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Tragédia em Santa Maria

RS: 7 meses da Boate Kiss são lembrados com cavalgada e caminhada

Mais de 140 quilômetros foram percorridos em cavalgada que terminou na frente da Boate Kiss, em Santa Maria

27 ago 2013 - 14h03
(atualizado às 17h04)
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Em frente à casa noturna, houve o encontro dos participantes de uma cavalgada de cinco dias
Em frente à casa noturna, houve o encontro dos participantes de uma cavalgada de cinco dias
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

No dia que marca o “aniversário” de sete meses da tragédia na Boate Kiss, o dia de lembranças em Santa Maria começou com uma caminhada de alunos e professores dos cursos da área de saúde do Centro Universitário Franciscano (Unifra). Em frente à casa noturna, na rua dos Andradas, no Centro, eles se encontraram com os participantes de uma cavalgada de cinco dias, que percorreu mais de 140 quilômetros para homenagear as vítimas do incêndio na casa noturna, no dia 27 de janeiro deste ano, que causou a morte de 242 pessoas. 

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No Conjunto 1 da Unifra, os alunos e professores, antes de sair em caminhada, ouviram mensagens e receberam a benção do frei Valdir Pretto, professor da  instituição. O grupo passou por duas ruas e uma avenida de Santa Maria antes de chegar na frente da Kiss. Durante o percurso, os estudantes distribuíram balões em formato de mão para as pessoas que passavam na rua com a seguinte mensagem: “Não importa de quem são as mãos e sim o zelo com o qual elas cuidam”.

A chamada Caminhada da Saúde foi uma homenagem aos profissionais e voluntários que participaram do atendimento aos feridos da tragédia, bem como na assistência aos familiares das vítimas. Em frente à Kiss, o frei Valdir Pretto disse mais algumas palavras de conforto e, por duas vezes, convocou todos os participantes a darem um “abraço coletivo”. Depois de uma salva de palmas, os familiares de vítimas também foram abraçados. 

A chamada Caminhada da Saúde foi uma homenagem aos profissionais e voluntários que participaram do atendimento aos feridos da tragédia
A chamada Caminhada da Saúde foi uma homenagem aos profissionais e voluntários que participaram do atendimento aos feridos da tragédia
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Pouco antes das 11h, chegaram à frente da Kiss os participantes da Cavalgada em Homenagem aos Amigos, que tinham saído na sexta-feira pela manhã de São Gabriel (RS) e chegaram na segunda-feira a Santa Maria. Eles pernoitaram na Estância do Minuano, na zona sul da cidade, e, na manhã desta terça, vieram a galope até o Centro. 

Em frente à boate, os cavaleiros cantaram o Hino Riograndense e leram uma mensagem de apoio à Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). “Nossa dor e saudade, aliada à sede de justiça, nos motivaram para organizar essa marcha. Dor de saber que outros amigos poderiam estar conosco nesta cavalgada”, disse Diego Martins Fernandes, um dos quatro jovens de São Gabriel que tiveram a ideia inicial de fazer a marcha, motivados pela morte de dois conterrâneos na tragédia, os primos Heitor Gonçalves e Octacílio Altíssimo Gonçalves. 

Tributo por Justiça

Mais adiante, a homenagem se estendeu às demais vítimas do incêndio na Kiss e teve a participação, inclusive, de sobreviventes. Durante o percurso, os cavaleiros foram acolhidos em propriedades rurais de familiares de jovens que morreram na tragédia. 

Da frente da Kiss, os cavaleiros seguiram até o Parque da Medianeira, onde no Início da tarde foi realizada uma missa crioula, comandada pelo padre Ruben Natal Dotto. Os cavaleiros acompanharam a celebração montados nos animais. Familiares de vítimas também assistiram à cerimônia e receberam uma mensagem especial do religioso: "Eles (os jovens que morreram) estão bem melhor do que nós. Não se deixem abater. Ergam a cabeça e os braços. Tem tanta gente que está precisando de vocês. Ajudem. Deixem que seus filhos cavalguem pelos prados eternos", disse o padre Dotto, que comandou a missa, junto ao Altar Monumento do parque, usando botas, bombacha e lenço.

Durante a missa, o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Adherbal Ferreira, agradeceu aos cavaleiros pela homenagem e já anunciou que, no dia 20 de setembro, data mais importante do Rio Grande do Sul que celebra a Revolução Farroupilha, eles estarão reunidos novamente para lembrar dos jovens que morreram na Kiss. "Nós não vamos estar do lado de vocês, mas vamos estar atrás, escorando. Logo mais, estaremos juntos novamente", avisou Mairo Loch Biscaglia Pereira, outro gabrielense que teve a ideia de fazer a cavalgada.  Durante a missa crioula, a namorada de uma das vítimas da tragédia passou mal e precisou ser levada para atendimento.   

No final da tarde, o Movimento Santa Maria do Luto à Luta promoverá o "Tributo por Justiça em Homenagem aos Anjos de Janeiro", na praça Saldanha Marinho, no Centro de Santa Maria. Será realizado um festival de bandas, com arrecadação de alimentos não perecíveis para famílias carentes.

O último evento do dia será um ato ecumênico, às 19h, na Igreja Episcopal Anglicana, na avenida Rio Branco, no centro de Santa Maria. Antes da celebração, organizada pela AVTSM, vai ser realizado o já tradicional "minuto de barulho", com palmas, buzinas e toques de sinos para as vítimas.

Incêndio na Boate Kiss
Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Em frente à boate, foi cantado o Hino Riograndense e lida uma mensagem de apoio aos familiares das vítimas
Em frente à boate, foi cantado o Hino Riograndense e lida uma mensagem de apoio aos familiares das vítimas
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra
Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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