Jô Soares era um milagre brasileiro. É raro encontrar um sujeito culto, refinado, que trafegava em todas as áreas, TV, teatro, jornalismo, artes plásticas, literatura, cinema, educado no Liceu Jaccard, em Lausanne, ser tão humilde, comunicativo, popular.
Aos 20 anos, contracenou no cinema com Grande Otelo, Emilinha Borba, Nelson Gonçalves. Não se incomodava em fazer escada em Praça da Alegria e, aos 29 anos, para o gigante do humor físico, Ronald Golias, em Família Trapo – uma revolução na TV brasileira, que ficou dez anos no ar, levado ao vivo e com improvisos num teatro lotado da Record.
Encarnava personagens que abordavam questões de gênero, provocavam uma sociedade conservadora, preconceituosa. Ser gordo, assumir ser gordo, ser a favor dos gordos e usar um grande bordão, “viva o gordo, abaixa o regime”, para provocar a ditadura, deram-lhe um assento no lugar de fala dos discriminados.
Se o mundo vivia em pé de guerra e o movimento paz & amor contaminava, lá vinha ele como um hippie doidão em Faça Amor Não Faça Guerra. Passou por Satiricon, Planeta dos Homens, Praça da Alegria, até ganhar protagonismo em Viva o Gordo com seus 300 personagens, do boleiro Zé da Galera, que reclamava pelo orelhão com Telê Santana da falta de ponta na seleção, ao Capitão Gay.
Travestia-se com deleite em personagens femininos, Norminha, a cozinheira gulosa Aninha, Vovó Nana. Fazia o rei anão de joelhos, um autoritário inútil, com uma técnica circense aprimorada.
Humor precisa de repertório. Atores dizem que é mais difícil do que drama. Grandes humoristas, de Jerry Lewis a Petter Sellers, fizeram coisa séria com os pés nas costas. E quando todos achavam que Jô estava ultrapassado, ele se renovava.
Tocou uma coluna na Veja, que ilustrava. Mudou de emissora e inaugurou no SBT o gênero tão popular e necessário nos Estados Unidos, late night talk show, inspirado em Johnny Carson e David Letterman, que mistura humor, entrevista, música.
Diferentemente dos seus colegas americanos, uma cláusula da Globo o impossibilitava de entrevistar no Jô Soares Onze e Meia grandes celebridades contratadas. Deu a ele a chance e diferencial de promover um programa politizado, num momento de retomada da democracia. Fez história com entrevistas que eram comentadas no dia seguinte.
“Ir a um Jô Soares” no SBT e depois na Globo era o auge da carreira de qualquer um. Gentil, nos tratava como estrelas mais influentes do que ele. Dirigia no teatro atrizes refinadas, como Beth Coelho. Certa vez, ambos traduzíamos peças de Shakespeare. Ele dava dicas de dicionários e estilos.
Em um dos últimos programas, Jô Soares recebeu o cantor Roberto Carlos, que fez o apresentador ir às lagrimas ao cantar em sua homenagem. A entrevista foi ao ar em 9 de dezembro (2016)
Foto: Rede Globo
Além de um dos rostos mais bonitos, Cauã Reymond também é um ótimo ator e foi sobre sua trajetória profissional que ele conversou com Jô no começo de dezembro (2016)
Foto: Rede Globo
As entrevistas que Dercy Gonçalves deu a Jô Soares, não foram poucas, até hoje bombam nas redes sociais, sempre aberta a falar de tudo, de sua vida humilde em Santa Maria Madalena até sua atuação em filmes, novelas e teatro.
Foto: SBT
Uma das maiores atrizes brasileiras, Fernanda Montenegro conversou com Jô no programa de 18 de novembro (2016)
Foto: Rede Globo
Pouco antes dos Jogos Olímpicos do Rio, em 12 de julho, o atacante Neymar esteve no Programa do Jô
Foto: Rede Globo
Raul Seixas deu sua última entrevista em TV pelo Jô Soares, ainda no SBT, ao lado de Marcello Nova, com quem se apresentou nos últimos anos de vida. Já sem parte dos dentes e visivelmente debilitado, contou dos dias em que conviveu com John Lennon no apartamento do ex-beatle, em Nova York.
