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Mesmo com corpo exumado, casa de Neruda segue ponto de "peregrinação"

Com boa parcela de visitantes brasileiros, residências de Neruda atraem fãs e curiosos no Chile

1 mai 2013 - 07h55
(atualizado às 08h25)
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Em 2012, 145 mil pessoas visitaram esta casa/museu/cabana/palácio/galeria/farol/trem/navio, uma das três residências que pertenceram a um dos poetas mais populares do mundo: um dos poucos latino-americanos a vencer o renomado prêmio Nobel de literatura, o chileno Ricardo Eliécer Neftali Reyes Basoalto, mais conhecido como Pablo Neruda.

Mas, entre as três, esta deve ser a mais importante. Isso porque, até algumas semanas atrás, estiveram nela os restos mortais de Neruda, acomodados em uma tumba com uma bela vista para o Oceano Pacífico. 

Hoje, no entanto, a tumba não tem mais nada de Neruda. Seus ossos estão em um laboratório do Instituto Médico Legal de Santiago sendo analisadas para esclarecer dúvidas sobre o real motivo de sua morte, ocorrida em 23 de setembro de 1973, dez dias depois do golpe militar que acabou com o regime de seu amigo, o esquerdista Salvador Allende.

Foto: Sergio Piña / Terra

Manuel Araya, o chofer de Neruda na época, levantou as suspeitas sobre a possibilidade de um assassinato em 2011, e logo a Justiça chilena determinou que deveria investigar se havia presença de substâncias tóxicas nos restos do poeta, para assim descartar ou não a possibilidade de ele ter sido envenenado e não morto em decorrência de um câncer de próstata, versão oficial do óbito.

Escritora e diretora da Casa Museu de Ilha Negra, Carolina Rivas faz questão de enfatizar que a Fundação Neruda, atual administradora da instituição, concedeu todas as facilidades para a exumação. No entanto, afirma estranhar toda a situação.

Devido às duras condições políticas da época de sua morte, o regime militar ordenou que o funeral ocorresse durante a madrugada de Santiago, com o objetivo de impedir que uma cerimônia pública ganhasse caráter subversivo. Seus restos inicialmente descansaram no mausoléu da família Dittborn. Mais tarde, foram encaminhados para o módulo México do Cemitério Geral de Santiago. Finalmente, em 1992, se mudaram para a Ilha Negra.

Pela paz

A mudança mais recente ocorreu durante o primeiro Governo democrático pós-regime militar no Chile, de Patricio Aylwin. Nele, os restos de Pablo Neruda e de sua última mulher, Matilde Urrutia, foram velados com grande pompa no Salão de Honra do Congresso Nacional.

Foto: Sergio Piña / Terra

No dia seguinte, em 12 de setembro, foi finalmente cumprido o desejo do poeta, levado ao local onde sempre quis descansar em paz: em frente ao mar da Ilha Negra, ao lado de Matilde - que era por ele chamada de La Chascona, nome popularmente conhecido da residência do casal em Santiago.

A propriedade na Ilha Negra, na província de San Antonio, localizada no litoral central do Chile, foi comprada pela segunda mulher de Neruda, a artista plástica Delia del Carril - também conhecida como A Formiguinha -, fato que até hoje figura nas escrituras do local, datadas de 1938. Na época, era uma pequena construção de madeira e pedra.

No entanto, com o passar dos anos, o poeta a melhorou, a expandiu, convertendo-a em um notável exemplo de arquitetura de auto-construção, que reflete suas manias, obsessões, aflições, como se fosse um espelho mágico. E, ainda que isso soe injusto, o amor por Matilde, cuja inicial se encontra facilmente em todos os cantos do espaço, sempre acompanhado pela letra P, de Pablo.

Figuras, insetos e borboletas, conchas, objetos náuticos, máscaras do mundo, garrafas, Cristos engarrafados por presidiários brasileiros - que ganhou de presente de seu amigo Jorge Amado -, instrumentos musicais. Essas são algumas das coleções que ganham espaço na casa-museu de Ilha Negra, que funciona como uma galeria viva.

