Briga pelo comando da Vale atrasa repactuação do acordo de Mariana, diz governador Renato Casagrande
Mineradora, que vive impasse após tentativa de interferência do governo Lula, negocia novos termos para reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem em 2015; empresa espera conclusão do acordo no primeiro semestre
PORTO ALEGRE, ENVIADO ESPECIAL - O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB-ES), disse ao Estadão que o impasse pelo comando da mineradora Vale tem causado atrasos na conclusão da repactuação do acordo de Mariana (MG), que discute a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão em 2015. A negociação foi interrompida no final do ano passado após os governos federal, de Minas Gerais e do próprio Espírito Santo rejeitarem uma proposta apresentada pela Samarco, a BHP Billinton e a Vale, que informou que segue comprometida com o acordo e que espera que uma solução seja alcançada ainda neste primeiro semestre. Samarco e BH Billinton também se disseram comprometida com uma solução (veja abaixo).
"O acordo está interrompido por algumas razões. Primeiro, as empresas ofereceram um valor muito baixo e nós não aceitamos. A disputa pela direção da Vale também está atrasando esse processo", declarou o governador do Espírito Santo. Ele está em Porto Alegre (RS), onde participa da 10ª edição do Consórcio de Integração do Sul e do Sudeste. As mineradoras ofereceram R$ 42 bilhões para as ações de reparação, enquanto o poder público quer R$ 126 bilhões.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou interferir na sucessão da Vale e emplacar o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, como presidente da empresa. Isso gerou uma divisão entre os acionistas da mineradora. Na última reunião dos conselheiros no mês passado houve empate na votação sobre se o atual presidente, Eduardo Bartolomeo, continua no cargo ou se deve ser substituído.
"Estamos na expectativa de que o governo federal, estabilizada a sucessão na Vale, com a permanência do presidente ou mudança de direção, que a gente possa retomar esse tema com prioridade", acrescentou Casagrande.
Ele disse que não conversou sobre o assunto com o governo Lula porque entende que a discussão cabe aos acionistas da Vale. A empresa foi privatizada em 1997, mas o governo ainda influencia nas decisões por meio do Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil que tem dois assentos no conselho de administração da mineradora.
A pressão do governo federal chegou ao ápice quando o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG), ligou para conselheiros da Vale para defender o nome de Mantega. A iniciativa não foi bem recebida, o governo recuou e o ministro disse que Lula jamais faria uma interferência direta em uma empresa de capital aberto.
O presidente da República negou que tenha discutido a sucessão na empresa, mas fez críticas à mineradora em entrevista à RedeTV na quarta-feira, 28. "A Vale não pode pensar que é dona do Brasil. Ela não pode pensar que pode mais do que o Brasil. Então, o que nós queremos é o seguinte: as empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro", afirmou Lula.
Repactuação se arrasta há mais de três anos
O rompimento da barragem em Mariana matou 19 pessoas e causou danos ambientais, sociais e econômicos em Minas Gerais e no Espírito Santo. Um acordo foi firmado em 2016 e as ações de reparação foram executadas pela Fundação Renova, mantida com recursos de Samarco, Vale e BHP. As empresas afirmam que já foram gastos mais de R$ 35 bilhões para reparar os danos.
Apesar disso, há uma insatisfação do poder público com a atuação da Renova. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) chegou a pedir a extinção da entidade em 2021 porque ela atuaria "muito mais como um instrumento de limitação das responsabilidades das empresas mantenedoras do que como agente de efetiva reparação humana, social e ambiental".
O acordo inicial já previa uma repactuação, que está sendo discutida de forma mais intensa há cerca de três anos. O debate é inspirado, de certa forma, pelo acordo de R$ 37 bilhões fechado pelo governo de Minas com a Vale em 2021 para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho (MG) em 2019.
Neste caso, embora caiba à Vale executar parte das ações de reparação, o governo de Romeu Zema (Novo-MG) e as prefeituras atingidas também receberam recursos para custear medidas tocadas por eles, como obras de infraestrutura e investimentos na prestação de serviços públicos.
