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Logística brasileira é eficiente para distribuir a vacina?

Especialistas da USP e da Unicamp falam sobre os desafios para a aplicação do imunizante na população do País

4 dez 2020 - 13h10
(atualizado às 13h28)
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A infraestrutura de conservação a frio, de -70°C, exigida pela vacina da Pfizer (BioNTech) por um lado, e os protocolos de transferência de tecnologia das Sinovac (chinesa) e AstraZeneca (de Oxford), por outro, podem ser determinantes para a escolha pelo Brasil da vacina que deverá imunizar milhões de pessoas no País contra a covid-19 nos próximos meses. A opinião é das médicas e especialistas Raquel Stucchi, da Unicamp, e Ana Paula Sayuri Sato, da USP, em entrevista ao Estadão.

"A vacina da Pfizer tem de ser mantida a -70°C e isso, para um país de dimensões continentais, no qual a gente tem de levar a vacina rio acima e rio abaixo, literalmente, pode ser muito mais complexo no nosso planejamento de vacinação em massa aqui", argumenta Raquel Stucchi.

Por outro lado, destaca Ana Paula Sato, além da questão da conservação a frio, é preciso lembrar que "há um acordo de transferência de tecnologia da vacina da Universidade de Oxford (parceria com a AstraZeneca) com a Fiocruz - Biomanguinhos, o que é aspecto importante da produção da vacina", afirma a especialista da USP.

As duas destacam ainda a posição avançada do sistema de imunização existente no Brasil e que deve ser fundamental no processo de proteção da população contra a covid-19. Veja abaixo trechos das entrevistas com as duas profissionais.

Raquel Stucchi destaca que o Brasil tem o melhor programa de vacinação do mundo, com campanhas bem-sucedidas de prevenção a doenças como febre amarela, sarampo e poliomelite. 
Raquel Stucchi destaca que o Brasil tem o melhor programa de vacinação do mundo, com campanhas bem-sucedidas de prevenção a doenças como febre amarela, sarampo e poliomelite.
Foto: Reprodução/Sociedade Brasileira de Infectologia / Estadão Conteúdo
  • Raquel Stucchi, professora da Unicamp e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI)

Temos no País uma logística eficiente para distribuição em massa da vacina da covid-19?

Nós temos sim. Temos um histórico de vacinação em massa, com distribuição de vacinas para o Brasil inteiro, muito bem-sucedido. Temos o melhor programa de vacinação do mundo, temos feito várias campanhas, da febre amarela, do sarampo, da pólio, sempre muito bem-sucedidas, sempre trabalhando com as vacinas de conservação entre 2°C e 8°C. Uma distribuição de vacinas que precise de temperaturas mais baixas talvez possa trazer dificuldades. Agora, veja, nós sempre tivemos essa logística eficiente, sempre com um planejamento eficiente, que eu espero que seja mantido. Porque nós temos sim capacidade não só de planejar, com pessoas capacitadas e experientes nesse planejamento. Espero que elas sejam ouvidas e que seu conhecimento e experiência sejam respeitados agora na vacinação contra a covid-19.

O governo brasileiro parece não ter interesse na vacina da Pfizer, essa que vai ser adotada no Reino Unido, e prefere apostar na de Oxford, da AstraZeneca. Na sua opinião, por quê? A vacina da Pfizer exige refrigeração mais elevada, é certo, mas não é muito cedo para descartá-la?

Dois motivos para o governo, talvez, não mostrar interesse pela vacina da Pfizer: um é que ela exige uma cadeia de frio bem diferente do que nós já estamos acostumados aqui no Brasil. A vacina da Pfizer tem de ser mantida a -70°C e isso, para um país de dimensões continentais, no qual a gente tem de levar a vacina rio acima e rio abaixo, literalmente, pode ser muito mais complexo no nosso planejamento de vacinação em massa aqui. O outro ponto é que facilita muito você incorporar as vacinas cujos laboratórios já firmaram compromisso de transferência de tecnologia. É o caso da Sinovac e da AstraZeneca, que firmaram esse protocolo, esse convênio, de transferência de tecnologia. As vacinas serão produzidas aqui no Brasil. E isso facilita muito toda a logística de distribuição da vacina. Esses dois fatores acabam colocando essas duas vacinas com uma certa vantagem em relação às outras para serem utilizadas de forma mais ampla aqui no nosso país.

Como se pode manter a conservação eficiente da vacina em regiões com comunidades isoladas, como na Amazônia, por exemplo?

Veja que, para outras vacinas, mesmo na Amazônia, às vezes, com até descolamento fluvial, nós conseguimos manter as temperaturas adequadas para as vacinas. Você pode manter as vacinas entre 2°C e 8°C em períodos maiores e, em períodos mais curtos, elas podem até ficar em temperaturas mais altas sem comprometer a eficácia da vacina. E o transporte é feito em caixas térmicas, com controle de termômetros, para garantir que a vacina continue com suas propriedades e seus antígenos ali preservados e eficazes. Temos, sim, capacidade de fazer isso no Brasil mesmo com todas essas diferenças geográficas.

O governo tem dito que um "plano nacional" de vacinação precisa ter quatro fases gerais. Não teria de haver já um planejamento mais detalhado, com logística mais preparada? Ou isso não é necessário?

Sim, eu imagino que a equipe que está trabalhando nesse planejamento só não tenha divulgado, mas esteja trabalhando na logística, inclusive dos insumos que serão necessários. Temos de pensar em seringas, agulhas, cada pessoa que for vacinada, se são duas doses num intervalo de 28 dias, então tudo isso vai se repetir. E você vai precisar do dobro de insumos, diferente de se fosse uma dose única. E mais: você pode estar começando a fase dois da vacinação e ainda ter de vacinar quem já foi vacinado na fase um. Tudo isso requer, sim, planejamento detalhado. Imagino que tem uma equipe se dedicando a isso.

