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Europa

Paris: um dos autores de massacre já foi entregador de pizza

"Ele fazia parte de um grupo de jovens um pouco perdidos, confusos, não realmente fanáticos no sentido da palavra”, disse o ex-advogado de Cherif

8 jan 2015 - 17h35
(atualizado às 19h56)
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Cherif (esquerda) e Said Kuachi, os dois suspeitos do ataque terrorista à revista satírica Charlie Hebdo
Foto: AP

Doze anos atrás, um dos dois irmãos suspeitos do ataque contra o jornal semanal Charlie Hebdo era um jovem como muitos outros na França, mais interessado em garotas e em fumar maconha do que em defender o profeta Maomé.

No entanto, entre 2003, quando Cherif Kouachi entregava pizzas e sonhava ser um astro do rap, e a quarta-feira, quando ele e o seu irmão foram apontados como principais suspeitos pela morte de 12 pessoas em Paris, o rapaz de nacionalidade francesa foi de rebelde para o mais procurado pela polícia.

Kouachi, de 32 de anos, está sendo procurado junto com Said, seu irmão mais velho, numa caçada policial depois do que o presidente da França, François Hollande, chamou de um ataque terrorista de um “barbarismo extraordinário” contra jornalistas e dois policiais.

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Como Kouachi, descrito como um jovem frágil pelo seu advogado durante julgamento em 2005 por envolvimento numa célula que enviava jovens voluntários franceses ao Iraque, começou na via do radicalismo é uma história que está se tornando cada vez mais familiar na França e em outros locais do Ocidente.

Indagações já são feitas sobre como um ex-condenado, conhecido pelos serviços de inteligência por suas inclinações radicais, pôde ter sido capaz de realizar o massacre de quarta-feira.

Nascido no leste de Paris, filho de um casal de argelinos que morreram quando os irmãos ainda eram crianças, Kouachi cresceu num orfanato na cidade de Rennes, no oeste. Com um diploma de professor de esportes, Kouachi voltou a Paris e passou a entregar pizzas.

"Ele fazia parte de um grupo de jovens um pouco perdidos, confusos, não realmente fanáticos no sentido da palavra”, disse o seu ex-advogado Vincent Ollivier ao jornal Libération. “Ele não havia realmente pensado muito sobre Islã e não parecia tão determinado.”

Num documentário televisivo de 2005, que inclui cenas feitas num centro comunitário de Paris, Kouachi é visto cantando um rap em inglês, vestindo jeans, camiseta e um boné de beisebol virado para trás.

Apesar do histórico de venda de drogas e pequenos roubos, ele é descrito como alguém mais interessado em garotas bonitas e música do que no Alcorão. Contudo, isso foi antes de ele encontrar Farid Benyettou.

Treinamento amador

Somente um ano mais velho do que Kouachi, Benyettou praticava uma linha estrita salafista e agia na vizinhança como mentor de diversos jovens que haviam começado a frequentar uma mesquita popular no nordeste de Paris, região com muitos imigrantes.

Com Benyettou ao seu lado, Kouachi iniciou aulas de oração. Ele começou a assistir vídeos jihadistas e deixou a barba crescer.

Kouachi disse durante o seu julgamento que Benyettou o ensinara que homens-bombas podiam morrer como mártires. Kouachi afirmou que foi muito afetado pelo abuso contra prisioneiros por militares norte-americanos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque.

A célula de Buttes Chaumont, liderada por Benyettou, batizada por causa de um parque nas redondezas, à qual Kouachi agora pertencia, enviou cerca de uma dezena de jovens, todos com menos de 25 anos, ao Iraque.

Enquanto as convicções deles eram firmes, o treinamento era amador. O grupo correu no parque algumas vezes para condicionamento físico e recebeu aulas secretas, por intermédio de desenhos, sobre como operar rifles Kalashnikov.

Em 25 de janeiro de 2005, Kouachi foi preso quando se preparava para viajar à Síria, a caminho do Iraque, numa ação policial contra a célula que também deteve Benyettou. No jultamento, Kouachi disse que se sentia inseguro.

“À medida que a data se aproximava, mais e mais eu queria voltar no tempo. Mas se eu me amedrontasse, eu corria o risco de ser visto como um covarde”, disse ele na ocasião.

Ele foi condenado a três anos de prisão em 2008, mas cumpriu somente 18 meses em duas das prisões francesas mais duras. A experiência o transformou, lembrou o advogado Ollivier. “Ele não falava mais. Não era o mesmo.”

O seu corpo também mudou devido à ginástica na prisão: “De frágil, ele virou musculoso”, disse Ollivier.

Um agente social entrevistado no documentário televisivo lembrou que, quando esperava preso o julgamento, Kouachi começou a entender que havia sido manipulado por Benyettou.

Agora, era muito tarde.

Depois de cumprir a sentença, Kouachi teve contato com a polícia de novo em 2010. Ele era suspeito de fazer parte do grupo que tentou tirar da prisão Smain Ali Belkacem, autor de um ataque ao sistema de transporte de Paris que matou oito pessoas e feriu 120 em 1995.

No entanto, a polícia tinha poucas evidências concretas contra ele além de vídeos radicais e discursos da al Qaeda encontrados na sua casa e registros que mostravam que ele havia buscado sites jihadistas na Internet.

Kouachi foi feito testemunha na acusação contra outro homem, antes de ser liberado do caso.

A oportunidade perdida deve provavelmente ser lembrada nos próximos dias, já que a França tenta saber quanta informação a polícia tinha sobre o suspeito do pior ataque em décadas no país.

Um documento do tribunal sobre aquele caso foi divulgado pela publicação semanal Le Point.

"Apesar da sua declarada imersão no Islã radical, do seu demonstrado interesse em teorias que defendem a legitimidade da Jihad armada e da sua relação com certos atores no caso, a investigação preliminar não mostrou o envolvimento de Cherif Kouachi”, diz o documento.

"Os procedimentos contra ele serão rejeitados.”

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