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Politicamente correto, a derradeira utopia

18 out 2018 - 15h51
(atualizado às 15h54)
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Thomas More
Thomas More
Foto: Reprodução

Consta na tradição Ocidental das utopias que a primeira delas teria sido a de Platão (A República, séc. IV a.C.) e que além de propor uma sociedade justa, desenvolveu uma severa reprimenda à democracia grega. O filósofo opôs ao governo do povo ao regime político em que dispensava eleições e o governante supremo seria um filo-basileu (um rei-filóso). Desde então foram inúmeros os pensadores das mais variadas procedências e ideologias que, cada um seu modo, apresentaram soluções para superar o desconforto crônico que grande parte da humanidade manifesta em relação à sociedade em que vive.

Durante o largo período dominado pelo cristianismo o lugar do soberbo utopista ocidental coube a Santo Agostinho, o bispo de Hipona. Que os humanos se conformassem, assegurou, a Cidade dos Homens seria sempre infeliz, cercada por “imundíssimas potências”, “um vale de lágrimas” enfim.

Era na Cidade de Deus, a Jerusalém Celeste, morada de Deus e do Cordeiro, que todos, livres das impurezas do paganismo, deveriam ambicionar alcançar, sítio de paz e harmonia regrada pelos cuidados de Cristo, onde sempre imperava a luz.

A utopia de More

Todavia, o texto que mais inspirou os reformadores sociais e os revolucionários na Era Moderna Ocidental foi a do humanista inglês sir Thomas More (Morus). Narrou no seu famosíssimo ensaio “Utopia” (1516), a viagem que um marinheiro português havia feito pelos Oceanos desconhecidos. Foi por aquelas águas até então jamais desbravadas pelos europeus que Rafael Hitlodeu encontrou uma ilha que se orgulhava em ser uma sociedade perfeita. A “Utopia” (lugar algum em grego), desconhecendo a propriedade privada e a posse do ouro, era uma ordem federativa que respeitava suas instituições e não dava espaço algum às confusões e conflitos civis. Seus habitantes usufruíam de uma liberdade nunca vista por um europeu.

Inspirador de reformas e revoluções

O pequeno relato de More, umas cem páginas, foi um libreto dos mais lidos através dos tempos, e até nossos dias inspirou constituições, projetos de igualdade social e tudo mais no que diz respeito às melhorias.

Jean-Jacques Rousseau, Diderot, Mabily, Thomas Paine, Mary Wollstonecraft, Thomas Jefferson, Saint-Simon, Robert  Owen, Fourier, Proudhomm, Bakunin, Marx, etc., fazem parte deste estado-maior informal da Grande Transformação estruturada entre os séculos XVIII e XIX, estimulada pela Revolução Industrial e pelas Revoluções liberais, americana de 1776 e francesa de 1789. Seu objetivo último de fazer da Terra uma morada da igualdade e da felicidade.

A retomada da palavra “utopia”, que se escondera nas sombras dos tempos por um lago período, deveu-se a F. Engels, companheiro de Marx que desejou manter as correntes socialistas rivais longe do “socialismo científico” identificado com Marx.

Socialismo utópico

Para Engels, os demais eram pura “utopia”, fantasia de reformadores bem intencionados, mas inoperantes, identificados com o evolucionismo e não com a proposta de uma revolução social radical. (Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, 1878-1880).

Aberto com a Revolução russa de 1917, liderada por Lenin. O impressionante arco dos projetos comunistas, que no pós-IIGM estendeu-se à República Popular da China, em 1949, englobando mais de um bilhão de indivíduos, resultou da intenção de uma macro-engenharia social inspirada na certeza do marxismo não ser nenhum capricho ou delírio de vanguardas revolucionárias ou de boêmios ocidentalistas, mas algo factível de ser implantado nas sociedades capitalistas da época devido ao impressionante avanço tecno-produtivo.

Desta feita a expressão utopia retornou ao vocabulário político, utilizada particularmente pelos liberais e anticomunistas para desqualificar e repudiar qualquer das tentativas de implementação da nova sociedade feitas no Império Soviético (1917-1991) ou no Império Maoísta (desde 1949-1976).

Deng Xiaoping
Deng Xiaoping
Foto: Reprodução

O colapso do comunismo quer pelos efeitos da Perestroika comandada por Gorbatchov (1986-1991) ou pela adoção de diversas Zonas Econômicas Especiais no território chinês, defendida ardorosamente por Deng Xiaoping. Fizeram por validar ainda mais o descrédito em que as sociedades comunistas mergulharam na década de 1990.

Ocupação do vácuo

Tal como a natureza não suporta o vácuo, o mundo das idéias também não. O colossal deserto que o desaparecimento do socialismo sino-soviético e seus simpatizantes causou no universo não demorou a provocar o surgimento do Ambientalismo e do Politicamente Correto como herdeiros das utopias . Um, embarcou na luta contra o desenvolvimento capitalista “devastador da natureza”, pondo em perigo a sobrevivência não de um sistema produtivo, mas o do planeta por inteiro. (*)

O outro, o Politicamente Correto, que emergiu com enorme rapidez nos campi universitários dos Estados Unidos na década de 1980, se nos apresenta como a nova redenção da humanidade por meio de um método bastante simples. Trata-se do recurso da substituição de uma palavra, considerada infamante, injuriosa ou preconceituosa por outra ‘aceitável’ não possuidora de simbolismo ou carga alguma negativa. De certo modo, se parece com o Movimento Fabiano dos socialistas ingleses do século XIX defensores da transformação social pela persuasão das elites e não pela violência revolucionária do proletariado.

O objetivo dessa troca de palavras é contribuir para a recuperação da auto-estima de uma pessoa comum, grupo perseguido, classe social estigmatizada, espécie ou gênero, pelo uso da expressão adequada determinada pelo Politicamente Correto. Assim, por exemplo, “pobre” vê-se dar lugar ao ‘excluído’, “negro” por ‘afro-descendente’, marginal ou delinqüente, por ‘infrator’, mendigo por ‘morador de rua’, fraco por ‘vulnerável’, o louco pelo ‘deficiente mental’’, o aleijado pelo ‘cadeirante’, o mongolóide pela ‘síndrome de Down’, etc.

Atrás da hegemonia universal

Esperam que o Politicamente Correto assuma a hegemonia universal por intermédio de uma nova linguagem, e também como um outro tipo de censura trazendo uma considerável bagagem de expressões agressivas. Estas têm sido largamente usadas pelos seus cronistas e missionários abertamente hostis aos que consideram seus ‘inimigos’ (machista, homofóbico, misógino, assediador, abusador), e assim se prolonga como se fora um dicionário das letras malignas organizado pelos gramáticos do politicamente correto na sua luta contra ‘os valores tradicionais’.

Estes, os catequistas do politicamente correto, posicionam-se como vigias e guardiões fiscalizando e policiando abertamente por todos meios os que ocupam posições de realce na mídia em grande parte do mundo ou até aos que recorrem individualmente às ditas ‘mídias sociais’.

O método tem sido eficaz  na conversão à mais recente das utopias. Um mundo fraterno, ausente de preconceitos, igualitário não somente nas condições sócio-culturais, mas especialmente nas raciais e de gênero.  As  implicações do Politicamente Correto, com base no ocidente,  se expandem por sociedades, países e continentes inteiros como uma ordem unida ressoando por toda parte a hora da  Vingança do Ressentimento contra humilhações sofridas no passado e as do presente.

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Fonte: Especial para Terra
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