Governo tem extrema minoria na Câmara, avaliam deputados
Aliados de Lula reconhecem dificuldade de articulação na Câmara após derrota da MP da taxação e defendem ampliação da base
A derrota do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na medida provisória que previa a taxação de bilionários, bancos e empresas de apostas reforçou uma constatação antiga entre aliados do Planalto: o governo tem uma base reduzida na Câmara dos Deputados e ainda depende de articulações pontuais para aprovar pautas estratégicas.
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A avaliação é compartilhada por diferentes nomes da base aliada. O deputado Zeca Dirceu (PT-PR), ex-líder da bancada petista e um dos principais articuladores do governo no Congresso, reconhece a dificuldade, mas acredita que o episódio pode ter efeito político positivo a médio prazo.
“Nós somos minoria na Câmara dos Deputados há muito tempo. Eu acho que decisões como essa, como a derrubada do decreto do IOF, chamam a atenção da população. Tem um lado positivo. As pessoas vão mudar a maneira de votar, de eleger deputados e senadores no ano que vem”, afirmou.
Para Dirceu, a derrota da MP não altera o cenário de forma definitiva. “O governo acabou de ter uma grande vitória com a aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco mil reais, aprovada por unanimidade. O presidente Lula é um homem do diálogo, e nós vamos seguir trabalhando muito para isso.”
Mesmo assim, o deputado avalia que o Planalto precisará ampliar sua base parlamentar. “O presidente Lula não pode continuar governando com essa extrema minoria. Nós temos que eleger um número maior de deputados e senadores”, disse.
Dirceu classificou a retirada de pauta da MP como “um erro grave” da oposição e do centrão.
“Retirar uma medida como essa significa facilitar a vida dos super-ricos, dos bilionários que não pagam impostos, e das bets e jogos eletrônicos que operam de forma irregular. Isso penaliza investimentos em saúde, educação e segurança pública, e compromete o equilíbrio fiscal do país”, afirmou.
Disputas internas e resistência
A deputada Carol Dartora (PT-PR) também vê na decisão da Câmara um retrato das tensões que marcam o atual ambiente político.
“A retirada de pauta da Medida Provisória evidencia as disputas de poder que marcam o cenário atual. O que está em jogo não é apenas o conteúdo das medidas, mas também o espaço de influência que determinados grupos — especialmente o centrão — buscam consolidar dentro do Congresso”, avaliou.
Para ela, a resistência às propostas do governo reflete uma dificuldade estrutural da política brasileira.
“O sistema, historicamente dominado por homens brancos e elites econômicas, tem dificuldade de lidar com um projeto de país que busca inclusão e justiça social. Quando o governo propõe políticas voltadas às mulheres, à população negra e às maiorias trabalhadoras, há resistência de setores que se beneficiaram das desigualdades.”
A parlamentar acrescenta que o momento é de “desafio e diálogo”:
“Como mulher negra no Parlamento, vejo nesse contexto um chamado à resistência. Governar para o povo é enfrentar estruturas de poder que não aceitam dividir privilégios. Nosso papel é garantir que a política volte a servir à maioria — e não a interesses particulares.”
Busca por alternativas
Enquanto parte da base tenta conter o impacto da derrota, há movimentações para buscar uma saída. O deputado Rogério Correia (PT-MG) informou que procurou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para discutir uma proposta alternativa à MP rejeitada. Sem dar detalhes, disse que aguarda resposta do governo.
O gesto é interpretado por colegas como sinal de que a base segue em busca de recomposição e tenta manter o diálogo aberto com a equipe econômica.
Alinhamento entre as Casas
No Senado, o líder do governo, Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirmou que mantém diálogo com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na tentativa de equilibrar o ambiente político entre as duas Casas.
“Não temos do que nos queixar do presidente Hugo Motta. Ele esteve à disposição para ajudar o governo nessa construção. Os atores que entraram foram atores preocupados mais com eleição do que com o Brasil. Foi o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, mobilizando presidentes de partidos”, disse Randolfe.
Segundo o senador, o governo trabalha para preservar a governabilidade e evitar que disputas políticas se transformem em barreiras institucionais.
Minoria e governabilidade
As declarações refletem um diagnóstico recorrente no Congresso: o governo ainda não consolidou uma base estável. A chamada “extrema minoria” apontada por Zeca Dirceu traduz uma realidade política que ultrapassa a atual gestão e expõe a fragmentação partidária da Câmara.
Para o Planalto, cada votação tem se tornado um teste de força e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de medir o grau de fidelidade dos aliados. O desafio do governo, neste momento, é converter diálogo em votos — e derrotas em aprendizado político.