Presidência da COP30 revela primeiro rascunho da decisão da Conferência do Clima de Belém
Quatro dias antes do fim da COP30, a presidência brasileira da conferência publicou uma primeira versão de um acordo nesta terça-feira (18), o Mutirão Global, com 58 tópicos essenciais para o sucesso da Conferência do Clima. Os 195 países estão longe de um consenso sobre o texto, que a diplomacia brasileira espera atingir até esta quarta-feira (19).
Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Belém, com AFP
Para impulsionar o avanço nas negociações, o presidente Lula retornará a Belém - um movimento que visa influenciar a reta final do evento e evitar o fracasso da COP30.
Li Shuo, especialista da Asia Society que acompanha as negociações em Belém, avalia que "este texto reflete a confiança da presidência brasileira". Ele disse à AFP que "esta é provavelmente a primeira vez na história recente das COPs que um texto tão bem elaborado é publicado com tanta antecedência."
Na plenária da COP, os cerca de 160 ministros de Meio Ambiente, Energia ou outras pastas relevantes para a agenda climática indicam em qual rumo querem ver a negociação avançar. "Países desenvolvidos, com maior responsabilidade histórica e mais recursos, devem agir mais e mais rápido. Países em desenvolvimento também precisam estar comprometidos, com acesso efetivo aos meios de implementação, em plena coerência com seus objetivos de desenvolvimento sustentável e redução das desigualdades", defendeu a ministra brasileira Marina Silva.
"Essa é a essência de uma transição justa: proteger pessoas, fortalecer resiliência e orientar decisões pela ciência, tanto a ciência moderna quanto a dos conhecimentos dos povos originários", frisou a ministra.
Marina Silva voltou a pedir um planejamento dos caminhos e recursos para a redução da dependência dos combustíveis fósseis. "Não há respostas únicas ou universais para o enfrentamento do desafio que está diante de nós", alegou. "É necessário diálogo estruturado, troca de experiências e estratégias de longo prazo, contemplando países produtores e países consumidores de combustíveis fósseis."
Afastamento do petróleo e carvão
O documento de nove páginas começa reafirmando seu compromisso com o Acordo de Paris de 2015 e sua dedicação ao "multilateralismo". Em relação à ambição climática, o texto propõe, como opção, que o relatório que resume os compromissos climáticos dos países seja publicado anualmente, em vez de a cada cinco anos.
Várias opções também fazem referência à transição para a diminuição no uso de combustíveis fósseis, um ponto de discórdia entre os países produtores e aqueles que buscam um "roteiro" para sua eliminação gradual, conforme previsto no acordo histórico de Dubai, de 2023. Essas opções variam desde a organização de uma mesa-redonda para abordar o assunto até "nada".
"As opções relativas aos combustíveis fósseis são completamente inaceitáveis e constituem um fracasso flagrante enquanto o mundo está em chamas", denuncia Romain Ioualalen, da ONG Oil Change International. André Corrêa do Lago, presidente da COP30, tem salientado que são os próprios países que ditarão "o que querem" do acordo final.
A organização internacional 350.org também ficou insatisfeita com estes trechos, considerados vagos. "O texto preliminar tem os ingredientes certos, mas sua elaboração deixa um gosto amargo. Um roteiro para o limite de 1,5°C que não inclua a eliminação concreta dos combustíveis fósseis é simplesmente vazio", analisou Andreas Sieber, Diretor Associado de Política e Campanhas da organização. "A presidência da COP30 precisa atender ao apelo de diversas partes — inclusive o presidente Lula — por um caminho de transição claro, com financiamento adequado, colocando-o no centro das decisões da conferência. Caso contrário, o esforço será insuficiente."
'Mutirão', o reforço do multilateralismo
Este texto se chama "Mutirão Global" em referência à palavra indígena que designa uma comunidade que se une para trabalhar em uma tarefa comum. Os brasileiros querem que ele demonstre a continuidade da cooperação internacional em mudanças climáticas, em um contexto geopolítico difícil.
"Precisamos mostrar ao mundo que o multilateralismo está vivo", declarou Josephine Moote, representante do arquipélago de Kiribati, no Pacífico. Ed Miliband, ministro da Energia do Reino Unido, pediu que se mantenha a "fé no multilateralismo".
Neste estágio das negociações, o primeiro rascunho do acordo contém opções conflitantes, que se espera serem decididos nos próximos dois dias de intensos diálogos, sem hora para acabar. "Inclusive, vocês virão à coletiva de imprensa às 3h?", brincou Corrêa do Lago.
Duplas de negociadores de dois países foram designados para acelerar o diálogo entre nações com posições contrárias, em temas como financiamento climático, transparência e adaptação. O texto sugere uma batalha para extrair concessões mútuas entre os blocos de países sobre ajuda financeira e a ambição das metas de redução de gases de efeito estufa.
"Passamos de uma minuta para algo que se assemelha a uma decisão, mas ainda há muitas perguntas sem resposta para prever realisticamente sua adoção na quarta-feira", afirma Rebecca Thiessen, especialista em finanças da Rede de Ação Climática (CAN) Internacional.
Recursos para adaptação e medidas comerciais
O documento sugere triplicar o financiamento dos países ricos para as nações mais pobres para sua adaptação às mudanças climáticas até 2030 ou 2035, o que corresponde a uma demanda dos países do Sul Global.
"Como sempre nesta fase das negociações, é uma situação complexa", disse à AFP o comissário europeu para a Ação Climática, Wopke Hoekstra, que está em Belém desde segunda-feira. Ele alertou que não há possibilidade de "reabrir os acordos alcançados com dificuldade no ano passado, em termos de financiamento" dos países ricos para os países em desenvolvimento, e também denunciou qualquer tentativa de iniciar "uma conversa artificial sobre medidas comerciais".
Hoekstra reagia à inclusão de opções no texto preliminar, sobre medidas comerciais unilaterais, que implicitamente visam o imposto de carbono na fronteira que a União Europeia implementará em janeiro, que é acusado de ser protecionista pela China e outros países exportadores.