é, agora esquece". Porque XTRANHO não quer ser 333 Deluxe. Quer ser outra coisa, melhor, mais ambiciosa.

E aí vem "MEU CEMITÉRIO", o single que antecedeu o disco e que, convenhamos, é bem superior ao descartado "JAPONÊS" (que sequer entrou na tracklist). A faixa constrói uma paisagem sombria, quase ritualística, com influências claras de Aphex Twin — não apenas na produção, mas na forma como o desconforto é usado como ferramenta estética. É feiura proposital, é sangue no crucifixo, é a recusa em ser palatável.

A partir de "ÍCONE FASHION", o disco abre suas portas. Kouth, Cashley, N.A.N.A., FAB GODAMN, Okie, Phl Notunrboy, LPT ZLATAN — não são feats decorativos. São vozes que trazem autenticidade, que vêm de um lugar não contaminado pela máquina empresarial da música. E é aqui que XTRANHO cumpre talvez sua função mais importante: dar visibilidade a quem está fazendo o trabalho sujo enquanto o mainstream polvilha purpurina.

"AUTOBAHN" (com Cashley) sintetiza isso no refrão: "Baby, eu tenho um plano pra gente ficar gigante". O plano é óbvio: crescer sem se render às fórmulas. Elevar a vanguarda. Fazer o underground virar grandeza sem perder a essência. É ambicioso, mas soa honesto.

Já em "FACAS E MACHADOS" (com FAB GODAMN e Okie) é onde o disco atinge seu ápice de estranheza, falando nada com nada, de "bobby godies" a "iFood". "O bagulho já tá perdendo até o sentido", como cantam. É um sonho febril, agressivo, disforme. Fluxo de consciência virado beat com os versos super carismáticos de GODAMN.

"BACKSTAGE" era queridinha dos fãs desde as prévias, e não é difícil entender por quê. Por fim, "TODAS AS LUZES" e "OS MELHORES" fecham o disco com uma declaração de vitória. "Somos os melhores", canta Matuê — não como arrogância, mas como afirmação. Eles são, sim. Pelo menos nesse momento, com esse recorte, nessa cena específica que ele escolheu representar.

Tudo isso embalado por interlúdios divertidíssimos: as reclamações sobre a bagunça dos shows logo na primeira faixa, as crianças dizendo que Matuê é passado e não faz mais trap em "ÍCONE FASHION", ou a ligação entre os NaNa em "NANANANA".

Influências estranhas

Além de Aphex Twin, como já citado, é impossível ouvir XTRANHO sem pensar em outros projetos e álbuns que claramente orbitam sua concepção: MUSIC (2025), do Playboi Carti, e Birds In The Trap Sing McKnight (2016), do Travis Scott. Não apenas sonoramente (embora as batidas minimalistas e agressivas de Carti ecoem em várias faixas), mas visualmente. XTRANHO é um álbum visual que entende que trap não é só som — é estética, é moda, é comportamento.

Travis Scott há anos entendeu isso. Transformou álbuns em universos, em experiências imersivas onde cada detalhe conta. Matuê faz o mesmo aqui. O website interativo, o evento no Anhangabaú, o palco em formato de X, a direção de arte sombria — tudo conversa. É cinema, é desfile, é ritual.

E assim como Carti fez em MUSIC (ainda que de forma mais radical), Matuê usa o desconforto como linguagem. Só que onde Carti vai até o limite da ininteligibilidade, Matuê ainda mantém um pé no acessível. Para o bem e para o mal.

Mas Podia Ser Mais Estranho

E aí chegamos em um dos pontos principais: XTRANHO podia ser mais estranho. Se "FACAS E MACHADOS" tivesse ditado a direção sonora do álbum inteiro, estaríamos falando de um disco verdadeiramente disruptivo. Um Yeezus (2013) brasileiro — ainda que esse tinha outras ideias em mente. Um Atrocity Exhibition (2016) do trap. Mas não é. A maior parte das faixas, embora competentes, ainda flerta com o acessível. Ainda tem refrões. Ainda tem estrutura. Ainda quer que você dance.

E olha, não tem nada de errado nisso. Mas quando você promete estranheza, quando você diz que vai quebrar as regras, a expectativa é outra. É jogar tudo pela janela. É fazer o ouvinte se sentir genuinamente desconfortável. E XTRANHO, por mais que tente, ainda é confortável demais em vários momentos.

As produções são excelentes (Sapjer, Neckklace, BNYX), mas poderiam ser mais sujas, mais experimentais, mais agressivas, mais rock n' roll. O disco flerta com a vanguarda, mas não se casa com ela. Namora o caos mas não o assume completamente.

Dito isso, seria injusto julgar XTRANHO apenas pelo que ele não é. Porque pelo que ele é — um manifesto do underground, uma plataforma coletiva, uma recusa ao óbvio — já é significativo.

Matuê não está tentando agradar. Está tentando provocar, e pensando assim, o álbum voa. E em 2025, num mercado que valoriza o algoritmo acima de tudo, isso já é um gesto político. Quando "MEU CEMITÉRIO" usa imagética satânica e grotesca, quando "PENSAMENTOS PERIGOSOS" questiona a indústria cultural, quando todo o disco se recusa a ter um hit fácil — isso importa.

O evento de lançamento no Anhangabaú, gratuito, para 10 mil pessoas, foi uma declaração: essa música é para quem está na rua. Para quem não tem grana pro ingresso VIP. Para o bando.

Se o futuro do gênero passa pela vanguarda — e XTRANHO aposta que sim —, então esse disco é um manifesto importante, um passo significativo. E às vezes, é isso que importa: não dar o salto completo, mas mostrar que o abismo existe e que vale a pena olhar para ele.

https://open.spotify.com/album/5ORsvI5ThmZw7PS1NTvZaB

TRACKLIST: XTRANHO — Matuê

  1. "REI TUÊ"
  2. "TALKING ABOUT"
  3. "MEU CEMITÉRIO"
  4. "ÍCONE FASHION" (feat. kouth)
  5. "AUTOBAHN" (feat. Cashley)
  6. "NANANA" (feat. N.A.N.A.)
  7. "FACAS E MACHADOS" (feat. FAB GODAMN, okie)
  8. "ALTERADO" (feat. PHL Notunrboy)
  9. "PENSAMENTOS PERIGOSOS" (feat. LPT Zlatan)
  10. "XTRANHO" (feat. BRANDÃO85)
  11. "BACKSTAGE"
  12. "TODAS AS LUZES"
  13. "OS MELHORES"
Rolling Stone Brasil Rolling Stone Brasil
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