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Coronavírus

Hospital de campanha de Manaus fecha após dois meses

Prefeitura da capital do Amazonas alega queda nos números de infectados e mortes

15 jun 2020 - 22h06
(atualizado em 16/6/2020 às 08h10)
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Após dois dias internado numa cadeira de plástico e ver cadáveres ao seu lado numa das salas do hospital estadual João Lúcio, na zona leste de Manaus, o técnico em mecânica Erodilson Dias de Oliveira, de 54 anos, avalia como "milagre de Deus" ter conseguido um leito convencional para internação em pleno pico da pandemia em Manaus. Ele foi transferido para o Hospital de Campanha Municipal Gilberto Novaes e é um dos 570 pacientes que a Prefeitura de Manaus informa ter curado na unidade hospitalar, que fechou as portas nesta segunda-feira,15, após quase dois meses de funcionamento.

Hospital de campanha para tratamento de vítimas da Covid-19 em Manaus
14/04/2020
REUTERS/Bruno Kelly
Hospital de campanha para tratamento de vítimas da Covid-19 em Manaus 14/04/2020 REUTERS/Bruno Kelly
Foto: Reuters

Quando soube do fechamento do hospital de campanha, nesta segunda-feira, Erodilson lamentou. "Puxa, que pena. Queria que um irmão da igreja fosse atendido lá. Ele está com sintomas da covid-19", disse, em tom de preocupação.

Acusada de ser uma das responsáveis pelo colapso do sistema de alta complexidade, de responsabilidade do Estado, por ter cobertura inferior a 50% da atenção básica, atribuição do Município, a Prefeitura de Manaus montou em quatro dias um hospital de campanha em uma escola municipal na zona norte da cidade.

O técnico em mecânica sentiu os primeiros sintomas da doença e foi avaliado num SPA próximo à sua casa, na zona norte da Capital, com quadro gripal. Voltou para casa com uma receita indicando remédio para febre. Depois de sentir sensação de afogamento durante um banho, no dia seguinte, resolveu buscar atendimento no Hospital João Lúcio, na zona leste. Lá, diz ter vivido os piores dias de sua vida. Sem nunca ter passado por uma internação hospitalar, ele foi internado numa cadeira de plástico e assistiu a pacientes de leitos vizinhos morrerem sem transferência e sem remoção dos cadáveres. "Eu sabia que, se ficasse a terceira noite lá, eu ia morrer. Liguei para a minha família e disse isso".

No outro dia, Erodilson conta que foi transferido para o hospital de campanha e passou a tratar a doença num leito com o método de uma cápsula de plástico ao redor do paciente, sem intubação com sedação. "Meu pulmão estava bem comprometido, saturação em 74". Foram 10 dias de internação. "Esses dias todos dentro daquela cápsula, minha conversa maior era com Deus. Acho que recebi uma nova chance, um recomeço. Sou grato a Deus e aos funcionários do hospital", afirmou. O hospital de campanha de Manaus usou um método chamado Cápsula Vanessa, do hospital particular Samel, que realizou tratamento intensivo evitando a intubação em UTI.

Anúncio do fechamento

O anúncio da Prefeitura de fechar o hospital de campanha ocorre 19 dias depois do prefeito de Manaus, Artur Neto (PSDB), ponderar sobre a forma e o momento de retomada do comércio pelo Governo do Amazonas. Professores do Inpa, das Universidades Estadual (UEA) e Federal do Amazonas (Ufam) criticaram a reabertura e acusaram falta de controle sobre os dados e números da pandemia no Estado.

Duas semanas depois do teste da reabertura do comércio, as informações divulgadas pelo Governo do Amazonas sobre número de infectados, óbitos e taxa de ocupação de leitos por covid-19 mostram que os índices caíram.

Nesta segunda-feira, 15, o número de novos infectados foi 271; o de novos óbitos, 20, sendo que seis foram nas últimas 24 horas. Os dados dos cemitérios de Manaus, controlados pela Prefeitura, e que sempre desmentiram os dados oficiais da covid-19, indicam que ocorreram 24 enterros nas últimas 24 horas. Antes da pandemia, a média era de 30 enterros diários. Durante a pandemia, o pico chegou a 167 sepultamentos, no dia 26 de abril.

De acordo com a Prefeitura de Manaus, em dois meses, o hospital de campanha registrou 80% de recuperação entre os pacientes com a doença atendidos nos 180 leitos do local, sendo 39 UTIs. Segundo a gestão municipal, cerca de R$ 3 milhões foram doados pela iniciativa privada, que entrou em parceria para montar a unidade. O montante que saiu dos cofres municipais não foi informado. A prefeitura disse que está fazendo levantamento e informará ao fim do trabalho.

O Estado foi obrigado a dar transparência aos dados da covid-19 por decisão da Justiça Federal e, a partir daí, vários questionamentos de ordem administrativa e de suspeitas de desvios do dinheiro público ocorreram. Procurada pela reportagem para falar sobre como o Governo do Amazonas acompanhou a decisão da Prefeitura de Manaus em fechar o hospital de campanha Gilberto Novaes e qual será o impacto do fechamento na oferta de leitos em Manaus, a Secretaria de Estado de Comunicação disse que não iria comentar a decisão da Prefeitura.

Leitos

O Governo informou que a taxa de ocupação de leitos clínicos e de UTIs para pacientes com covid-19 no Amazonas até domingo, 14, era respectivamente de 28% e 53%. As taxas incluem os leitos da rede municipal que serão fechados.

Ainda segundo o Governo do Amazonas, o hospital de referência Delphina Aziz dispõe do total de 350 leitos - com ocupação de 75% em UTIs e 60% em leitos clínicos. Já o hospital estadual de Campanha Nilton Lins dispõe de 142 leitos. Atualmente 60% dos leitos de UTI desta unidade estão ocupados e a taxa de ocupação para leitos clínicos é de 23%.

Ao contrário de outros estados que tiveram cenas menos dramáticas que os pacientes e familiares de mortos no Amazonas, o Estado nunca chegou a registrar 100% de ocupação de leitos. O cadastro dos dados computados em sistema do Ministério da Saúde e no portal transparência do Estado do Amazonas é de responsabilidade do governo estadual.

Estadão
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