Como a música de Beethoven inspira a literatura sonora de Menalton Braff e rege em seu novo livro
Romance 'Sonata Patética' usa múltiplas vozes narrativas e referências culturais para explorar conflitos familiares; leia entrevista com o autor
No seu novo romance, o escritor Menalton Braff explora diferentes narradores para contar a história de três irmãos adultos de uma família conservadora. Em Sonata Patética (Ópio Literário), cada um dos irmãos ganha uma voz específica para contar a história a partir do seu ponto de vista.
Braff teve seu Além do Rio dos Sinos (Editora Reformatório) eleito como melhor romance brasileiro em 2020, pelo prêmio da Biblioteca Nacional, e levou o Jabuti de livro do ano com À Sombra do Cipreste (Reformatório), em 2000.
No livro mais recente, Braff evoca diversas referências culturais e históricas. A começar pelo título, que remete à composição de Beethoven chamada de Sonata para piano nº 8 (1798), também conhecida como Patética. Ao final do livro, o leitor encontra tanto a partitura da composição como um QR Code que direciona para escutar a música online.
“A Sonata Patética tem três movimentos. Pensei que cada movimento é uma das personagens narrando. Assim como eu fiz com Tocata e Fuga a Quatro Vozes (Reformatório, 2022), quando tentei imitar o movimento musical de Bach”, explica o autor, prestes a completar 87 anos, em 23 de julho — e com mais de 40 anos de atividade literária.
Gaúcho de nascimento, mas radicado em Ribeirão Preto desde a vida adulta, Braff aludiu à músicas em obras anteriores, como Bolero de Ravel (Global, 2010). O escritor estudou música na infância, passando por aulas de piano. “Tive que abandonar a música, mas a música não me abandonou. A música continua”, diz.
Para o escritor, a literatura está próxima da música. A ligação entre as duas artes manifesta-se sobretudo na forma literária. “Gosto de brincar com essa ligação entre a literatura e a música. Aliás, a literatura sem musicalidade não existe. Toda a literatura, todo texto literário, tem que ter ritmo, tem que ter sonoridade”, explica.
Em Sonata Patética, além da referência direta à Beethoven, há escolhas do autor que apontam para a história de Roma. O nome das personagens principais são emprestados de três imperadores romanos: Augusto, Marco Aurélio e Júlia.
Como se sabe, a escolha dos nomes próprios normalmente é feita pelos pais. Em Sonata Patética, a escolha é implícita e denota o grau de expectativa da mãe e do pai, um casal burguês de uma cidade brasileira não especificada. Eles desejam manter a tradição do sobrenome que carregam. Os nomes, portanto, já apontam para a ambição dos genitores em relação aos filhos.
Braff cria um enredo muito universal ao explorar a dinâmica entre os irmãos e os pais. Universal porque é fácil se identificar com o papel de filho. Em Sonata Patética, Augusto é o filho preferido. Ele é advogado e erudito como o pai. Os filhos preteridos são Júlia, uma dentista, e Marco Aurélio, um médico.
O favoritismo de Augusto faz com que Marco Aurélio e Júlia sejam unidos, criando uma oposição ao irmão, ressentidos pela falta de compreensão do pai com suas escolhas profissionais — o patriarca queria que Marco Aurélio fosse advogado também e parece indiferente com relação à escolha profissional de Júlia, sinal da invisibilidade da filha mulher.
“Augusto é muito paparicado pelos pais. Isso faz dele uma pessoa muito arrogante, alguém que acha que só ele sabe, que só ele é culto, que só ele faz as coisas certas”, diz Braff sobre a personagem mais fascinante do romance.
“Esta arrogância dele é venenosa”, define. A construção de cada personalidade das personagens é elaborada. Augusto, por exemplo, está sempre com o nariz escorrendo. Uma característica que destoa da imagem que ele deseja passar para o mundo, de figura imponente. Marco Aurélio, por outro lado, se esforça para seguir uma vida ilibada. Mas sua moral é abalada com um desvio ético. Júlia navega entre os dois mares, em busca de si, apagada diante da mãe e do pai.
É a falha cometida por Marco Aurélio e a derrota sofrida por Augusto — eventos que têm em comum a personagem Olívia — que acrescentam os elementos trágicos que levam ao ápice da trama.
No desfecho, o modo de escrever de Braff é modificado. A voz em primeira pessoa de Augusto é modificada pelo seu estado emocional. As pontuações não seguem as regras, há palavras ocultas em frases interrompidas e recomeçadas. O recurso de fluxo de consciência, que encerra Sonata Patética será explorado na próxima obra do autor.
“O fluxo de consciência é uma espécie de naturalismo. É uma tentativa de revelar o funcionamento do nosso pensamento. Aqueles avanços, recuos, aquelas elipses, de repente a completude da elipse lá na frente, a sua complementação… É algo que sempre me fascinou na literatura”, finaliza o escritor.
Sonata Patética
Autor: Menalton Braff
Editora: Ópio Literário (180 págs.; R$ 59,90; R$ R$ 39,90 o e-book)