O que são 'wafers de silício' e por que eles ameaçaram parar fábricas de carros no Brasil? Entenda
Após impasse entre China, EUA e Holanda, exportações de chips da Nexperia começam a ser retomadas; Anfavea diz que situação ainda não está normalizada
O risco de paralisação das fábricas de carros no Brasil foi afastado após a China retomar gradualmente a exportação de chips usados pela indústria automotiva. O fornecimento havia sido interrompido por causa de um impasse diplomático entre China, EUA e Holanda em torno da Nexperia, uma das maiores fabricantes de semicondutores do mundo.
Embora menos complexos que os de smartphones, os chips automotivos são usados em larga escala dentro dos veículos e controlam desde o ar-condicionado até sistemas de segurança. Com a interrupção dos envios da Nexperia, fabricantes no Brasil já relatam atrasos em linhas de produção e risco de suspensão temporária de atividades.
Agora, com a decisão do governo chinês de liberar gradualmente as exportações, o risco imediato de paralisação foi afastado. A Anfavea, associação que representa as montadoras, afirma que o setor ainda opera com cautela, já que o fornecimento continua irregular e depende de autorizações pontuais. O episódio, porém, reforçou a dependência global de componentes como os wafers de silício, base de todos os chips usados em veículos e equipamentos eletrônicos.
"O problema está na base do sistema: o wafer é o ponto inicial de toda a cadeia dos semicondutores", explicou Luiz Carlos Kretly, professor da faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp. "Sem ele, não há chip — e, sem chip, não há carro".
O que é o wafer e por que ele é tão importante?
O wafer de silício é o ponto de partida para fabricar qualquer chip, incluindo smartphones e computadores, e parece um disco fino e brilhante, feito de silício muito puro, onde são gravados os circuitos que dão origem aos chips usados em carros, celulares e computadores. "O wafer de silício é o substrato básico onde são gravados os chips semicondutores. Ele é a base material de toda a cadeia de produção de chips", disse o professor da Unicamp.
O nome vem do inglês wafer, que significa "lâmina" ou "bolacha", uma referência ao formato circular dessas peças. O termo começou a ser usado nos anos 1950, quando as primeiras indústrias de semicondutores passaram a fabricar componentes a partir dessas "bolachas" de silício ultrapuro.
Para funcionar, o wafer precisa ser feito com silício quase totalmente puro, e, por isso, as fábricas que produzem esse material têm que ser extremamente limpas, cerca de 100 mil vezes mais limpas que uma sala de cirurgia, com controle de temperatura, ar e poeira.
Por dependerem de chips mais simples, produzidos com tecnologias antigas e menos lucrativas, as montadoras são mais vulneráveis a interrupções de fornecimento, enquanto o setor de smartphones, que trabalha com chips mais avançados e caros, recebe prioridade na produção e consegue se reorganizar mais rapidamente diante de crises.
Além da limpeza, o processo de fabricação também é muito delicado. "A produção do wafer é um processo de purificação do silício até atingir pureza muito alta e é muito sofisticado. O cilindro formado para o corte dos wafers é um monocristal de elevada qualidade e pureza", explicou Kretly. Esse nível de precisão faz com que poucas empresas no mundo consigam fabricar wafers em grande escala.
O custo também é um dos maiores desafios, isso porque cada máquina usada para gravar os circuitos sobre o wafer, chamada máquina fotolitográfica, pode custar até US$ 150 milhões. "Essa ferramenta é o calcanhar de Aquiles para avançar em tecnologias mais sofisticadas", disse Kretly. A Holanda, em parceria com os EUA e outros países da Europa, é quem domina essa tecnologia, usada para gravar os circuitos em escala nanométrica.
Hoje, cinco empresas, sendo duas do Japão, uma de Taiwan, uma da Alemanha e uma da Coreia do Sul, produzem 82% de todos os wafers do mundo, segundo a consultoria TrendForce, e essa concentração faz com que qualquer conflito político cause impacto direto em várias indústrias.
No Brasil, os efeitos já são visíveis. "Alguns impactos foram sentidos recentemente com a paralisação da linha de produção de uma montadora nacional", afirmou Kretly. "É claro que isso pode impactar os preços para os consumidores finais".
O país tem planos para desenvolver sua própria produção de chips, mas o investimento é alto. "Montar uma fábrica desse tipo custa dezenas de bilhões de dólares e precisa atender o mercado global", explicou o professor. "A decisão depende essencialmente de capital privado".
Enquanto isso, o Brasil continua dependente da importação de wafers e chips, e qualquer crise internacional, como a atual disputa entre China, EUA e Holanda, pode parar fábricas e atrasar toda a produção da indústria automotiva nacional.