PUBLICIDADE

Redes sociais estão criando crianças obcecadas por corpo musculoso

Bombardeio de vídeos em trends sobre musculação nas redes sociais tem preocupado médicos

26 set 2023 - 09h48
(atualizado às 09h52)
Compartilhar
Exibir comentários
Foto: Adobe Stock

Meninos de 8 a 10 anos geralmente são fascinados por heróis dos filmes e desenhos de ação. Músculos fortes, bíceps desenhados e abdominais duros como rocha, esses personagens propagam mensagens subjacentes sobre poder e valor – e é fácil associar isso ao corpo volumoso também na adolescência, quando as mídias sociais valorizam a estética corporal do homem. Inundados nesses pensamentos e pressões, muitos jovens têm desenvolvido um tipo de transtorno dismórfico: a vigorexia. 

“Esse distúrbio é definido como uma obsessão por músculos, pela compulsão aos exercícios e pelo consumo de substâncias que prometem o aumento da massa muscular. O número de casos que se caracteriza pela preocupação ‘negativa’ sobre a própria imagem tem aumentado, principalmente entre os adolescentes no mundo, justamente por conta de vídeos e trends sobre musculação nas redes sociais”, alerta a médica nutróloga Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). 

“Paralelamente, muitos jovens desenvolvem obsessões pelo consumo de alimentos saudáveis [ortorexia] ou desregulam totalmente sua alimentação, ingerindo por exemplo mais proteínas do que o necessário, já que esse macronutriente é relacionado à construção muscular”, acrescenta a médica.

Preocupação exagerada com os músculos

Também chamada de dismorfia muscular, essa preocupação com um físico musculoso e magro, tem comportamentos mais extremos em apenas em uma pequena porcentagem, principalmente de meninos e homens jovens, mas podem influenciar a mentalidade de muitos mais, segundo Marcella. 

“Quase 1/4 dos meninos e jovens se envolve em algum tipo de comportamento de fortalecimento muscular”, explica a médica. Cerca de 60% dos meninos nos Estados Unidos mencionam mudanças em sua dieta para ficarem mais musculosos, segundo o site Young Men's Health do Boston Children's Hospital. 

"Embora isso possa não atender aos critérios de diagnóstico do distúrbio de dismorfia muscular, de alguma forma esse bombardeio de imagens está afetando muitos homens jovens", acrescenta a médica.

Como deve ser o corpo de um homem

Existe uma norma social que iguala a musculatura à masculinidade. “Uma observação atenta já nota que há mensagens constantes sobre o corpo que os homens devem ter. Até as fantasias de Halloween para meninos de 4 e 5 anos agora têm preenchimento para barriga tanquinho”, constata Marcella.

O transtorno dismórfico muscular, no geral, difere em meninos e meninas. “Por muito tempo considerado domínio das meninas, a dismorfia corporal pode assumir a forma de distúrbios alimentares, como anorexia ou bulimia. Tecnicamente, a dismorfia muscular não é um distúrbio alimentar, mas é muito mais difundido entre homens – e insidioso. Pode estar relacionada com a ortorexia, o que geralmente afeta o relacionamento social desses jovens, que deixam de sair com amigos e ter encontros familiares por receio de ‘fugirem’ da dieta”, diz a médica. 

"A noção comum é que a dismorfia corporal afeta apenas meninas e não é um problema masculino. Por causa disso, esses comportamentos pouco saudáveis em meninos muitas vezes passam despercebidos", alerta.

Sinais e perigos

Os pais podem ter dificuldade em discernir se o filho está apenas sendo um adolescente ou entrando em um território perigoso. A médica nutróloga aconselha os pais a procurar por estas bandeiras vermelhas: 

  • • Mudança acentuada nas rotinas físicas, como passar de malhar uma vez por dia para passar horas malhando todos os dias; 
  • • Após exercícios ou refeições regulares, incluindo limitar os alimentos que estão comendo ou concentrar-se fortemente em opções com alto teor de proteína; 
  • • Interromper atividades normais, como passar tempo com amigos, para malhar; 
  • • Tirar fotos obsessivamente de seus músculos ou abdômen para acompanhar a ‘melhora’ do ‘shape’; 
  • • Pesar-se várias vezes ao dia; 
  • • Vestir-se para destacar um físico mais musculoso ou usar roupas mais largas para esconder seu físico porque não acham que é bom o suficiente. 

