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Funcionários relatam assédio moral no Consulado do Brasil na Austrália

É a segunda vez que o embaixador Américo Fontenelle é acusado. Os trabalhadores também denunciam o cônsul-geral adjunto, César Cidade

26 fev 2013 - 23h42
(atualizado às 23h47)
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"Velha escrota", "veadagem", "negão", "chinês filho da puta", "australiano racista". Os impropérios não fazem parte do vocabulário de nenhum novo grupo neonazista, mas são a rotina dos funcionários do Consulado-Geral do Brasil em Sydney há pelo menos dois anos. Humilhações, intimidações, ataques e gritarias já provocaram a saída de oito contratados locais e a remoção de outros cinco servidores do quadro de carreira, que pediram transferência antes de encerrado o prazo máximo de permanência no posto. É a segunda vez que o embaixador Américo Fontenelle é acusado de assédio moral. O Itamaraty instaurou uma investigação, mas os servidores temem que o caso seja novamente arquivado.

O Terra teve acesso às denúncias de três funcionários e conversou com outros servidores, que preferem não se identificar. Além de Fontenelle, os trabalhadores acusam o cônsul-geral adjunto, César Cidade, de assédio moral. Motoristas, secretárias, assistentes dos setores de vistos e passaportes e oficiais de chancelaria seriam vítimas de temperamentos agressivos e abusos de poder. "Não estamos falando de mera, normal e saudável repreensão de um chefe a seu subordinado. (...) Estamos falando de berros e gritos, humilhações e insultos ocorrendo com frequência", diz a denúncia do funcionário responsável pelo Setor de Promoção Comercial, Luis Aroeira Neves.

Os gritos são ouvidos pelos servidores e pelo público australiano e brasileiro na recepção do Consulado, bem como em ligações telefônicas. "Faz mais de um ano que não marco entrevistas com importadores ou qualquer público na parte da manhã ou na hora do almoço devido aos berros, pois é o horário em que os gritos e assédios predominam. Em mais de uma ocasião, fui obrigado a desligar o telefone às pressas para que os berros não sejam ouvidos por pessoas externas ao local de trabalho", relata Neves.

Ciente do problema, o Itamaraty enviou um embaixador para conduzir uma investigação na Austrália, mas os servidores temem a repetição do episódio de 2007, quando Américo Fontenelle foi afastado do Consulado-Geral do Brasil em Toronto, também acusado de assédio, mas ganhou o cargo em Sydney. "Ele (Fontenelle) foi buscar o outro embaixador no aeroporto, disse que são amigos pessoais, almoçavam juntos e se tratavam pelo primeiro nome", lamenta um funcionário.

Dependendo do resultado da investigação, o cônsul-geral pode ser expulso do Ministério das Relações Exteriores, mas isso nunca aconteceu na história do Itamaraty em função de acusações de assédio moral. Diante disso, os funcionários falam em "politicagem" e "apadrinhamento". De acordo com os servidores, Fontenelle seria "protegido do ex-ministro José Dirceu", que o teria livrado da punição no Canadá. "Há uma intimidação velada através da afirmação repetida de existência de aliados e amigos poderosos no Ministério e/ou governo", diz a denúncia de Neves, contratado desde 2006. "O rapaz de Toronto já não está mais no SECOM", teria lhe ameaçado Fontenelle.

'Atendimento Jedi'

A servidora contratada Viviane Jones apresentou a denúncia contra o cônsul-geral adjunto César Cidade, acusando-o de promover ataques pejorativos, agressões verbais e humilhações aos servidores, que "não aguentam os gritos, palavrões e socos na mesa (...), acusando até o público de nomes tais como 'bígama', 'veadagem', 'velha escrota' e assim por diante", relata a funcionária. "Temi pela minha segurança física quando ele (Cidade) quebrou uma xícara no corredor aos berros", acusa.

Na denúncia, a servidora fala ainda dos desentendimentos entre os dois chefes do posto. "São constantes as reclamações direcionadas ao senhor Américo Fontenelle, aos berros, chamando-o de 'bunda mole', dizendo que o senhor não faz nada por ter o rabo preso com as 'bichonas inúteis', iguais à mesma que o denunciou em Toronto".

Os depoimentos dos trabalhadores, que pedem a abertura de Processo Administrativo Disciplinar, estavam sendo tomados em uma sala dentro do próprio Consulado. De acordo com os funcionários, Fontenelle e Cidade circulavam livremente pelo local enquanto eles relatavam os casos de abuso. Um servidor do quadro de carreira, autor de uma das denúncias, comentou "ter presenciado cinco crises de choro, nos meus primeiros seis meses no Posto, de cinco funcionários diferentes, em cinco situações de crise distintas; tudo isso em pleno ambiente de trabalho. Em todas as situações de crise, foi possível identificar o causador direto e intencional das crises na pessoa do embaixador Américo Dyott Fontenelle".

Apesar de ter sido acusado de 'indisciplina' e 'insubordinação' pelo cônsul-geral, que tem status de embaixador, o servidor apoiou as denúncias dos contratados. Conforme seu relato, "(há) total falta de urbanidade do servidor público conselheiro César de Paula Cidade, podendo-se falar de incontinência pública e conduta escandalosa na repartição. O conselheiro César de Paula Cidade, com seu comportamento desequilibrado e extremamente incompátivel com a profissão de diplomata, já ameaçou dar um soco na cara de um Oficial de Chancelaria e esbravejou que ia 'enrabar' outro".

Ele acrescenta, ainda, que Fontenelle costuma parar atrás dos servidores no balcão de atendimento, interferindo nas conversas com o público. "A simples presença é, por si só, constrangedora e estressante. O embaixador nunca se apresenta ao cidadão e lhe dirige a palavra com desdém, eventualmente com escárnio, não raro gerando bate-boca puro e simples. É o que se chama no Consulado de 'atendimento Jedi'".

Os funcionários estão revoltados e querem providências. Alguns precisaram de atendimento médico-hospitalar durante o expediente. O Sindicato dos Servidores do Itamaraty promoveu um ato público em Brasília, para exigir a investigação das denúncias. Em sua página na internet, os sindicalistas destacam outros casos de assédio moral. "Esses embaixadores estão no exterior, sem superiores hierárquicos próximos, e se sentem donos do posto. Dão agrados, como férias e missões específicas com diárias, aos seus preferidos e humilham os outros. Isso tem que acabar", desabafa um servidor.

O cônsul-geral do Brasil em Sydney, Américo Fontenelle, se declara inocente das acusações. Ele preferiu não comentar detalhes das denúncias até o final da investigação do Ministério das Relações Exteriores. "Não posso falar nada. Qualquer coisa que disser pode prejudicar alguém", afirmou. Porém, lamentou o episódio. "Estou muito aborrecido. Não gostaria que tivesse acontecido porque nunca é bom para a imagem do Consulado. É uma briga de funcionários no escritório que assumiu uma dimensão pública, mas faz parte da democracia", acrescentou. O cônsul-adjunto César Cidade está em licença-médica.

Fonte: Especial para Terra
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