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Seis medidas para conter o avanço do aquecimento global, das mais simples às mais inovadoras

IPCC reforçou alerta sobre as condições climáticas em relatório divulgados nesta semana. 'Estadão' ouviu especialistas e listou ações a serem tomadas para retirada de carbono da atmosfera

11 ago 2021 - 05h10
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O alerta dado pelo novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) é claro: é preciso imediatamente reduzir as emissões de gases do efeito estufa a ponto de zerarmos o balanço entre o que é lançado e o que é retirado da atmosfera em meados deste século. Este é o único caminho para contermos o aquecimento global, suas consequências extremas e tentar reverter o avanço da temperatura até 2100.

Zerar as emissões líquidas (a diferença entre o carbono emitido e o retirado da atmosfera) exige de governos nacionais, subnacionais, setor privado e da população esforços até aqui pouco aparentes. Ferramentas para isso, no entanto, existem e, se entendermos o recado da ciência, tendem a se tornar mais e mais presentes no cotidiano.

O Estadão ouviu especialistas em mudanças climáticas e preservação do ambiente e lista aqui seis delas, das mais simples e efetivas às mais inovadoras formas de sequestro de carbono da atmosfera.

Manter florestas naturais em pé

De todas as formas possíveis de sequestro de carbono, esta é a mais efetiva. As árvores retiram dióxido de carbono (CO2) do ar ao fazerem fotossíntese. Logo, mantê-las vivas é o meio mais lógico para diminuir a concentração no ar do principal gás gerador do efeito estufa.

Diferentes estimativas comprovam esse fato. Estudo realizado pela USP em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, estimou que cada árvore da Mata Atlântica absorve 163,14 kg de gás carbônico (CO2) equivalente ao longo de seus primeiros 20 anos. Estudos conduzidos entre a década de 1990 e o início deste século apontam que a Amazônia era, então, responsável pela absorção de 1 a 9 toneladas de carbono por hectare por ano.

"Manter a floresta em pé e procurar recuperar as áreas degradadas com espécies nativas é a forma natural de retirar o carbono da atmosfera", diz o professor de uso, manejo e preservação do solo da Unesp Iraê Guerrini.

Apesar de ser o mais lógico, esse ainda não parece ser o meio mais simples. O desmatamento acumulado entre agosto de 2020 e julho deste ano na Amazônia, por exemplo, foi o segundo maior do governo Jair Bolsonaro e o terceiro maior da série histórica, iniciada em 2015, segundo dados do Deter, sistema de alerta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao Ministério da Ciência.

No caso do Cerrado, onde vivem 5% dos animais e plantas do planeta, os dados de alertas Deter indicam 661 km² de desmatamento em julho, totalizando 5.102 km² entre agosto de 2020 o último mês - um crescimento de quase 24% em relação ao ano anterior (2019-2020).

Para se ter ideia do tamanho do problema que fatos como estes, comprovados por dados oficiais, representam: de sumidouro de CO2, algumas partes da Amazônia brasileira já se transformaram em geradores do principal gás causador do efeito estufa. A conclusão é de pesquisa do Instituto Nacional de Investigação Espacial (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, publicada em julho na revista científica Nature.

O estudo também descobriu que as emissões de carbono são maiores na parte oriental da Amazônia do que na ocidental, sobretudo por causa de incêndios.

Plantio direto

Esse sistema faz o plantio sem que o solo seja revolvido antes por implementos agrícolas como o arado e grade niveladora. Outras características são a semeadura feita sobre os restos de culturas anteriores no solo, a chamada palhada, e a rotação de culturas.

"Isso evita que o solo fique descoberto em algumas partes do ano, emitindo CO2", diz Guerrini.

No início, essa técnica de plantio era usada para combater a erosão do solo, por protegê-lo da ação da chuva. Aos poucos, no entanto, foram notados os benefícios também em relação à emissão de CO2. A técnica se mostrou eficiente por promover o acúmulo de matéria orgânica no solo ao longo do tempo.

"Plantas de cobertura, gramíneas e leguminosas acabam por fixar essa matéria orgânica", explica o professor da Unesp.

O processo que antes se mostrava efetivo para culturas de maior porte como grãos e cana-de-açúcar, também se comprovou viável ecologicamente para hortaliças. Pesquisa da Embrapa calculou a quantidade de carbono acumulada no solo em três diferentes métodos de plantio. De acordo com os resultados, o sistema de plantio direto de hortaliças acumulou 62 toneladas de carbono por hectare, contra 60 t/ha do sistema de preparo reduzido e 57 t/ha do sistema de preparo convencional com adubação verde.

