PUBLICIDADE

Queimadas elevam temor do Planalto com Sínodo da Amazônia

Interlocutores de Bolsonaro relatam preocupação com documento de encontro da Igreja depois de crise internacional gerada por desmatamento

27 ago 2019 - 05h26
(atualizado às 10h38)
Compartilhar
Exibir comentários

Brasília - Às vésperas do Sínodo da Amazônia, o Planalto demonstra desconfiança em relação ao encontro que ocorrerá, em Roma, entre 6 e 27 de outubro. Na semana passada, o governo enviou um novo embaixador para o Vaticano, o diplomata Henrique da Silveira Pinto, que já foi instruído a conversar com representantes da Santa Sé sobre as preocupações com possíveis críticas ao Brasil.

Em entrevista ao Estado, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, ressaltou que foram realizadas várias reuniões com representantes da Igreja, mas não esconde que o Palácio do Planalto espera que o Sínodo se limite a questões religiosas.

O incômodo do governo aumentou em razão de um périplo pelo rio Amazonas, iniciado em julho, de um barco-hospital da Diocese de Óbidos, iniciativa financiada por entidades religiosas de São Paulo. Batizada de Papa Francisco, a embarcação tem feito atendimentos da saúde a populações carentes do Baixo Amazonas, no Pará. O governo afirma que faz rotineiramente esse atendimento humanitário às populações ribeirinhas, com pelo menos cinco embarcações, em diversos braços fluviais na região.

Árvore queima em incêndio na Amazônia
Árvore queima em incêndio na Amazônia
Foto: Ueslei Marcelino / Reuters

A presença desse barco, neste momento, é encarada como uma forma de fazer propaganda da Igreja em atendimento a populações desassistidas. Embora reconheça dificuldades e carências da região, o governo pretende reagir caso o périplo do barco sirva para que a Igreja dê a entender que não há assistência do Estado na Amazônia.

Ao levar a assistência aos ribeirinhos, d. Bernardo Bahlmann, presidente do Regional Norte 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), disse que a iniciativa partiu de um chamado do papa Francisco para uma maior atenção sobre a região. A ideia do barco-hospital surgiu diante "da necessidade do nosso povo, o abandono do nosso povo no Oeste do Estado do Pará e, sobretudo, a fragilidade da saúde na nossa região da Amazônia", afirmou o bispo.

Interlocutores do presidente Jair Bolsonaro disseram que aumentou a preocupação com o tom do documento a ser produzido pelo Sínodo, em meio às críticas sobre o aumento das queimadas, a demora em ação no combate ao fogo e o crescimento do desmatamento.

Quando indicado ao cargo, o embaixador Silveira Pinto apontou problemas em documentos preparatórios do Sínodo. Segundo ele, os textos continham "ideias e conceitos" que causaram preocupação. O governo espera que o documento final, por tradição do Vaticano, não cite nominalmente governos e políticas públicas.

Soberania

O incômodo do governo é com a possibilidade de que haja tentativa de interferência em políticas públicas e ameaças à soberania. O ministro Augusto Heleno, mesmo usando um discurso conciliador, demonstra sua preocupação. "A nossa expectativa é de que não haja problema para o governo e nem nenhum desentendimento com a Igreja", declarou. "Nós temos promovido ótimas reuniões com o Sínodo, não só aqui, mas em Roma, e está se encaminhando para se ter uma atividade dentro do que foi previsto, que não vai exceder os limites do que a Igreja se propôs a fazer. É o que nós esperamos."

Da mesma forma, haverá uma atenção especial de como este tema será levado para a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em setembro. O governo imagina que o presidente Bolsonaro deverá ser alvo preferencial de ataques na reunião internacional.

O primeiro sinal do tamanho que essa polêmica envolvendo a Amazônia e o meio ambiente pode alcançar veio com a queda de braço com a França, que levou o tema para o G-7, grupo dos sete países mais ricos do mundo. Isso ampliou as queixas no governo brasileiro sobre a tentativa de interferência em questões internas.

As declarações do papa Francisco sobre o assunto, no domingo, endossaram as desconfianças. "Estamos todos preocupados com os grandes incêndios que ocorrem na Amazônia. Vamos orar para que, com o empenho de todos, possam ser controlados o mais breve possível. Esse pulmão florestal é vital para o nosso planeta", afirmou o papa a fiéis na Praça São Pedro.

Essa não é a primeira vez que o papa manifesta preocupação com o meio ambiente e a floresta amazônica. Há um ano, quando foi agendada a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica, ele já havia comentado que "o objetivo principal desta convocação é identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do povo de Deus, especialmente dos indígenas, frequentemente sem perspectivas de um futuro sereno".

Como noticiou o Estado, os movimentos do governo desde o início do ano, quando ocorreram as primeiras reuniões do Sínodo, tinham o objetivo de neutralizar os ataques que poderiam ser feitos ao País. Como o papa será o condutor da reunião e já se manifestou sobre os incêndios na Amazônia, há temor em relação ao teor do texto final a ser elaborado, mesmo que haja contestações de setores conservadores da Igreja - que estão mobilizados e prometem reação antes do evento.

Tema entra na pauta de encontro prévio de bispos

A onda de incêndios florestais no Brasil e na Bolívia entrou na pauta dos últimos encontros de bispos da Igreja Católica no continente antes do Sínodo da Amazônia, convocado para outubro pelo papa Francisco.

A um mês do evento no Vaticano, os bispos brasileiros e bolivianos vão debater as queimadas durante duas reuniões de análise dos temas prioritários a serem levados à Santa Sé. Os encontros ocorrem nesta semana em Belém (PA) e em Cochabamba, cidade andina na Bolívia.

Conforme um religioso a par da organização, os bispos discutirão formas de deter os incêndios, que consideram ataques à floresta e aos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos.

Os bispos foram convocados para estudar o documento conhecido como "Instrumento de Trabalho", que servirá de base para orientar o futuro Sínodo da Amazônia. Ele foi elaborado após centenas de assembleias entre os religiosos católicos e as comunidades amazônicas, em nove países sul-americanos, desde que o papa convocou a realização do Sínodo, em 2017.

O Conselho Episcopal Latino-americano (Celam) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) expuseram em notas oficiais a preocupação e o tom com que os líderes católicos usam para se referir ao fogo na floresta amazônica.

"É urgente que os governos dos países amazônicos, especialmente Brasil e Bolívia, as Nações Unidas e a Comunidade Internacional adotem medidas sérias para salvar os pulmões do mundo. O que acontece com a Amazônia não é apenas uma questão local, mas de alcance global. Se a Amazônia sofre, o mundo sofre."

Os comunicados assinados pelas cúpulas das entidades usam argumentos que respaldam a repercussão internacional negativa para o Brasil - a de que o crime ambiental tem efeitos mundiais. Os bispos se referem à Amazônia como uma "casa comum", o que incomoda o governo Jair Bolsonaro.

Veja também

'Extremamente triste e perturbador': repórter da BBC sobrevooa queimadas na Amazônia:
Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade