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Atestados médicos traçam raio-X da saúde mental e guiam ações nas empresas

Incidência de afastamentos por transtornos mentais cresceu 30% de 2020 a 2022 em plataforma de saúde; gasto para empresas deve chegar a R$ 5 bilhões até fim do ano

4 jun 2022 - 05h10
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Uma pesquisa realizada pela startup Closecare, focada em gestão de atestados médicos e saúde corporativa, mostra o cenário em torno do afastamento de profissionais do trabalho devido a problemas de saúde mental. A incidência desses atestados cresceu 30% desde 2020, sobretudo em empresas de atividades administrativas. O levantamento analisou cerca de 480 mil atestados cadastrados na plataforma entre janeiro de 2020 e abril de 2022, reunidos de 16 companhias que usam o serviço.

Os documentos entram no sistema pela importação de outras bases ou são cadastrados pelo responsável da empresa ou pelo próprio funcionário. As organizações são de setores e portes variados e foram considerados os atestados com a categoria F da CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), referentes a transtornos mentais e comportamentais. Foram avaliados quadros específicos: episódios depressivos, ansiedade e estresse.

No primeiro ano da pandemia de covid-19, esse tipo de atestado representava 3% do total, passando para 3,5% no ano seguinte e 3,9% já nos primeiros meses deste ano. A análise observa que "apesar da baixa incidência, os atestados deste grupo oferecem um alto risco para as empresas e evidenciam a gravidade do problema para os funcionários". De fato, as doenças psicoemocionais são a terceira maior causa de afastamento do trabalho no Brasil — que atingiu recorde de concessão de auxílio-doença em 2020 — e será a principal até 2030.

Embora a quantidade de justificativas seja menor do que de outras condições, o tempo médio de afastamento por saúde mental costuma ser de seis dias - período 128% superior à indicação padrão para outras doenças. No caso dos atestados de ansiedade, o distanciamento do trabalho passou de 3,3 dias em 2020 para 4,7 dias em 2022, um aumento de 42%.

André Camargo, CEO da Closecare, analisa que o tipo de atestado varia conforme a atividade laboral. "No geral, empresas com atividades intensivas, como serviço, varejo e call center, têm número de atestado superior do que empresa administrativa ou de tecnologia. Mas o de saúde mental aparece mais para empresas com atividades físicas menos intensas, como escritório de advocacia, tecnologia, multinacionais e empresas onde o salário médio é mais alto", diz.

Impacto orçamentário

A Closecare calcula que cada atestado custa, em média, R$ 1.293 para as empresas e que o gasto delas com afastamento de colaboradores por questões de saúde mental deve chegar a R$ 5 bilhões até o fim de 2022. "O atestado é um documento que justifica a falta do funcionário e, se ele estiver dentro de determinadas regras, a empresa tem de abonar essa falta. Se ele ficou seis dias fora, a empresa paga pelo valor", explica Camargo.

Ele conta que o cálculo considerou a renda mensal média do brasileiro de R$ 2.449, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de outubro de 2021, e o acréscimo de encargos. Foi possível estimar a taxa média de absenteísmo e o custo ao longo do ano. Uma limitação da pesquisa é que 30% dos atestados não apresentam o código de classificação da doença por omissão do colaborador, reflexo da crença de que ele seria prejudicado no trabalho pela condição com que vive.

Os dados mostram o que é visto em relatório do governo sobre a concessão de benefícios trabalhistas por transtornos mentais e comportamentais entre 2012 e 2016. No período, os trabalhadores ficaram, em média, 196 dias afastados, gerando um impacto de quase R$ 8 bilhões com auxílios-doença e aposentadorias, além de um custo médio de quase R$ 12 mil por benefício.