Outra vantagem desse sistema é que dispensa em até 90% o uso de máquinas agrícolas, evitando a queima de combustível e a consequente emissão de CO2.

Cultivo mínimo florestal

"Esse sistema virou uma referência no Brasil que hoje é copiado no exterior", diz Guerrini.

Assim como o plantio direto, o cultivo mínimo em áreas florestais empregado em plantações de eucalipto e pinus, por exemplo, mantém a matéria orgânica entre as árvores. Antigamente, colocava-se fogo nesse material para limpar o terreno.

Além de fixar nutrientes e o carbono no solo, essa técnica mescla o plantio de espécies com a manutenção de florestas nativas e a biodiversidade. "É o que existe de melhor na área florestal hoje", explica o professor da Unesp.

Mercado de crédito de carbono

Desde a década de 1990, o mercado de crédito de carbono começou a se expandir no mundo, impulsionado pelo Protocolo de Kyoto, em 1997. Trata-se da emissão de créditos pela não emissão de carbono para a atmosfera que podem ser comercializados.

A premissa básica é que os países que reduzem suas emissões podem negociar com aqueles que têm mais dificuldade para cumprir suas próprias metas.

Como cortar emissões nos países ricos, na década de 1990, envolvia altos custos - desativar termelétricas a carvão e trocar por eólica ou solar, por exemplo - foi criado o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo para que os países ricos pudessem comprar créditos de redução de emissões de carbono de países em desenvolvimento. No Brasil, esse mercado é regulamentado desde 2006.

Além de ser inicialmente visto como uma licença para continuar poluindo, com o passar do tempo, a confiabilidade desse mercado passou a ser questionado. Por aqui, até a construção da Usina de Jirau foi inscrita no MDL. Não demorou para que os países ricos parassem de comprar esses créditos. Muitos deles não foram pagos e os países em desenvolvimento passaram a reclamar essas dívidas.

O Acordo de Paris - pacto de 2015 para conter as mudanças climáticas - estipula a necessidade de criar regras para o comércio de créditos correspondentes ao corte de emissões de gases estufa.

A definição do mercado global de carbono foi um dos principais entraves nas negociações da Cúpula do Clima das Nações Unidas, a COP-25, em 2019. "Algumas medidas como essas eram vistas como varrer a sujeira para baixo do tapete, mas os mecanismos para diminuir as emissões estão aí, o ser humano tem tecnologia e capacidade para isso", diz a oceanógrafa Letícia Cotrim da Cunha, professora da UERJ e autora de um capítulo do relatório do IPCC.

O mercado de créditos de carbono deve ser um dos temas centrais a serem retomados entre os países na próxima COP, neste ano, na Escócia.

Projetos de injeção de CO2 no subsolo

O projeto Sleipner, da Statoil, na Noruega, foi o primeiro no mundo a armazenar o CO2 separado na produção de gás natural e injetá-lo em um reservatório subterrâneo no Mar do Norte, em 1996. O objetivo inicial era evitar as taxas cobradas pelo governo norueguês para a emissão de dióxido de carbono.

Depois dele, outros projetos semelhantes foram desenvolvidos na Argélia e Canadá e se expandiram para outros países como a Austrália.

Apesar de ser inovadora, a técnica exige grandes investimentos e tecnologia de ponta para ser aplicada. Críticos desses projetos de geosequestro também questionam a segurança e estabilidade do CO2 armazenado no subsolo, e citam a possibilidade de vazamento ou erupções.

"Semear" o mar para capturar CO2

As plantas marinhas são extremamente eficazes no sequestro de carbono da atmosfera. Estudo publicado pela Science, em 2019, apontou que os oceanos são responsáveis por retirar um terço do CO2 da atmosfera.

Pensando nisso, a Running Tide, uma empresa americana do Estado do Maine, resolveu investir nessa ideia cultivando algas marinhas para capturar o CO2 e prendê-lo no fundo do oceano.

As algas gigantes utilizadas nesse processo são cultivadas em laboratório e depois colocadas em boias biodegradáveis. Conforme elas crescem e se tornam pesadas demais acabam por afundar, levando com elas o gás retirado da atmosfera.

Em seu site ela diz: "Na Running Tide, estamos desenvolvendo o sistema de remoção de carbono mais eficiente do mundo. Nosso projeto piloto já está em andamento removendo carbono da atmosfera. Com a ajuda da fotossíntese, das correntes oceânicas e da gravidade, podemos usar algas para armazenar carbono nas profundezas do oceano. Este processo natural existe na Terra há milhões de anos, e nós o estamos acelerando."

De acordo com a empresa, esse método é capaz de remover gigatoneladas de CO2 do ar em um processo escalável e de baixo custo.

Estadão
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