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Pequenas cidades paulistas já têm mais casos e mortes por coronavírus do que regiões metropolitanas

Acostumados a um ritmo de vida mais pacato, moradores se dividem entre a incredulidade e o medo

18 jun 2020 - 11h39
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SOROCABA - Pequenas cidades do interior de São Paulo já têm, proporcionalmente, mais casos e mortes pelo novo coronavírus do que a capital e as regiões metropolitanas do estado. Das 19 cidades paulistas com menos de 2 mil habitantes, 13 já registraram casos da covid-19 e em três houve ao menos uma morte. Acostumados a um ritmo de vida mais pacato, em que a morte é um fato raro, anunciado em alto-falante, moradores que nunca viram uma pandemia se dividem entre a incredulidade e o medo.

Em Gastão Vidigal, de 4.808 habitantes, na região noroeste do Estado, 36 pessoas se infectaram e seis morreram com a doença. A proporção é de uma morte pelo novo coronavírus a cada 801 habitantes, uma incidência de 124 óbitos por 100 mil pessoas, o mais alto do Estado, seis vezes acima da média estadual. O índice é 30 vezes maior que o de Araçatuba, cidade que é polo regional, e 12 vezes o de Campinas, a metrópole do Interior. Na Capital, epicentro da doença, a taxa é de 29 por 100 mil, ao menos quatro vezes menor que o de Gastão Vidigal.

Em Gastão Vidigal, mesmo com as medidas de isolamento, seis pessoas morreram com a covid-19
Em Gastão Vidigal, mesmo com as medidas de isolamento, seis pessoas morreram com a covid-19
Foto: Prefeitura de Gastão Vidigal/ Divulgação / Estadão

O prefeito Roberto Carlos Breseghello (PP) disse que a situação ainda pode piorar. "Temos oito moradores internados em estado grave e seis são idosos. Infelizmente, a gente tem essa liderança indesejável e nossos números ainda vão aumentar." Ele conta que as medidas da quarentena foram rigorosas, com o fechamento do comércio - nos fins de semana só funcionam farmácias e padarias -, igrejas e proibição de reuniões de qualquer tipo. "Decretamos a obrigação de usar máscara, mas nem todos usam. Nossa vontade é de mandar prender", disse.

Com 1.545 habitantes, a cidade de Santa Salete, no extremo noroeste de São Paulo, a 601 km de capital, tem a maior incidência de casos do novo coronavírus no Estado. Com 18 casos positivos, a média é de uma pessoa doente a cada 85,8 moradores, o que dá uma incidência de 1.165 casos por 100 mil habitantes. No estado de São Paulo, a taxa é de 315 /100 mil e a média brasileira, de 336 casos por 100 mil pessoas. O índice só é comparável ao do estado do Amazonas, de 1.201 por 100 mil, o maior do País. Na cidade, ainda não houve óbito.

Desde que o primeiro paciente da covid-19 foi detectado na Capital, o vírus percorreu 601 km para chegar a Santa Salete, o que mostra como a doença se espalhou e atingiu os recantos mais longínquos do Estado. Das dez menores cidades, sete já tiveram pessoas com a doença, inclusive a menor delas, Borá, com 837 habitantes. Em Uru, a segunda menor, com 1.165 moradores, houve três casos e uma morte. Terceira colocada no ranking das pequenas cidades paulistas com 1.267 habitantes, Nova Castilho também já registrou um óbito. São cidades sem leitos de UTI e pacientes em estado grave têm de ser levados para hospitais de fora.

Dos 18 pacientes de Santa Salete, dois precisaram de internação. Conforme a secretária de saúde, Carla Adriana do Amaral, 13 pacientes são de uma família que se reuniu em uma festa familiar. "Possivelmente alguém estava com o vírus e dias depois dessa festa começaram a aparecer os casos entre os familiares." Dos parentes que tiveram a doença confirmada, dois precisaram de internação e foram levados para Jales, a 18 km, já que Santa Salete não tem hospital e pronto-atendimento. Um dos pacientes ficou dez dias internados, mas não precisou de UTI. O outro se recuperou em dois dias.

Mesmo com o grande número de casos, a prefeitura enfrenta dificuldade para manter o isolamento. "A cidade é pequena e os moradores compram bebidas e sentam-se nas caçadas, à frente dos mercadinhos, muitas vezes formando aglomerações." O uso de máscara é obrigatório, mas não é todo mundo que usa, segundo ela. "A população tem dificuldade para acreditar na doença. Mesmo com o que já aconteceu, tivemos de intervir, com apoio do da Polícia Militar e do Ministério Público, para que não houvesse outra festa com número grande de pessoas. Quem ia fazer ainda ficou bravo com a gente."

O prefeito de Gastão Vidigal diz que, ao contrário do que se pensa, a vida pacata do interior não favorece o isolamento. "Com os bares fechados, as pessoas organizam reuniões em chácaras. A gente fica sabendo dos churrascos em fins de semana, infelizmente, só depois que acontecem." A explosão de casos, segundo ele teve início após o Dia das Mães, quando muitas pessoas que moram fora retornaram à cidade para ver a família. "A cidade é pacata, tem segurança, então quem sai para trabalhar e se aposenta volta a morar aqui. Por isso temos muitos idosos."

Na segunda-feira, 8, o serviço de alto-falante da cidade anunciou mais uma morte. A servidora pública Rute Magro disse que sente medo. "Estamos morrendo de medo, pois tenho minha mãe idosa, com enfisema pulmonar. Nem posso ir à casa dela." Rute mora na casa ao lado da mãe, mas há várias semanas elas não trocam abraços. "Faço comida e levo para ela todo dia, mas passo por cima do muro e a gente se fala assim, pelo muro. É difícil, mas é para a proteção dela."

O vereador Eduardo Gomes Lagoeiro (SD), presidente da Câmara, conta que o município tomou as medidas possíveis para evitar o vírus. "É uma coisa que a gente nunca viu antes. Fechou tudo aqui, mas tem gente que trabalha fora e pode ter trazido a doença."

O município tem tradição agrícola e as pessoas se deslocam diariamente para o campo. "O forte aqui é roça, mas não tem caso na zona rural. O problema é na área urbana. À noite, parece cidade fantasma, mas de dia é muita gente na rua, não tem como proibir 100%."

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Estadão
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