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Brasileiros passaram mais de 10 horas por dia na frente de telas

Segundo universidades mineiras, crescimento foi de mais de 60%, o que acarretou em danos para a saúde

16 out 2021 - 19h00
(atualizado às 20h39)
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Já não é mais novidade que o sonho do 'home office' se tornou pesadelo em muitas famílias, mas um dado recente pode explicar ainda melhor o impacto da vida digital nos últimos anos. Um estudo elaborado por pesquisadoras de universidades mineiras revelou que a exposição às telas durante a pandemia aumentou de 6,5 horas para 10,5 horas por dia — é um crescimento de mais de 60%. A pesquisa também apontou prejuízos à alimentação e à prática de atividades físicas por causa do tempo extra no mundo digital.

O estudo, publicado na revista Public Health Nutrition, foi realizado em conjunto pelas universidades federais de Minas Gerais (UFMG), de Lavras (UFLA), de Ouro Preto (UFOP) e de Viçosa (UFV) e começou aproximadamente cinco meses após o início da adoção das medidas de distanciamento social no País. Ele foi projetado para verificar quais eram as mudanças nos hábitos da população no período da pandemia e, para isso, distribuiu questionários online de agosto a setembro de 2020 a pessoas com idade igual ou superior a 18 anos.

Embora 90% do grupo tenha sido composto por participantes da região Sudeste, os resultados das mais de 1,3 mil respostas acompanharam uma tendência mundial, segundo os pesquisadores. O contato com as telas, incluindo televisão, computadores, tablets e celulares, foi um dos destaques ao ocupar quase metade do dia dos voluntários ouvidos.

Ao contrário do nível de atividade virtual, a prática de exercícios caiu de 120 para 80 minutos semanais, enquanto o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é entre 150 e 300 minutos. O aumento da frequência no consumo de cigarros e bebidas alcóolicas também foi observado pelo estudo.

Tamires Souza, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciência de Alimentos da UFMG e uma das participantes da pesquisa, indica que diversos desses fatores se relacionam para a definição dos números. "Trabalhadores que mantiveram sua rotina inalterada, pessoas que relataram maior tempo de sono e pessoas que praticavam atividade física estiveram menos propensas ao excesso de uso de telas e dispositivos", explicou.

Andrea Jotta, do Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), lembra também que o uso excessivo de tecnologia representa prejuízo para a saúde das pessoas quando há efeitos no mundo offline. Além do impacto na alimentação e no sono, há pessoas que se privam de sair para ambientes públicos, não se sentem seguras para enfrentar entrevistas de emprego presenciais ou até se sentem inaptas para desenvolver relações face a face.

Alimentação piorou

De acordo com o estudo feito pelas universidades mineiras, o cenário de pandemia e o excesso do digital interferiram negativamente nas ações no "mundo real". O aumento do consumo de alimentos ultra processados, lanches, doces e até do hábito de "beliscar" entre as refeições é um desses sinais. Tamires explica que essa relação entre o uso excessivo de telas e a piora das escolhas alimentares já vem sendo evidenciada em diversas pesquisas, que apontam que os "dispositivos digitais alteram reações de fome e saciedade e ativam vias metabólicas relacionadas ao estresse".

Já é sabido também que as redes sociais produzem um efeito hiperalerta nos usuários, dificultando o sono noturno. Como a pandemia permitiu que algumas pessoas dormissem até um pouco mais tarde, a pesquisa sinaliza ainda uma mudança na rotina dos voluntários, especialmente sentida nos hábitos alimentares. Houve maior adoção de lanches da madrugada e até abandono de algumas refeições, como o café da manhã e o almoço.

Para Andrea, o preparo da refeição e o contato com alimentos saudáveis também são alguns conselhos para a independência dos meios digitais. "O ser humano não mudou. Então mantenha a sua rotina, coma sentado numa mesa, saia de frente da tela, se permita meditar, cozinhe seu próprio alimento, faça exercícios físicos. A dica é usar a internet como forma de conquistar aquilo que você quer, mas pense antes naquilo que você quer", reforça.

Aumento acelerado

Um aumento do tempo de uso das telas já era esperado por especialistas, mas foi acelerado com a pandemia. "Com a chegada do 5G, a gente já sabia que viria uma grande massa de entrada na internet e que isso ia acontecer ao longo dos próximos cinco ou dez anos, atingindo as classes sociais em diferentes momentos, algo gradual. De repente, tudo passou a ser online", explica Andrea.

Embora o crescimento de mais 60% do uso diário seja um dado significativo, a psicóloga destaca que a quantidade de horas passadas em frente à tecnologia não é um parâmetro de saúde, mas a forma como essa experiência é administrada. "O que a gente vê de dano significativo do ponto de vista de saúde mental é para as pessoas que se perdem nesse uso", diz a pesquisadora da PUC-SP.

Para Tamires, o aumento da relação das pessoas com as telas reforça o que outros trabalhos já haviam apontado. Ela lembra também que, mesmo antes da pandemia, o excesso de tecnologia já foi indicado como causa para alterações da postura, maiores níveis de sedentarismo e até maiores índices de mudanças psicossociais.

Andrea ainda aponta que um sinal de vínculo positivo com o digital pode ser medido pela capacidade de se desconectar. "Talvez a saúde mental esteja nesse espaço onde a gente conhece a potência de desligar, sair fora, ficar três dias sem responder o WhatsApp, não curtir nada. A saúde mental está quando nos damos a possibilidade do off".

Conexões futuras

A segunda fase do estudo elaborado pelas universidades mineiras está em andamento e se refere à reaplicação do questionário após dez meses da primeira consulta. A expectativa é que até o final de 2021 os resultados conclusivos sejam apresentados. "Como a piora foi percebida de uma forma global, caso se perpetue, poderá interferir no agravo da situação de saúde com o aparecimento e piora das doenças crônicas, altamente impactadas pelos hábitos e estilo de vida", explicou Tamires.

Mesmo assim, a retomada para o mundo offline vai exigir calma. Andrea diz que o fim das restrições e a retomada da vida presencial devem ser encarados com paciência quando o assunto é tecnologia. "Temos que entender que a ruptura foi traumática e, então, o retorno será gradual. Não adianta a gente achar que vai romper com o que viveu nos últimos dois anos", diz.

Estadão
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