Francesa diz que não há melhor modelo de decisão popular
Sexta, 01 de fevereiro de 2002, 11h45
O Orçamento Participativo (OP) de Porto Alegre, que tem angariado fama pelo mundo, não é um modelo e sim uma referência. A opinião é de Marie Pierre de La Gantrie, vice-prefeita de Democracia Local e Relações com as Associações de Paris, que equivale ao posto de secretário no formato das prefeturas brasileiras. Só que, na cidade luz, Marie não é uma escolha do prefeito socialista Bertrand Delanoë. A advogada francesa é eleita pelos parisienses. Por isso, a ressalva de vice-prefeita à fórmula do OP. "Cabe a cada cidade construir sua democracia participativa", justifica a francesa, que veio a Porto Alegre para o Fórum de Autoridades Locais e o Fórum Social Mundial. Terra - Quais as ações do Partido Socialista francês, que governa Paris há 10 meses, para aumentar a participação popular na administração? Marie Pierre de La Gantrie - Paris já é uma cidade especial dividida em 20 bairros que têm uma certa autonomia de administração. Cada bairro tem um prefeito, que é eleito, com menor poder que o prefeito central, Bertrand Delanoë. O que já fizemos foi aumentar o poder desses prefeitos para eles terem mais espaço paa decisão. Terra - O que mais os prefeitos de bairro podem fazer? Marie - Podem administrar prédios públicos nas suas regiões, uma inovação de nosso governo. Eles também têm orçamento próprio, que é o mais importante. Terra - O orçamento é decidido pelo prefeito ou há paticipação popular? Marie - Criamos um processo de participação dos habitantes po meio de conselhos de bairros. Hoje, 14 bairros têm essas estruturas, os seis restantes não adotaram porque estão nas mãos da direita. Os moradores ficam sabendo como o uso dos recursos é votado no Conselho de Paris e podem indicar como gastá-los. Terra - Que parcela do orçamento tem o gasto decidido pelos habitantes? Marie - Depende da vontade política de cada bairro. Criamos um fundo com um milhão de euros, cerca de R$ 2,14 milhões, cuja aplicação será indicada pelos moradores. A soma é simbólica porque esse processo é longo e só está começando. Terra - A idéia que o conselho de bairros decida como será gasto o orçamento? Marie - A proposta é que os conselhos de bairros sejam associados da prefeitura. Mas os prefeitos eleitos dos bairros é que têm a responsabilidade de dizer como será gasto o dinheiro. Terra - O Orçamento Participativo (OP) de Porto Alegre ganhou fama pelo mundo. O modelo gaúcho tem o trunfo de o cidadão decidir como será aplicado o dinheiro público. Essa é a conquista máxima da participação popular na administração de uma cidade? Marie - O OP de Porto Alegre é referência não um modelo. Cabe a cada cidade construir sua democracia participativa. Paris tem dispositivos legais diferentes. A responsabilidade é a de implantar uma democracia participativa que não entre em contradição com a democracia representativa. Em Paris, os secretários, chamados de vice-prefeitos, são eleitos. É um modelo mais avançado. Terra - No Brasil, os dilemas dos prefeitos da maior parte das cidades é como combater a miséria e a insegurança com dinheiro curto. Em Paris, há dificuldades de recursos e tensões sociais como as nossas? Marie - O orçamento é proposta pelos prefeitos de bairros e depois vai ao Conselho de Paris, que deve aprová-lo. Lá, temos como princípio que todas as crianças têm de ir à escola, os cidadãos têm de ter transporte e assistência médica. Isso não se discute. Se cumpre. Terra - Que problemas têm, então, uma cidade como Paris? Marie - Nenhum. Vivemos uma felicidade, sobretudo depois que fomos eleitos (risos). Há problemas de exclusão sim, de segurança, poluição e transporte. Nada muito grave. Terra - O Partido Socialista criou conselhos de estrangeiros. Este mecanismo está reduzindo a tensão nessa área? Marie - Todos os europeus têm direito a votar em eleições, desde a implantação da União Européia (UE), mas 10% de estrangeiros, que são dos países integrantes, não. Os conselhos foram criados para este grupo ter voz. Eles têm os mesmos deveres como qualquer cidadão, pagam impostos e têm os benefícios sociais. A idéia é abrir mais espaço para os estrangeiros poderem decidir.
Patrícia Comunello/Redação Terra
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