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Drama das balas perdidas no Rio de Janeiro não poupa nem mesmo as crianças

29 jan 2015 - 10h14
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O drama das balas perdidas, que se agravou neste ano no Rio de Janeiro - onde 16 pessoas foram atingidas em menos de um mês - não perdoa nem mesmo as crianças, que representam duas das quatro mortes ocorridas na cidade desde o início do ano.

Esses disparos atingiram especificamente menores em bairros pobres e cujo controle é disputado por traficantes e/ou milicianos.

"Minha filha tinha quatro aninhos, era cheia de saúde. Uma criança de quem todo mundo gostava. Acho que até quem não gosta de crianças gostava dela. Eu acho que ela tinha uma luz. E ela se foi da forma mais brutal", disse à Agência Efe, com a voz embargada, Mileni de Carvalho, cuja filha Larissa morreu em 18 de janeiro, um dia após ser vítima de uma bala perdida em Bangu, na zona oeste do Rio de Janeiro.

De acordo com declarações de seus amigos à Efe, Mileni não recebeu a menor atenção, ajuda ou simples demonstração de solidariedade das autoridades municipais, apesar de o drama das balas perdidas serem recorrentes na cidade.

Dados oficiais de 2014 sobre o tema ainda não foram divulgados, mas é sabido que em 2013 nove pessoas morreram e 111 foram feridas em casos semelhantes no Rio de Janeiro. Em menos de um mês, já foram registradas quatro mortes e 12 ferimentos em 2015.

Segundo relatório das Nações Unidas divulgado em junho de 2014, o Brasil é o segundo país da América Latina, atrás somente da Venezuela, com maior registro de pessoas atingidas por balas perdidas.

Alheia à frieza das estatísticas, Mileni espera que a Polícia Civil, encarregada do caso, a mantenha informada sobre qualquer avanço nas investigações e diz esperar que a justiça "condene da forma mais dura possível" os responsáveis porque, "embora não possam devolver Larissa, servirá de exemplo para que a morte de inocentes não volte acontecer".

A tragédia aconteceu na noite de sábado, 17 de janeiro, na saída de um restaurante próximo à casa da família, ao qual haviam ido jantar. Não se sabe quem disparou, nem de onde veio a bala que atingiu a cabeça de Larissa, que morreu no dia seguinte no hospital.

Desde então, dois outros casos foram registrados em bairros vizinhos a Bangu. Moradores da região, consultados pela Efe, dizem estar preocupados e assustados com a situação.

Marcia Cruz, que afirma ter medo de andar pelas ruas e até mesmo de sair de casa, pede maior empenho dos órgãos públicos.

"A insegurança não acontece somente por aqui, praticamente todos os bairros estão iguais", declarou.

Valéria, que trabalha como profesora, disse que também está muito preocupada com a crescente onda de violência na região. Ela manifestou preocupação inclusive com a reportagem da Efe.

"Com todas essas balas perdidas, vocês estão correndo risco trabalhando aqui", alertou.

"O que ocorreu em Bangu pode acontecer também na rua principal de Copacabana", afirmou por sua vez Roberto, gerente de uma loja de eletrodomésticos em Bangu, localizada em frente ao restaurante do qual Larissa saía quando foi atingida, afirmou que a violência está aumentando na região "porque os criminosos que ocupavam as favelas onde as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) se instalaram vieram" para a região.

Para Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e responsável pelo Laboratório de Análise da Violência, "é prematuro afirmar que o aumento de casos de balas perdidas corresponda a uma mudança geral da violência ou a uma simples acumulação casual de tragédias, porque a cidade vive sempre golpe de casos de muita repercussão".

Cano pondera, no entanto, que "o cenário atual não é favorável".

"Tivemos um aumento do número de homicídios a partir de 2012, mas a partir de 2014 houve o aumento de mortes pela ação da polícia, o que provoca uma situação na qual fenômenos como o das balas perdidas, evidentemente, aumentam", disse.

De acordo com dados recentemente divulgados pelo Instituto de Segurança Pública, em 2014 foram registrados quase 5 mil assassinatos no estado do Rio de Janeiro, 4% a mais que em 2013, e a polícia matou 582 pessoas, 40% a mais do que no ano anterior.

"Estes dados estão longe de ser aceitáveis para qualquer sociedade que se considere pacífica", afirmou o professor à Efe.

Tentando conviver com a dor da perda da filha, Mileni lamenta o alcance da violência.

"Em países em guerra, como o Afeganistão, morrem menos pessoas do que aqui, porque aqui há uma guerra constante, que nunca acaba. Colocam policiais nas favelas dos bairros ricos, e os criminosos vêm todos para cá", afirmou.

EFE   
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