'Duna: Parte 2' é ficção científica que cura onde dói e prova que espetáculo visual também é político; leia a crítica

Conclusão épica da adaptação do romance de Frank Herbert faz jus ao título e preenche lacuna de grandes histórias no cinema contemporâneo.

29 fev 2024 - 05h00

Seria irônico se não fosse propício que a polêmica declaração de Denis Villeneuve sobre a desimportância dos diálogos no cinema tenha gerado tantos debates justamente na semana de lançamento de 'Duna: Parte 2'. Maior que o primeiro em tudo -- em escala cinematográfica, em escopo, efeitos visuais, simbolismo e atuação --, o novo filme prova o ponto de seu diretor, mas não da forma como ele gostaria. 

Timothée Chalamet em 'Duna: Parte 2'
Timothée Chalamet em 'Duna: Parte 2'
Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

Sequência direta do filme vencedor de seis Oscars lançado em 2021, 'Duna: Parte 2' retoma a história exatamente de onde o primeiro parou, o que é uma excelente notícia para fãs do romance. A decisão não apenas facilita o entendimento da trama, que já é de natureza complexa, como também faz com que a escolha de dividi-lo em duas partes faça ainda mais sentido: não se trata de uma estratégia para alongar a história o máximo possível, mas sim para que a adaptação faça jus à grandiosidade da obra de Frank Herbert. Nenhum momento é desperdiçado, e todas as interações do filme fazem diferença para que a conclusão chegue aonde ela pretende.

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Nesta parte da história, os Fremen enfim saem do escanteio e ganham o centro das atenções, quando Paul Atreides (Timothée Chalamet) e sua mãe, Jessica (Rebecca Ferguson), se unem ao povo de Arrakis em busca de vingança contra os conspiradores que destruíram sua família. Aqui, finalmente Chani (Zendaya) ganha destaque e começa a aparecer na história, tendo em vista que o romance entre ela e Paul é central e um ponto de conflito importante para a jornada do rapaz. 

Zendaya é Chani em 'Duna: Parte 2'
Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

Como toda e qualquer épica conclusão (e tenha em mente, caro leitor, que o adjetivo "épico" será usado à exaustão em inúmeras análises sobre o filme), 'Duna: Parte 2' cresce de maneira exponencial em relação à parte 1. Villeneuve se cobre com um espetáculo visual que transforma as areias do deserto em um elemento cheio de vida, ao contrário do ambiente inóspito e insosso que apresentou no longa anterior. Os conflitos éticos ficam mais urgentes e palpáveis, e todos os personagens ganham camadas que os tornam mais interessantes. Com a guerra declarada e em vigor, o que acompanhamos em termos de ficção científica é de uma densidade de fazer inveja na última trilogia de Star Wars nos cinemas. 

Conflito político e messianismo são temas centrais 

Rebecca Ferguson como Lady Jessica em 'Duna: Parte 2'
Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

Villeneuve opta por usar como espinha dorsal do filme o conflito de Paul Atreides em relação à profecia que o elege como o messias que guiará os Fremen ao paraíso. Relutante com as ideias mais radicais de sua mãe e das Bene Gesserit, Paul é mais atento às ideias modernas de Chani. Aqui, o filme se abre para um discurso tão pertinente quanto pontual, e tece comentários fortes e decisivos sobre religião e fé serem usadas, historicamente, para manter povos escravizados à ideia de que salvação e mudança virão de alguma força que está além deles mesmos. 

Tecer esta relação entre o cenário geopolítico contemporâneo e uma história de fantasia que se passa em um cenário hipotético, aliás, é sempre o maior desafio e, por consequência, o maior mérito (ou equívoco) de ficções científicas. Quando bem executada, a obra que se dispõe a tal conexão pode entrar no hall de importância em que se inserem títulos como 'Blade Runner' e '2001 - Uma Odisseia no Espaço'. Quando peca, o destino é ser um triste 'A Ascensão Skywalker'. 

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A comparação não é feita de maneira displicente. 'Duna: Parte 2' se insere neste primeiro grupo, e prova com êxito que o dilema e a conexão problemática entre fé, religião e política sempre foi e continuará sendo perigosa no curso da humanidade.

'Duna: Parte 2' é encerramento épico de adaptação de Villeneuve
Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

Por mais que este casamento entre fé e política seja o que impulsiona a história, é justamente onde Villeneuve acaba por se contradizer. Quando tem a oportunidade de confiar no espectador, ele opta por reforçar o mesmo ponto inúmeras vezes, sobretudo usando as vozes de Paul e Chani. De fato, o diálogo em excesso é muitas vezes desnecessário ao cinema, e pensar que o roteiro é o principal elemento de uma obra audiovisual é cair no conto de um discurso pobre que não enxerga o quanto as escolhas de direção, os enquadramentos e tudo o que engloba o visual compõe o que entendemos da história. 

Villeneuve escorrega justamente ao esconder os diálogos fracos com o espetáculo que apresenta de maneira irreparável. Tudo em que mergulhamos em relação à jornada de Paul como Maud’Dib, ao seu conflito com a mãe e o que o leva a aceitar seu destino é fascinante e de extrema qualidade técnica. O contraponto é a forma “blocada” como a história é contada, uma montagem que parece repetir uma estrutura capitular que, ainda que funcione na literatura por motivos óbvios, corre o risco de deixar a estrutura do filme protocolar e cansativa. 

‘Duna: Parte 2’ se salva do tal cansaço justamente porque a grandiosidade do que apresenta é quase o suficiente para mascarar seus defeitos. Paralelamente, a despeito de grandes explosões e cenas bélicas aterrorizantes, há um aspecto careta nas escolhas de ocultar qualquer contato corporal direto, deixando subentendidas ou fora do enquadro as trocas íntimas entre Paul e Chani e os dois embates físicos mais importantes e catárticos do longa. 

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Paul (Chalamet) enfrenta Feyd-Rautha (Austin Butler) em 'Duna: Parte 2'
Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

Diante de tudo isso, Villeneuve prova o seu ponto demonstrando justamente o quanto o diálogo foi capaz de empobrecer uma obra que, tirando isso, é deslumbrante e irretocável. 

Mesmo com esses poucos deslizes, ‘Duna: Parte 2’ usa todos os recursos a favor de uma cinematografia de tirar o fôlego e deixar o espectador na ponta da cadeira, unindo uma história que dialoga com o público amplo a uma ação empolgante que ocupa um lugar há muito tempo vazio por refilmagens preguiçosas e histórias requentadas empobrecidas. No Monte Rushmore dos grandes filmes de ficção científica, será impossível não deixar um lugar para ele no futuro. 

Fonte: Redação Entre Telas
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