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Fotos de crianças brasileiras foram usadas sem consentimento para alimentar IAs, diz ONG

Imagens presentes em conjunto de dados podem ser usadas sem autorização na produção de deepfakes

10 jun 2024 - 14h10
(atualizado às 14h16)
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Nesta segunda-feira, 10, a ONG Human Rights Watch divulgou um relatório que revela o uso sem consentimento de fotos de crianças e adolescentes brasileiros para treinamento de inteligências artificiais (IAs). Segundo análise da ONG, essas imagens, obtidas na internet, estão sendo integradas a um conjunto de dados denominado LAION-5B, utilizado no desenvolvimento de tecnologias de IA.

O relatório revelou que o LAION-5B possui links para fotos facilmente identificáveis desses jovens. Em alguns exemplos, dados sobre quando e onde a criança ou adolescente estava no instante em que a fotografia foi tirada são simples de obter. Até mesmo os nomes de alguns deles estão listados nas legendas ou URLs de onde a imagem está localizada.

A Laion, organização alemã responsável pelo gerenciamento do LAION-5B, confirmou que o conjunto de fato continha as fotos encontradas pela Human Rights Watch e prometeu removê-las. No entanto, discordou de que os modelos de inteligência artificial treinados pelo LAION-5B reproduzem dados pessoais de forma literal - ou seja, de que as IAs seriam capazes de reproduzir imagens das crianças usadas no treinamento.

Relatório de ONG revela que fotos de crianças são utilizadas para alimentar IAs sem consentimento
Relatório de ONG revela que fotos de crianças são utilizadas para alimentar IAs sem consentimento
Foto: Gabriela Bilo/Estadão / Estadão

O LAION-5B é um conjunto de dados aberto que contém cerca de cinco bilhões de pares de imagem e texto. Por serem de código aberto, qualquer empresa ou indivíduo pode acessar as informações. Isso é algo comum no setor de IA e a Laion diz que trata-se de um conjunto de dados que "aumenta as possibilidades de treinamento em larga escala em diversas línguas." A Laion disponibiliza à comunidade geral modelos de linguagem e treinamento que antes se restringiam a quem tem acesso a determinados datasets privados.

A Human Rights Watch conseguiu encontrar 170 fotos de crianças de pelo menos dez estados brasileiros: Alagoas, Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Apenas 0,0001% das fotografias e legendas presentes no conjunto de dados foram analisadas. Assim, é possível que haja mais fotos de menores de idade no LAION-5B.

No site da ONG, consta que existem fotos disponíveis no LAION-5B de bebês nascendo, crianças pequenas assoprando velas ou dançando de roupa íntima e adolescentes posando durante o Carnaval. Há ainda uma imagem de uma menina de dois anos tocando a mão de sua irmã recém-nascida; nas informações contidas nessa fotografia, estão os nomes das duas meninas e a localização do hospital onde a bebê nasceu, nove anos atrás.

Essas fotografias podem ter sido publicadas pelos próprios jovens, por seus pais ou até mesmo pelas escolas onde estudavam as crianças e adolescentes. Elas foram retiradas de sites de compartilhamentos de mídias e podem ter sido postadas muitos anos antes da criação do LAION-5B.

Um dos grandes problemas envolvidos nessa situação é o fato de que, quando dados e informações coletados são colocados em inteligências artificiais, eles se tornam suscetíveis a falhas nos sistemas que podem prejudicar sua privacidade. Assim, se os modelos treinados pelo LAION-5B vazarem informações, a intimidade desses jovens pode ser muito prejudicada.

Para além da sensibilidade envolvida na disponibilização dessas imagens no LAION-5B, causa preocupação também o fato de que indivíduos com intenções maliciosas podem lançar mão dessas ferramentas para produzir deepfakes que põem ainda mais em risco a dignidade e privacidade dessas crianças e adolescentes.

"Crianças e adolescentes não deveriam ter que viver com medo de que suas fotos possam ser roubadas e usadas contra eles", afirma Hye Jung Han, pesquisadora de direitos da criança e tecnologia da Human Rights Watch em comunicado à imprensa. "O governo deveria adotar urgentemente políticas para proteger os dados das crianças contra uso indevido impulsionado por IA."

Ainda segundo a ONG, "o governo deveria fortalecer a lei de proteção de dados adotando salvaguardas adicionais e abrangentes para a privacidade dos dados das crianças."

Na sexta, 7, foi apresentado o texto preliminar do Projeto de Lei 2338/2023, o chamado "Marco Legal da Inteligência Artificial". A ideia é que o texto final esteja pronto até novembro.

De acordo com o PL, os direitos das pessoas afetadas pela IA envolvem o direito à informação prévia em relação às suas interações com sistemas de inteligência artificial e o direito à privacidade e à proteção de dados pessoais.

"A nova política deveria proibir a raspagem de dados pessoais de crianças para sistemas de IA considerando os riscos de privacidade envolvidos e o potencial de novas formas de uso indevido à medida que a tecnologia evolui. Deveria também proibir a replicação digital não consensual ou a manipulação de imagens de crianças. E deveria fornecer mecanismos às crianças que sofrerem danos para buscar justiça e reparação significativa. O Congresso brasileiro também deveria garantir que propostas de regulamentações de IA incorporem proteções de privacidade de dados para todos, e especialmente para as crianças", diz a declaração disponível no site da HRW.

Estadão
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