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Como os algoritmos dos apps de paquera tentam prever pares perfeitos

O que cientistas fazem se querem pesquisar indicadores preditivos de atração? Desenvolvem o seu próprio; veja o que a ciência descobriu sobre os princípios que regem apps como Tinder, eHarmony e Match.com.

21 nov 2019 - 12h46
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Em uma noite, Matt Taylor "zerou" o Tinder. Ele executou um script em seu computador que "curtiu" automaticamente todos os perfis que se enquadravam em suas preferências. Pela manhã, tinha vasculhado o perfil de 25 mil pessoas.

Foto: BBC News Brasil

Nove dessas pessoas "deram match" (quando há interesse mútuo) com ele. Uma delas, Cherie, concordou em sair. Para sorte de Taylor, Cherie achou essa história atraente e agora os dois estão casados. Se houver um uso mais eficiente de um aplicativo de namoro, eu não conheço.

Taylor claramente não queria deixar nada ao acaso. Por que confiar no algoritmo para apresentar os perfis certos quando você pode curtir todos? Ninguém será capaz de repetir esse feito, uma vez que o aplicativo é mais seguro hoje do que era há vários anos, e o algoritmo foi atualizado para penalizar aqueles que deslizam todas as fotos para a direita (ação que mostra que você tem interesse). Ou pelo menos é o que as pessoas acreditam.

Para aqueles que não têm acesso ao método usado por Taylor, a promessa tentadora de que, talvez, confiando em um algoritmo, um aplicativo ou site possa encontrar seu par perfeito seja profundamente atraente.

"É algo que as pessoas solteiras querem que exista — é o equivalente romântico de um programa fácil para perda de peso", diz Samantha Joel, professora assistente da Western University, no Canadá.

"As pessoas querem isso porque se encontrar cara a cara é cansativo. Como a maioria das coisas que gostaríamos de ter, acho que merece um certo ceticismo quando alguém afirma que é capaz de fazê-lo."

Muitos aplicativos e sites afirmam ser capazes de usar dados para analisar perfis e obter os melhores "matches". Ao completar seus testes de personalidade, eles dizem que podem te poupar do esforço de deslizar o dedo.

O problema para os cientistas que desejam estudar esses dados e para os jornalistas que querem verificar essas alegações é que os algoritmos são de propriedade intelectual dessas empresas e, portanto, não estão disponíveis ao público. Todo o negócio é baseado no desenvolvimento de algoritmos inteligentes que funcionam como cupidos — e em guardar suas fórmulas a sete chaves.

Mas então o que os cientistas fazem se querem pesquisar indicadores preditivos de atração? Desenvolvem o seu próprio.

Em um exemplo, Joel e os colegas pediram às pessoas que preenchessem um questionário sobre si mesmas e o que procuravam em um parceiro. Algumas perguntas eram muito parecidas com aquelas que você poderia esperar encontrar em qualquer site de relacionamento, e várias outras iam além. Os participantes foram questionados, por exemplo, se concordavam com declarações como: "sou uma pessoa otimista", "tenho medo de ser abandonado" e "se eu pudesse viver a minha vida de novo, mudaria tudo".

Ao todo, eles responderam sobre mais de 100 características e preferências. Depois, após uma série de encontros de quatro minutos, foram questionados se tinham interesse romântico em qualquer um dos outros participantes.

Agora, os pesquisadores tinham todas as três coisas que precisavam para prever o desejo romântico. O primeiro é o desejo do ator, ou quanto as pessoas gostaram de seus "dates" em comparação com outros. Isso captou o quão exigente cada pessoa era. Elas se sentiram atraídas por muitas pessoas ou acharam difícil sentir uma certa química? Ao comparar os participantes entre si em relação à seletividade, os pesquisadores conseguiriam controlar pessoas que poderiam fazer muitas conexões em potencial, sobretudo porque tinham uma mente bastante aberta sobre quem gostariam de namorar.

O segundo é o desejo do parceiro, ou o quanto as pessoas gostam de você comparado com seus outros "dates". O inverso do desejo do ator, essa é uma medida de atratividade.

Ao subtrair a "seletividade" e a "atratividade" das pontuações de interesse romântico dos participantes, os pesquisadores tiveram uma medida mais precisa da compatibilidade (o terceiro fator).

"Algumas pessoas são mais atraentes que outras, e podemos prever quem tende a ter mais 'matches'", diz Joel. "Esse não é o objetivo desses sites de relacionamento. Eles não estão dizendo que vão fazer um filtro, para que você tenha apenas pessoas atraentes para escolher."

Joel descobriu que seu algoritmo poderia prever o desejo do ator e o desejo do parceiro, mas não a compatibilidade. Nem de leve sequer. Só era possível prever percentuais negativos de variância — o que significa que o algoritmo era preciso em menos de 0% das vezes. Pode parecer um pouco confuso, mas Joel diz que seu algoritmo teria se saído melhor usando uma média dos resultados para todos os participantes, em vez de oferecer uma resposta personalizada.