Foto: SBT
Noite de pura diversão se deu com a presença de Nair Bello, Lolita Rodrigues e Hebe Camargo, que inauguraram o Programa do Jô na Globo, em abril de 2000, provocando muitos risos na plateia e no próprio apresentador. O trio de amigas relembrou episódios da inauguração da TV no Brasil, nos idos da Tupi, em 1950, com Assis Chateaubriand (foto de Arquivo:2/10/2012)
Foto: Globo
Jô entrevistou a antropóloga, professora universitária e pesquisadora Ruth Cardoso (1930-2008), então casada com Fernando Henrique Cardoso.
Foto: RENATA JUBRAN/ESTADÃO
Em 2007, Ronald Golias, no SBT: O convidado abriu a entrevista, ficou quase dez minutos sentado na cadeira de Jô, que chega depois. Golias solou um stand up, entrevista Jô e depois troca de lugar com ele.
Foto: SBT
Então goleiro do São Paulo, Rogério Ceni esteve no programa de entrevistas do Jô Soares para contar histórias de sua carreira, como as vezes em que teve problemas com a abitragem
Foto: EVELSON DE FREITAS /ESTADÃO
Em maio de 2016, um dos convidados do Jô foi o humorista Ataíde Arcoverde. Bem provável que o nome não ajude a lembrar quem é o artista, mas olhando a foto certamente todos lembram de algum dos inúmeros trabalhos de na TV, no cinema e no teatro.
Foto: Globo
No programa que foi ao ar em novembro de 2011, Jô reuniu Caetano Veloso e Gal Costa, que falaram dessa amizade e do CD 'Recanto', que ele criou para ela cantar
Foto: Zé Paulo Cardeal/DIVULGACAO
Em 2009, o jogador Ronaldo, na época atleta do Corinthians, conversou com Jô e lá ele disse que 'Hoje não me convocaria', sobre a Seleção
Foto: ERNESTO RODRIGUES/ESTADÃO
Em um dos programas do mês de outubro, Jô Soares bateu um longo papo com o narrador esportivo Galvão Bueno.
Foto: Rede Globo
Todas as entrevistas com Tim Maia, ainda no SBT, em que o cantor brincava à vontade, sem travas na língua, e falava sobre drogas, mulheres e disciplina – ou a falta dela, além de criticar a imprensa.
Foto: SBT
Em 21 de julho (2016), a rainha Hortência foi ao Programa do Jô para falar de sua nova fase, a de comentarista. Foto: Rede Globo
Foto: Globo
Criador da Turma da Mônica, Mauricio de Sousa esteve no Programa do Jô em novembro (2016), e falou sobre sua trajetória
Foto: Rede Globo
Em 1990, Jô Soares entrevistou a única mulher a exercer o cargo de ministra da Fazenda, e mentora intelectual do Plano Collor, Zélia Cardoso
Foto: EDU GARCIA/ESTADÃO
Após 16 anos de programa, Jô Soares recebeu, enfim, o apresentador Fausto Silva. Foi no dia 2 de setembro (2016).
Foto: Rede Globo
Jô Soares entrevistou grandes figuras ligadas ao esporte, entre elas Ayrton Senna (foto)
Foto: Reprodução/SBT / Lance!
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Solidão
Fui à sua casa numa noite. Demorou para atender a porta. Veio torto, encurvado, reclamando do ciático. Estava sozinho. O grande apartamento de Higienópolis, escuro e vazio. Fomos ao seu escritório, forrado pelo mais potente e moderno equipamento de informática. Havia vários HDs conectados e um monitor gigante. De uma cadeira, operava tudo, como um piloto de Boeing.
Conversamos horas. Quando me preparei para partir, ele enrolava, não queria que eu fosse, não queria ficar sozinho. Era triste. Todo encurvado, no escuro, me levou até a porta.
O homem de mais de mil personagens estava só. Doze anos de entrevistas no SBT, mais 16 na Globo, 28 anos com plateia, banda, entrevistados, em torno de 7 mil programas. E ali, um solitário. Um beijo pra você, gordo. Tem uma galera te esperando por aí.