Importante notar que as condições mentais e comportamentais da CID englobam doenças não necessariamente ligadas ao psicoemocional, como Alzheimer e esquizofrenia. Ainda assim, depressão, ansiedade e estresse estão entre as principais causas de afastamento, segundo o documento, e também aparecem mais nos setores administrativos, de saúde, varejo, transporte e teleatendimento.

Afastamentos afetam equipes

"A saúde mental ainda é muito estigmatizada. É o momento das empresas darem um passo atrás e ver qual é a maturidade para lidar com o assunto", aponta Ubaldo Fonseca Júnior, diretor médico de Saúde, Qualidade de Vida e Analytics da Aon Brasil e membro do comitê técnico da Aliança para a Saúde Populacional (ASAP). Ele diz que os afastamentos vão além da questão orçamentária e impactam as equipes. "Se não tem diretrizes para implantar, os que ficaram vão naturalmente assumir outras atividades e deixar de lado a vida pessoal."

Quando isso ocorre, as estratégias para não sobrecarregar os profissionais são diversas e cada organização se adapta conforme a própria realidade. "Tem de olhar os colaboradores e entender onde tem maior ou menor intensidade de afastamento e readequar a força de trabalho", sugere Eduardo Marques, conselheiro da ASAP e diretor executivo de Pessoas, Suporte e Operações do Grupo Fleury.

"Outro mecanismo é repor vagas e isso pode ser feito até com profissionais temporários. Tem de cuidar do ambiente de quem fica, porque não adianta causar outro problema para quem está tentando compensar o trabalho", completa. Ele ressalta que essas estratégias só serão efetivas se a liderança estiver capacitada para perceber o ambiente e fazer intervenções. Júnior concorda. "A mudança de perfil da alta liderança é muito importante para conseguir, nos próximos anos, não zerar, mas mitigar os impactos à saúde física e emocional."

Mais um destaque é poder acolher o funcionário quando este retornar ao trabalho, indica Marques. "É o foco na reabilitação, que as empresas têm olhado com mais atenção." Ele destaca que as soluções não são simples nem únicas, pois assim como os transtornos mentais têm causas multifatoriais, as ações de prevenção, tratamento e reinserção também o são: partem do indivíduo, da sociedade, das famílias, do governo e das empresas.

Dados guiam decisões

Se o lado subjetivo da saúde mental não convence, os números indicam a realidade e o caminho a ser trilhado. "Fala-se muito em começar com diagnóstico claro para endereçar ações que sejam efetivas. Tem muito 'produto de prateleira', empresas vendendo soluções, mas não adianta comprar solução se não se sabe qual é o problema. A primeira parte é investir em bom diagnóstico, demografia, saber as condições de saúde da sua população para investir de maneira mais inteligente", afirma Marques.

Por isso, apostar em ferramentas que mensuram ausências e nível de saúde mental, por exemplo, contribui para guiar decisões corporativas em prol do bem-estar da empresa e dos funcionários. "A companhia pode entender que a ansiedade é falta de exercício físico, má saúde financeira."

O médico da Aon Brasil completa que é preciso criar uma cultura empresarial em que se consegue estratificar os riscos das pessoas, entender as principais demandas e ter espaço aberto para escuta. "O mais importante é como a organização se posiciona no pilar de saúde mental, com dados, soluções, suporte", diz. Ele aponta que o cuidado virtual, com telepsicologia, também ajuda as empresas. No campo preventivo, tem visto companhias abrindo espaço de discussão e coaching executivo, além de plataforma de educação, para sensibilizar sobre o tema.

Na Closecare, André Camargo observa que o fluxo de atestados é utilizado pelas empresas para convidar os colaboradores a participar de programas ou ações de saúde mental com psicólogos e psiquiatras, por exemplo. Há também grupo de acompanhamento como estratégia de ação dos RHs. "São dois fatores que incentivam a empresa a amadurecer: o gasto cada vez maior com plano de saúde e o aumento dos números de afastamento, que empresa tem de ter time maior para suprir essa falta", aponta.

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Estadão
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