O País precisaria de auxílio das Forças Armadas, por exemplo, para uma distribuição rápida? Ou a rede de saúde dá conta da operação?

Olha, lá na década 1960, quando teve vacinação em massa contra meningite meningocócica, nós contamos com auxílio sim das Forças Armadas. E, na verdade, se não tivermos outra forma, talvez a gente precise. Mas, pela capacidade de produção e disponibilidade da vacina, acho que a área da Saúde, possivelmente, consegue vacinar as populações nestes grupos que estão colocados no momento. Porque a gente também vai ter uma distribuição da vacina em um número mais limitado por causa da produção. Agora, se conseguirmos uma disponibilidade de centenas de milhões de doses, o que seria ótimo, quanto mais gente puder auxiliar, claro, será melhor. Não vejo nenhum empecilho em relação a isso.

Fiocruz e Instituto Butantã são entidades públicas. Essas entidades podem fornecer a vacina também para a rede privada aplicar?

Olha, Fiocruz e Butantã já produzem várias vacinas, mas elas são para distribuição na rede pública e também para a Organização Mundial de Saúde. O Brasil é o maior produtor de vacina contra a febre amarela, por exemplo. Somos os responsáveis por distribuir esta vacina para a OMS usar em outros países, além do Brasil. E esta é uma produção da Fiocruz e Butantã que não tem sido destinada, em nenhuma parcela desta produção, para serviços privados.

Por fim, teremos vacina da covid-19 nas clínicas privadas ou será somente nos postos de saúde da rede pública?

Possivelmente teremos a vacina da codiv-19 na rede privada. Desde que os laboratórios produtores forneçam, vendam a vacina, assim como todas as outras vacinas. Devemos, sim, ter a vacina na rede privada também.

Para Ana Paula Sayuri Sato, a rede de serviços de saúde deveria ser fortalecida
Para Ana Paula Sayuri Sato, a rede de serviços de saúde deveria ser fortalecida
Foto: Reprodução/Lattes / Estadão Conteúdo
  • Ana Paula Sayuri Sato, professora Dra. do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP)

Nós temos no País uma logística eficiente para distribuição em massa da vacina da covid-19?

Eu tenho pouca experiência com a logística das campanhas de vacinação, mas gostaria de ressaltar que o Programa Nacional de Imunizações brasileiro é um dos mais bem-sucedidos e tem investido na rede de frio a fim de oferecer adequadamente os imunobiológicos. O que teremos num futuro próximo, caso uma vacina de covid-19 se mostre segura e eficaz, será algo inédito para qualquer programa de imunizações. Certamente será um grande desafio em todos os aspectos, inclusive para a logística de vacinação contra a covid-19.

O governo brasileiro parece não ter interesse na vacina da Pfizer, essa que vai ser adotada no Reino Unido, e prefere apostar na de Oxford, da AstraZeneca. Na sua opinião, por quê? A vacina da Pfizer exige refrigeração mais elevada, é certo, mas não é muito cedo para descartá-la?

Realmente, a vacina da Pfizer requer temperaturas muito baixas e, em minha opinião, não temos essa estrutura em nossa rede de frio, principalmente fora de grandes cidades, como muitos outros países. É importante lembrar que há um acordo de transferência de tecnologia da vacina da Universidade de Oxford com a Fiocruz - Biomanguinhos, o que é o aspecto importante da produção da vacina.

Como manter a conservação eficiente da vacina em regiões com comunidades isoladas, como na Amazônia, por exemplo?

Como já mencionado, há um padrão mínimo de armazenamento e transporte dos imunobiológicos que devem ser atendidos nas diversas realidades brasileiras. Em relação à temperatura, a maioria das vacinas requer de 2°C a 8°C, algumas suportam congelamento, outras não, alguns frascos multidoses após abertos devem ser utilizados até determinado prazo. Se necessário, são utilizados até barcos para alcançar toda a população, por exemplo em algumas regiões do Brasil, incluindo no Amazonas.

O governo tem dito que um "plano nacional" de vacinação precisa ter quatro fases gerais. Não teria de haver já um planejamento mais detalhado, com logística mais preparada? Ou isso não é necessário?

Eu não estou a par de detalhes do plano nacional de vacinação. Acho que não conseguirei ajudar com essa questão. Mas tenho certeza de que o Ministério da Saúde tem se organizado no planejamento dessa ação de vacinação, com reuniões regulares com especialistas da área.

O País precisaria de auxílio das Forças Armadas, por exemplo, para uma distribuição rápida? Ou a rede de saúde dá conta da operação?

Acredito que a vacinação será realizada de forma escalonada, iniciando-se com a população idosa, profissionais da saúde, indígenas, pessoas com comorbidades, e paulatinamente será ofertada à população. Eu acredito que será um grande desafio para a rede de serviços de saúde, lembrando que estamos com a pandemia em curso, com elevados números de casos e óbitos diários e proporção elevadas de ocupação em UTI. Em minha opinião, deveria ser fortalecida a rede de serviços de saúde.

Fiocruz e Instituto Butantã, que estão envolvidos na pesquisa, são entidades públicas. Essas entidades podem fornecer a vacina também para a rede privada aplicar?

Na vacinação de rotina, há algumas vacinas que são produzidas pelos laboratórios públicos de produção de vacinas e que podem ser administradas na rede privada. Em relação a vacina de covid-19, eu acredito, neste momento, que seja difícil dizer se isso ocorrerá.

Vacina contra Covid-19
 30/10/2020 REUTERS/Dado Ruvic
Vacina contra Covid-19 30/10/2020 REUTERS/Dado Ruvic
Foto: Reuters
Estadão
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