Entidades auxiliam na inclusão de pretos e pardos de baixa renda no ensino superior
Bolsas de estudo e cursinhos voltados exclusivamente a esse público facilitam o ingresso na faculdade e impedem evasão
A falta de recursos financeiros e o fato de residir em bairros distantes acabam afastando muitas pessoas pretas e pardas da busca pela graduação no ensino superior. Esse público, porém, também pode ter nos vestibulares de meio de ano uma ótima oportunidade. Além de vagas de cotas raciais em cursos presenciais e a distância, em instituições públicas e particulares, pretos e pardos contam hoje com muitas iniciativas que oferecem bolsas de estudo, cursinhos preparatórios, simulados e até uma universidade voltada exclusivamente a eles: a Universidade Zumbi dos Palmares (UZP).
Fundada em 2003 em São Paulo, a UZP tem vestibular de inverno para os cursos de Direito, Administração, Publicidade e Propaganda e Segurança da Informação, com 200 vagas em cada, todos no período noturno. Hoje, 1.500 alunos estudam na instituição, que já formou cerca de 3.700 pessoas. Gratuita, a inscrição pode ser feita no site, onde também é possível consultar informações sobre bolsas de estudo.
"Criamos a Zumbi dos Palmares em contraposição e inconformismo ao fato de que na Universidade de São Paulo (USP) havia apenas 2% de negros em 2001. Passados mais de 20 anos, a USP tem hoje 39% de negros. Isso dá dimensão de como essa agenda se expandiu, se ampliou e se consolidou", diz o professor José Vicente, reitor e fundador da UZP. "Do ponto de vista do copo meio vazio, nós somos a única universidade negra no País. Do ponto de vista do copo meio cheio, a partir da Zumbi e com o debate de cotas que ela inaugurou, conduziu e depois se ampliou por todo o País, hoje todas as universidades públicas estaduais têm cotas para negros. Como todas elas têm em média 3 mil alunos, hoje podemos dizer que existem no Brasil 300 Universidades Zumbis dos Palmares. Sob essa perspectiva, nosso avanço é fabuloso", conclui.
O reitor conta que há planos de em breve lançar novos cursos, entre eles Economia, Jornalismo e Enfermagem. Ele ressalta ainda o lançamento, no último dia 13, da Universidade da Melhor Idade, voltada à população acima de 60 anos. Com um primeiro curso que ensina tecnologia básica para uso de redes sociais e aplicativos, a iniciativa visa ainda a promover palestras educativas e motivacionais sobre saúde das pessoas pretas, lazer, cultura e história. O objetivo, diz o reitor, é que o idoso possa usufruir do espaço da UZP e adquirir novos conhecimentos aplicáveis no dia a dia.
Também nesta semana, a UZP lançou o colégio técnico Dandara dos Palmares, "para incluir no ensino técnico de qualidade os jovens que não chegaram à universidade ainda". "Isso pode dar a ele uma profissão, renda quase que imediata e a base para que possa ingressar no ensino superior e se manter no ensino superior, sem dele se evadir", diz o reitor. Para se inscrever, é necessário preencher um formulário que também pode ser encontrado no site da UZP. A iniciativa também procura contribuir com a equidade de gênero no mercado de trabalho - metade das vagas dos cursos será destinada às mulheres.
Sem desculpas
Para Vicente, a falta de dinheiro e tempo hoje não são desculpas para não buscar uma graduação. Ele diz que há todo um conjunto de instituições que oferecem bolsas de estudos, além do Programa Universidade Para Todos (ProUni), do Ministério da Educação, que oferece bolsas integrais e parciais (50%) em cursos de universidades particulares. "Fora isso, há cotas em todas as universidades públicas e quase todas as privadas. No limite, aquele que tem ainda dificuldade e falta de recurso para ir e vir, pode fazer o curso a distância, de casa. Não tem motivos para não fazer e não tem obstáculo que não possa ser vencido."
Outra opção voltada ao público preto e pardo são as bolsas para o ensino superior oferecidas pela ONG Educafro, que auxilia negros de baixa renda a obter a graduação. Mantida pela entidade sem fins lucrativos Francisco de Assis, Educação, Cidadania e Direitos Humanos (FAecidh), a organização fechou no ano passado parceria com universidades privadas e com a Prefeitura de São Paulo para ofertar bolsas e vagas de estágio nos órgãos públicos municipais. Segundo o diretor-presidente da FAecidh, Frei David Raimundo dos Santos, hoje a Educafro oferece mais de 8 mil bolsas de estudos que variam de 100% a 50%, em várias regiões do Brasil, além de cursos pré-vestibular. Informações sobre inscrições podem ser acessadas no link.
Luta pela igualdade
Filho de uma família de boias-frias da periferia de Marília, no interior de São Paulo, o reitor da UZP, José Vicente, já foi policial militar e cursou a faculdade de Direito antes de iniciar sua luta pela igualdade racial na educação. Ele afirma que o ingresso no ensino superior foi "decisivo" em sua vida. "Seja para descortinar o mundo à minha volta, seja para conhecer como esse mundo funciona ou para saber como fugir dos perigos desse mundo para um homem negro. Sobretudo, me deu elementos para achar brechas de onde atuar e agir para mudar as estatísticas e a situação dessa agenda na nossa cidade e no nosso País."
Momento de transição
Vicente ressalta que, hoje, cursar o ensino superior é ainda mais importante do que na época em que obteve a graduação. "Se, antes, era quase que uma obrigatoriedade a gente dedicar um tempo de nossa vida ao estudo, hoje virou um imperativo. Estamos num momento de transição do mundo analógico para o digital, tecnológico, e para que todos nós possamos sobreviver a esse 'novo normal', a educação é a única possibilidade que resta."
Para quem tem interesse, mas ainda resiste em buscar o diploma, o reitor da UZP dá um conselho: "Que compreenda que só o conhecimento pode libertá-lo definitivamente para ser uma pessoa livre de pensamento, ideias, ação, oportunidades e possibilidades. Isso só é possível com o conhecimento, com o diploma debaixo do braço."