"Foi completamente inútil", diz Joel. "Deveria ter sido melhor."

"Minha opinião é que, quando duas pessoas realmente se encontram, elas formam uma dinâmica compartilhada que vai além da soma de suas partes e não pode ser prevista a priori", explica.

"As preferências individuais deles não compõem a essência do que eles acham atraente. Minha avaliação sobre se te achei engraçado depois de te conhecer, vai prever se eu gosto de você, mas meu desejo por uma pessoa engraçada e sua avaliação do quão engraçado você é, não, porque talvez a gente não tenha o mesmo senso de humor."

Encontrar uma maneira de fazer previsões precisas não é simples.

Previsões bem-sucedidas

Outra equipe de pesquisadores parece ter previsto com sucesso o desejo romântico usando um algoritmo. Imagine uma casa cheia de "dates" em potencial. Quanto mais para o alto da casa, mais gentil a pessoa é. Quanto mais para os fundos, mais engraçada. Quanto mais à direita, mais atraente fisicamente, e assim por diante, até você coletar dados sobre 23 preferências diferentes.

Agora, dependendo de suas preferências, você pode imaginar que seu par perfeito está em algum lugar perto da pia do banheiro, por exemplo. Pode haver outras pessoas por perto, que seriam quase tão atraentes quanto. Pode haver ainda alguém mais engraçado e mais bonito, mas um pouco menos gentil, parado em outro cômodo no andar de baixo.

É assim que Daniel Conroy-Beam, professor assistente da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, nos EUA, descreve o algoritmo. A distância entre um parceiro em potencial e seu par ideal na casa hipotética foi o melhor indicador preditivo de atração.

Neste estudo em particular, os participantes foram apresentados a perfis falsos de pessoas fictícias, e não a "dates" reais em potencial. No entanto, ressalta Conroy-Beam, as pessoas julgam perfis online antes de ter a chance de encontrar ou até mesmo de conversar com seus "dates" em potencial, então você pode considerar os perfis online hipotéticos até certo ponto.

O algoritmo de Conroy-Beam supõe que todas as preferências são ponderadas igualmente, o que pode não ser o caso. Se a atração física é muito mais importante para você do que a gentileza, então talvez a pessoa que está esperando no andar de baixo seja uma candidata melhor no fim das contas.

"O próximo passo é incorporar essa ponderação", diz Conroy-Beam. "Eu ficaria muito surpreso se a ponderação não importasse".

Claramente, ter uma lista de preferências dificulta as coisas. Em que ordem você as classifica? Será que as avaliações que você faz das suas qualidades são as mesmas que as minhas? Tudo isso dificulta prever o interesse romântico. Talvez uma opção mais direta seja analisar os chamados "deal-breakers" — as características que inviabilizariam a relação de cara, em outras palavras, coisas que te levariam imediatamente a descartar alguém.

Em outro estudo de Joel, estudantes foram questionados sobre o que considerariam um "deal-breaker" indiscutível em um parceiro em potencial — ser fumante ou religioso, por exemplo. Mais tarde, preencheram um perfil de relacionamento e começaram a prospectar. Depois de fazer uma triagem até chegar a um favorito, os pesquisadores se ofereceram para trocarem contato. Mas, ao mesmo tempo, eles receberam um pouco mais de informações sobre o parceiro escolhido, o que incluía o fato de que tinha duas características consideradas "deal-breaker".

Para 74% das pessoas que acreditavam que poderiam ter um encontro real por causa da interação, os "deal-breakers" perderam a importância. Elas estavam dispostas a ignorá-los. Mesmo entre aquelas que sabiam que o encontro era apenas hipotético, 40% aceitaram. O que acontece é que, quando estamos diante da oportunidade de conhecer alguém que supostamente está interessado em nós, somos muito mais flexíveis.

"Queríamos que eles prospectassem primeiro antes de falarmos sobre os 'deal-breakers'", diz Joel, "porque muitas vezes esses 'deal-breakers' aparecem no primeiro, no segundo ou no quinto encontro". Você pode não descobrir que alguém é fumante ou que tem outra característica terrível até que você conheça pessoalmente ou depois de vários encontros. Dificilmente mostramos nossos atributos menos desejáveis na primeira oportunidade.

Por que não podemos observar estritamente nossos "deal-breakers"? Joel tem sua própria teoria: "Acho que as pessoas, na verdade, não são muito seletivas. As pessoas sentem que precisam ser exigentes porque essa é a nossa cultura. Mas, na realidade, as pessoas são bastante abertas a uma ampla variedade de parceiros".

