Robert Crumb dá show de grosserias e mau humor na Flip
- Isaac Ismar
- Direto de Paraty
Conhecido pelo humor corrosivo e aversão a fotos, o cartunista norte-americano Robert Crumb mostrou mais uma vez que não se importa com a fama de mau-humorado. Em Paraty, no sul fluminense, para participar da 8ª Festa Literária de Paraty (Flip), Robert ficou incomodado com a presença dos fotógrafos na Pousada do Ouro, onde acontecem as coletivas de imprensa com os autores. Enquanto respondia as perguntas dos jornalistas, ele demonstrou irritação algumas vezes, pedindo aos fotógrafos para que parassem de clicá-lo.
Quando chegava ao local, Robert fez um gesto obsceno para as câmeras. Sua mulher, Aline Crumb, preferiu as caretas, mostrando a língua. No final da coletiva a assessoria de imprensa do evento pediu aos fotógrafos para que não fotografassem Robert Crumb, Aline Crumb, Gilbert Shelton e Lora Fontani (esposa de Shelton) na saída. Diante da solicitação, os fotógrafos clicaram os autores, de longe, nas ruas de Paraty.
"Os caras gostam dessa privacidade. Eles vêm a um país tropical, mas ao invés de aproveitar o clima do local, ficam de mau-humor. Não tem jeito, o Robert Crumb é assim, fechado. Vou acompanhá-los nas ruas de Paraty. Lá não tem como ter proibições", disse o fotógrafo Frâncio de Holanda.
Um dos nomes mais famosos da Flip 2010, Robert Crumb lançou em 2009 uma versão em quadrinhos do livro Gênesis, conseguindo grande êxito. No Brasil suas HQs foram reproduzidas pela revista Piauí e em alguns álbuns de luxo editados pela Conrad Editora.
Ele veio acompanhado da esposa Aline Crumb. Quem também está presente em Paraty é Gilbert Shelton, outro cartunista importante da contracultura e que, por sua vez, que trouxe a esposa Lora Fontani.
Descontente com a situação política dos Estados Unidos, Robert Crumb foi direto dizer que atualmente tem vergonha de ser norte-americano e não pensa em voltar a morar na América. O cartunista vive na França, mesmo não falando francês.
"Desenharia uma América muito feia hoje. Porque se tornou um estado fascista. É um dos países mais nefastos do mundo, mas moro na França há 19 anos. Acho que o Barack Obama tem boas intenções, mas há algumas forças que ocupam cargos importantes que será difícil combatê-las. Estamos todos encrencados", lamentou Robert Crumb, que continuou: "Fico muito feliz em não morar nos Estados Unidos. Tenho vergonha de dizer que sou americano. Minha filha é casada com um francês e temos um neto. Moramos juntos na França, mas ainda assim moramos no planeta Terra (risos), aí não tem jeito. A raça humana é difícil. Aqui em Paraty é lindo. Agora eu quero vir morar no Brasil".
O futuro da humanidade e da Terra também foi posto em discussão. Para Robert Crumb, que no início de carreira não demonstrava muita preocupação com esses temas mais politicamente corretos, talvez a chegada da filha e do neto tenha mudado seu pensamento.
"Estou preocupado com o futuro da humanidade, claro. Penso nisso dia e noite. Estamos encrencados. Tenho uma filha e um neto. Gostaria que a vida continuasse, mas há tanto 'poder' por aí que eu realmente não sei", disse Robert Crumb, que gosta de ler jornalismo investigativo. "Assim fico sabendo das coisas horríveis que estão acontecendo no mundo". "Aline Crumb aproveitou a resposta do marido sobre o assunto para fazer coro: "No lugar onde moramos os verões são mais quentes do que o normal e o clima é totalmente imprevisível. Antigamente podíamos prever as condições do tempo e as estações do ano. Hoje em dia, não. Acredito que em outros lugares também seja assim".
Ainda sobre as esquisitices do cotidiano mundano, o cartunista explicou que a reprodução do livro Gênesis feita por ele em quadrinhos surgiu quando percebeu que os leitores de HQs costumam gostar de histórias surreais.
"Parte do interesse que eu tive ao escrever Gênesis é porque há coisas loucas acontecendo no mundo: filha que transa com o pai, drogas... É basicamente uma produção para quadrinhos, com muitos mitos. As pessoas adoram estórias com essas relações, cheias de coisas alucinadas. Elas gostam disso e vão continuar gostando disso. É ótimo", afirmou Robert, que não tem interesse por meios mais modernos de comunicação, como os livros eletrônicos.
O cartunista também falou sobre a sua participação na Flip. Na opinião dele, seu trabalho ganhou dimensões que muitas vezes o incomodam, como a exposição pública.
"Participar desta festa literária pra mim é bizarro. Eu não me vejo como um cartunista. Não frequento o mundo literário, digamos assim. Sou um tipo que não devo ser levado a sério. Às vezes me pergunto o motivo de estarmos aqui? É negócio, é comercial. As editoras estão vendo, os quadrinhos são reais e sérios, além de ser economicamente viável. Por isso estamos aqui", afirmou Robert, que logo em seguida pediu a um fotógrafo que parasse de fotografá-lo: "Você pode parar de tirar fotos, por favor?".
A presença deles em Paraty talvez seja explicada melhor por suas esposas. Aline Crumb e Lora Fontani convenceram seus respectivos maridos a embarcarem para o Brasil.
"Fomos convencidos por nossas mulheres", disse Robert Crumb. Aline continuou a resposta: "Fomos à praia juntos no ano passado e nos divertimos tanto que quando surgiu o convite para virmos à Paraty eu disse à Lora: 'vamos convencer nossos maridos'. E ele está muito feliz em estar aqui".
E Robert Crumb fez expressão de tédio: "Sim, querida. Estou me divertindo à beça. Odeio câmeras, aeroportos e suas áreas de segurança e aviões".
Em seguida, Lora também participa da conversa: "Depois que chega ao lugar, ele curte (Gilbert Shelton). Quando você está em casa é bom se perguntar: 'será que vale a pena?'. Às vezes vale, outras, não".
Por fim, Robert Crumb encerra: "Eu gostaria de ir a um lugar e ser completamente anônimo. Prefiro chegar a um lugar e ser observador e não observado".