"Quase todo mundo já fez dieta. A diferença é a persistência – eles não tentam apenas por uma semana e depois decidem que não é para eles. Esses meninos estão fazendo isso por semanas a meses e não são flexíveis em mudar seus comportamentos, pois acreditam obsessivamente que eles são saudáveis", alerta a médica.

Comportamentos que fazem mal à saúde mental

Com relação aos perigos, a médica nutróloga alerta que comportamentos extremos podem representar riscos à saúde física e mental. 

“Por exemplo, pós de proteína não regulamentados e suplementos que os meninos recorrem na esperança de aumentar rapidamente os músculos podem ser adulterados com estimulantes. Além disso, alguns podem recorrer ao uso de esteroides anabolizantes. Com isso vem um risco aumentado de acidente vascular cerebral, palpitações cardíacas, pressão alta e lesão hepática", observa Marcella.

Alguns meninos também tentam ganhar massa muscular por meio de um regime de "bulking” (ganhos) e “cutting” (perdas), com períodos de rápido ganho de peso em dieta hipercalórica seguidos de períodos de extrema limitação calórica. 

“Isso pode afetar o desenvolvimento muscular e ósseo a longo prazo e levar a batimentos cardíacos irregulares e níveis mais baixos de testosterona. Mesmo na melhor das hipóteses, comer muita proteína pode levar a muitos distúrbios intestinais, como diarreia ou lesão renal, uma vez que nossos rins não foram feitos para filtrar quantidades excessivas de proteína", acrescenta a médica.

Com relação às consequências psicológicas, elas também podem ser relevantes, com aparecimento de depressão e pensamentos suicidas, o que pode ocorrer geralmente quando os meninos cortam drasticamente as calorias ou negligenciam grupos inteiros de alimentos. 

“Além disso, ao tentar alcançar ideais irrealistas, eles podem sentir constantemente que não são bons o suficiente”, destaca.

Como os pais podem ajudar

Segundo a médica nutróloga, algumas dicas podem ajudar:

• Reúna-se para as refeições em família

Mesmo com horários que podem ser complicados, essa é uma boa estratégia, segundo a médica. 

“Pesquisas consideráveis mostram que os benefícios para a saúde física e mental decorrem de sentar-se juntos para as refeições, incluindo uma maior probabilidade de as crianças terem um peso adequado para seu tipo de corpo”, explica.

• Encare a nutrição e o exercício como significativos para a saúde

“Ao conversar com seu filho sobre o que você come ou sobre sua rotina de exercícios, não vincule os resultados esperados à forma ou tamanho do corpo”, diz.

• Comunique-se abertamente

"Se seu filho disser que quer se exercitar mais ou aumentar a ingestão de proteínas, pergunte por quê – para sua saúde geral ou para um corpo ideal específico?"

• Fique de olho nas preocupações

Se o seu filho quiser aumentar o consumo de proteínas ou se preocupa demais com a alimentação, buscar ajuda de um médico nutrólogo pode ser recomendado. 

"Uma alternativa é conversar com o médico. Ele pode recomendar o nível adequado de proteína por meio de alimentos regulares. Caso o transtorno seja observado pelo médico, é importante que o tratamento seja multidisciplinar, feito juntamente com psiquiatra e psicólogo”, finaliza a médica.

(*) HOMEWORK inspira transformação no mundo do trabalho, nos negócios, na sociedade. É criação da Compasso, agência de conteúdo e conexão.

Homework Homework
Compartilhar
Publicidade
Publicidade