De forma similar, a repactuação de Mariana prevê o pagamento de uma indenização que será dividida entre o governo federal, os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, além de 45 prefeituras mineiras e 7 prefeituras capixabas.
O Ministério Público e a Defensoria Pública também acompanham o debate, que é mediado pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6). No fim de janeiro, a 4ª Vara Federal de Belo Horizonte determinou que a Samarco, BHP e Vale paguem multa de R$ 47,6 bilhões por danos morais coletivos pelo rompimento em Mariana. As empresas recorreram da decisão da primeira instância e questionaram o valor. Se a multa for mantida, a tendência é que o valor entre no acordo de repactuação.
Os envolvidos na discussão têm pressa porque está previsto para outubro o julgamento de uma ação coletiva na Justiça do Reino Unido, em Londres, onde a BHP é sediada, na qual 46 municípios brasileiros, 700 mil pessoas atingidas e 2.500 empresas, autarquias e instituições religiosas pedem indenização de R$ 230 bilhões.
Os governos brasileiros não participam da ação, embora Casagrande tenha dito ao Estadão que o Espírito Santo avalia entrar na Justiça inglesa. Há o temor de que uma eventual decisão ou acordo judicial no Reino Unido dificulte ou mesmo inviabilize a repactuação discutida no Brasil.
Após a eleição de Lula em outubro de 2022, os governos estaduais tentaram acelerar o processo e fechar a negociação ainda naquele ano durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o que não ocorreu.
O governo petista pediu tempo no início do ano passado para se inteirar dos termos que estavam à mesa. Em junho, o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva (Rede-SP), criou um grupo de trabalho que teve até dezembro para analisar as medidas de reparação ambiental propostas.
Porém, o acordo não foi concluído devido à discordância sobre o valor oferecido pelas mineradoras. "Achávamos que dava para fechar em 2022, depois em 2023. É lógico que a gente acha que dá para fechar em 2024. É só ter vontade política e compromisso das empresas", disse Renato Casagrande.
Oposição a Lula, Zema tem cobrado celeridade para fechar o acordo e afirmou no ano passado que havia "má vontade enorme" do governo federal sobre o assunto. Nesta semana, ele pediu uma reunião com o presidente para tratar da repactuação e também da renegociação da dívida de Minas Gerais.
"É de conhecimento mútuo a importância de um diálogo franco e construtivo entre os entes federativos, para a resolução de questões de interesse coletivo. Com esse propósito, solicitamos a reunião em comento, para que possamos apresentar e discutir detalhadamente os temas acima expostos, visando o bem-estar da população mineira", escreveu Zema em ofício enviado ao gabinete de Lula na quarta-feira.
Procurada, a Vale informou que "como acionista da Samarco, continua comprometida com a repactuação e tem como prioridade as pessoas atingidas, representadas desde o início das negociações por diversas instituições de justiça como as defensorias e os ministérios públicos".
"A companhia confia que as partes chegarão a bons termos quanto ao texto que vem sendo conjuntamente construído antes de definir o valor global do acordo. Como parte do processo de negociação, a companhia está avaliando as soluções possíveis, especialmente no tocante à definitividade e segurança jurídica, essenciais para a construção de um acordo efetivo. A Vale espera que uma resolução seja alcançada ainda neste primeiro semestre", disse a companhia.
A Samarco, por sua vez, informou que "reafirma seu compromisso e segue empenhada na reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão".
"A empresa permanece aberta ao diálogo, em busca de soluções consensuais, sempre baseadas em critérios técnicos, ambientais e sociais, que atendam às demandas da sociedade, sobretudo do território diretamente impactado", completou a empresa.
Em nota, a BHP Brasil informou que "sempre esteve e segue comprometida com as ações de reparação e compensação relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em 2015?. "Como uma das acionistas da empresa, a BHP Brasil segue disposta a buscar, coletivamente, soluções que garantam uma reparação justa e integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente", completa a empresa.
O Ministério de Minas e Energia e a Renova também foram procuradas, mas não se manifestaram.