Colocando fé em um aplicativo

Se na vida real somos muito mais flexíveis do que dizemos na teoria, talvez ser excessivamente exigente com o que procuramos no perfil online de alguém torne mais difícil encontrar a pessoa certa. Em uma das extremidades do mundo dos relacionamentos virtuais, há sites como o Match.com e o eHarmony que, como parte do processo de cadastro, solicitam aos usuários que preencham questionários razoavelmente extensos. Esses sites esperam reduzir a quantidade de triagem que o usuário precisa fazer ao coletar dados e filtrar as melhores opções.

"Observamos os principais valores, decodificamos e combinamos com pessoas que são o mais parecidas possível", diz Rachael Lloyd, especialista em relacionamento do próprio eHarmony.

"Em todos os nossos anos de pesquisa, (vimos que) quanto mais você tem em comum, maior a probabilidade de um relacionamento dar certo. Começamos com 150 perguntas, embora elas tenham mudado e se aprimorado ao longo do tempo com base no 'machine learning'."

Lloyd explica que a meta do algoritmo do eHarmony é encontrar "relacionamentos satisfatórios", o que é um pouco diferente do objetivo inicial de quando a empresa foi fundada em 2000. Naquela época, o casamento era muito mais importante. Essa atualização refletiu a leve mudança de comportamento ao longo das últimas duas décadas.

Pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, analisaram dados de 150 mil assinantes do eHarmony e confirmaram as descobertas de Joel sobre "deal-breakers": em geral, as pessoas se incomodam menos com hábitos como fumar e beber do que poderiam imaginar.

"Também vimos que as pessoas altruístas geralmente se saem bem", diz Lloyd. "Pessoas que conversam sobre caridade e doação despertam 34% mais interesse. Como nosso algoritmo demonstra, a gentileza ainda é muito importante. Mais do que ser muito sexy — isso tende a não funcionar tão bem."

Os dados também sugerem que ser muito atraente como homem não oferece vantagens em relação a estar dentro da média. As mulheres gostam tanto de homens que se autoavaliam com nota 5, quanto daqueles que se consideram nota 10 (classificação máxima). Já os homens preferem sair com alguém que avalia sua aparência física com nota oito.

No outro extremo, aplicativos como Tinder e Bumble coletam muito poucas informações em termos de preferências antes de começarem a mostrar os perfis: geralmente, perguntam apenas o gênero que te interessa, faixa etária e distância de onde você vive. Esses aplicativos são refinados à medida que aprendem sobre as preferências do usuário.

"Eu diria que o Tinder é muito melhor porque ele mostra as pessoas e pergunta se você gosta delas", avalia Joel. "Baseado nos dados (das pesquisas), me parece que os filtros preliminares não funcionam".

"Para saber se [sites de relacionamento online] vão proporcionar 'matches' duradouros, é preciso muitos dados de longo prazo. Essa hipótese é estimulante para mim, mas para testá-la adequadamente, precisaríamos monitorar as pessoas por anos", acrescenta.

"Outro possível motivo para não termos encontrado alguém ainda é que as pessoas não sabem o que querem. Talvez eu não tenha muita ideia do que acho atraente e do que realmente gosto."

Sucesso no longo prazo

Temos diferentes tipos de preferências, dependendo se estamos procurando algo no longo ou no curto prazo, diz Conroy-Beam. De um modo geral, quando estamos interessados apenas em relacionamentos de curto prazo, priorizamos a atração física. Já para relacionamentos de longo prazo, a gentileza e outros sinais que mostrem que a pessoa é carinhosa ganham prioridade.

Mas, segundo Conroy-Beam, as preferências também sugerem se estamos procurando a pessoa certa, e essas preferências podem ser agrupadas. Portanto, em teoria, você pode "ter um bom palpite" se alguém está interessado em um relacionamento sério e de longo prazo, observando o conjunto de características em que está mais interessado.

Para Lloyd, os dados coletados dos usuários do eHarmony indicam que a abertura é uma característica realmente importante para o sucesso no longo prazo. "Quanto mais genuíno e confiante você for, melhor você tende a se sair", diz.

"Essa abordagem para relacionamentos realmente funciona. Os aplicativos e sites de relacionamento nos trouxeram muitos benefícios. Mas também criaram a sensação de que somos todos superficiais e rasos. O importante a frisar é que leva tempo."

Talvez, então, o desejo romântico não possa ser previsto com precisão antes que você tenha a chance de falar ou conhecer seus parceiros em potencial. Ainda dependemos de ser capazes de captar sinais intangíveis ao conversar um com o outro, mas pelo menos há alguma evidência de que bons palpites podem ser feitos sobre quem pode ser nosso par perfeito.

"O que está definitivamente claro", diz Conroy-Beam, "é que os seres humanos fazem escolhas diabolicamente complicadas".

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site da BBC Future.

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