No salão onde Neruda recebia covidados e festejava, pode-se observar, por exemplo, dois candelabros de ferro mexicanos, um mural de pedras preciosas, onde se mesclam ônix, ágatas da Ilha Negra e lápis-lazúli, pedra que só é encontrada em um ponto preciso da Cordilheira dos Andes chilena e no Afeganistão.

Quem fez o mural foi a artista Maria Martner, que deixou sua marca nos mosaicos de pedra com forma de pés que rodeiam o exterior da casa. Os Martner foram muito amigos de Neruda e Matilde, a quem alugavam um andar na Sebastiana, terceira casa do poeta, localizada em uma das colinas do Porto de Vaparaíso.

Outro recinto que é um atrativo é o dormitório, onde Neruda jazia doente quando do golpe de 11 de setembro de 1973 e que abandonou no dia 19 de setembro, quando foi levado para a Clínica Santa Maria, onde morreu poucos dias depois. 

Foto: Sergio Piña / Terra

Mesmo com tantos ambientes, o mais impactante por ali é a paisagem. Vista para o mar, ondas e colinas de algas escuras acumuladas entre as belezas das gaivotas, que o levaram a rebatizar a praia como Gaivotas da Ilha Negra.

Bares e terremotos

Dizem que o proprietário original da área, Eladio Sobrino, tentou contrariar o desejo de Neruda pelo descanso no local. Mas nem ele conseguiu contrariar a vontade do teimoso, caprichoso e sedutor poeta, que se definia como "aficionado pelas estrelas, marés, ondas, administrador de besouros, caminhante das areias, investigador em mercados, nas bibliotecas escuras, meditador nas montanhas, incansável nos bosques, lentíssimo nas respostas; anos mais tarde, monumental em seu apetite, um tigre para dormir, sossegado na alegria, inspetor do céu noturno, amável com as mulheres, ativo na doença, poeta por maldição e um completo idiota".

Esta pequena praia, que guarda algumas casas de veraneio, acabou por se converter em um dos epicentros poéticos do mundo, conhecido como Ilha Negra. "O mar me pareceu mais limpo que a terra, por isso vim viver na costa da minha pátria, entre as grandes espumas de Ilha Negra", escreveu Neruda.

Longa vida a Neruda

Apesar da paixão, Neruda temia o mar e só subia em alguma embarcação caso fosse estritamente necessário. Por isso, na saída do bar, um espaço fechado e desconectado da casa - absolutamente restrito a seus verdadeieos amigos -, ele instalou um bote.

Assim, quando o entusiasmo transbordava dos copos e chegava a embriaguez, o poeta convidava seus interlocutores para se sentarem no objeto, onde experimentavam a tontura do mar em terra. Sem risco de se molharem, ficavam completamente encharcados de álcool. 

No bar está ainda sua translúcida coleção de garrafas, que sobreviveram milagrosamente a terremotos e tremores.

A casa-museu de Ilha Negra está a cerca de 120 km de Santiago, no litoral dos poetas, como se chama com justiça o caminho costeiro que une as duas localidades. Nele, está o sul de Cartagena, um balneário humilde, mas com um passado esplendoroso, onde se situa a recém-inaugurada Casa de Vicente Huidobro, outro dos grandes centros da poesia chilena e mundial.

No meio do caminho entre Cartagena e Ilha Negra vive o antipoeta nonagenário Nicanor Parra, irmão de Violeta e várias vezes postulado ao Nobel de Literatura. E, avançando mais ao norte, se chega a Valparaíso, porto principal do país, em cujas colinas se encontra La Sebastiana, outra das três casas onde Neruda viveu.

Hoje, no entanto, os restos de Pablo Neruda não descansam mais em paz na Ilha Negra, e Matilde provavelmente estranha sua ausência. Mas o espírito brincalhão acompanha todos os peregrinos que viajam ao local, muitos deles com um livro em uma mão e a amada - ou o amado - na outra.

Não é raro vê-los se emocionarem e chorar recitando versos de amor como "gosto quando está calma e está tão ausente..." se confundindo com o rugido das ondas e o coaxar das gaivotas da Ilha Negra.

Fonte: Terra Terra Chile
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