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Mikael e Jarbas compartilham o dia a dia nas redes sociais  Foto: Reprodução/@2paisdaantonella

'Como eu vou ser pai, se eu sou gay?': família gaúcha nasceu do amor e desafia o impossível

No Dia dos Pais, um ano após o nascimento de Antonella, o Terra revisita a trajetória de Jarbas e Mikael

Imagem: Reprodução/@2paisdaantonella
  • Maria Luiza Valeriano Maria Luiza Valeriano
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10 ago 2025 - 04h59

No centro da sala iluminada pela luz das lâmpadas, os passos miúdos de Antonella ecoam como pequenas batidas de tambor no piso. Ela vai e volta, ora carregando um brinquedo, ora explorando o espaço, enquanto dois pares de olhos a seguem com devoção. Jarbas e Mikael Bittencourt quase não piscam. A cada movimento da filha, há um reflexo imediato: o corpo inclina, a cabeça acompanha. Mesmo durante a conversa, entre risadas e lembranças, é como se um fio invisível os mantivesse sempre conectados à menina.

Antonella posa com os pais
Antonella posa com os pais
Foto: Reprodução/Instagram

Foi assim, entre interrupções doces e olhares atentos, que Jarbas e Mikael receberam o Terra para contar a história que começou muito antes do primeiro choro da filha --e que hoje, no Dia dos Pais de 2025, ganha um novo significado.

Antonella nasceu em 17 de maio de 2024, o Dia Internacional de Combate à Homofobia, carregando em seu DNA a marca biológica dos dois pais, em um feito inédito no Sul do Brasil. Um ano depois, a presença dela preenche cada canto da casa e também cada memória recente dos dois homens que, antes de serem pais, precisaram enfrentar dúvidas, medos e uma jornada de persistência.

A cena atual --de uma menina risonha, aninhada em braços paternos-- é o desfecho visível de uma trajetória que parecia distante alguns anos atrás. Para Mikael, fotógrafo natural de Bento Gonçalves, o desejo da paternidade sempre foi gritante. Já para Jarbas, gerente de vendas de Porto Alegre, o desejo estava atrás de um bloqueio imposto pelo preconceito. 

Jarbas, Mikael e Antonella
Jarbas, Mikael e Antonella
Foto: Reprodução/Instagram

A história dos dois começou há quase 20 anos, quando Mikael foi contratado para trabalhar no bar de Jarbas. "Digamos assim, amor à primeira vista", disse Mikael. "Amor à primeira vista mesmo", concordou Jarbas. Eles se apaixonaram e não se soltaram mais. Com cerca de 4 anos da relação, a conversa sobre filhos começou a pautar as discussões.

"O Mika me cobrava muito: 'A gente precisa ter um filho, vamos construir nossa família'. E eu sempre dava uma empurrada (...) não passava ainda dentro da minha cabeça a paternidade. (...) Mas a vida nos apresenta alguns cenários que tu acaba seguindo rumos e mudando um pouco o teu pensamento. Quando nós completamos 13 anos, mais ou menos, a gente acabou passando por uma separação muito dolorida e fez com que a gente repensasse alguns conceitos de vida". 

A separação foi diretamente causada pela resistência de Jarbas de assumir a sua orientação sexual perante a todos. "Não que eu não aceitava, mas eu não me verbalizava. Eu era gay com o Mika. Da porta pra fora, eu não era 'gay'. Por questões do medo do trabalho, do profissional, da família". O medo e o preconceito contra si também o impediu de desejar aumentar a família.

"Como eu vou ser pai, se eu sou gay? Na minha cabeça, gay não é pai" -- Jarbas Bittencourt

A separação durou 30 dias. "Acabamos voltando com uma força muito forte. Onde, na nossa volta, a gente entendeu que nós precisávamos amadurecer e nós precisávamos dar um passo muito grande, que era a nossa aceitação. E para isso, casamos", disse Jarbas. Foi nesse momento que Mikael cobrou, de uma vez por todas: 'Agora tu vai ser pai'.

O casal se inscreveu no processo de adoção, mas tudo mudou quando Jarbas recebeu uma ligação. "Tem uma mulher querendo dar o bebê em Tramandaí", disse a voz de Jéssica, comadre dos pais. A emoção tomou conta antes mesmo que conseguiram ver a problemática. A prática de "adoção à brasileira", fora do sistema de adoção, não é legal.

Viajaram até a cidade, acompanharam todo o pré-natal da jovem que havia afirmado não querer o filho e o quarto do Benjamin estava pronto. Até os ensaios de mesversários e aniversários estavam planejados e um chá de fraldas foi realizado com mais de 100 pessoas. Mas ele nunca veio. A jovem desistiu da entrega.

"Fechamos o quartinho. Entramos num luto extremo", relembra Mikael, que precisou se ausentar do trabalho diante da perda do tão sonhado filho.

A chegada da Antonella

Família posa em ensaio de recém-nascido
Família posa em ensaio de recém-nascido
Foto: Reprodução/Instagram

Durante um dia qualquer, imerso no luto pelo filho que nunca chegou, Mikael recebeu uma visita de Jéssica que mudou tudo. "Eu tenho minha barriga aqui, então vocês vão atrás do resto. Eu vou emprestar minha barriga para gerar o filho de vocês", disse.

O casal nem sonhava com a possibilidade de fertilização in vitro. "Todo mundo se agarrou e começou a chorar", relata Jarbas. No outro dia, ele começou a correr atrás de todas as informações. "Tudo era verdade, tudo podia, estava ao nosso alcance e, a partir daquele momento, nós começamos a viver uma nova vida".

A legislação brasileira impede que o óvulo doado seja da pessoa que aceitou gerar a criança. Com isso, é possível usar óvulos de parentes de até o primeiro e segundo grau. "A gente começou uma corrida contra o tempo. Como é que dois homens vão arrumar óvulos?", questiona Jarbas.

A resposta veio rapidamente. Uma das irmãs de Mikael aceitou fazer a doação. Com o óvulo com DNA dele e o esperma de Jarbas, o filho teria a composição genética dos dois homens.

O desejo do casal era ter um menino, mas, por obra do acaso --ou destino-- um embrião feminino se desenvolveu, foi implantado, e a gravidez ocorreu na primeira tentativa. O exame em que ouviram o coração de Antonella pela primeira vez foi o momento em que tudo se encaixou. 

"Aquilo foi a coisa mais linda do mundo. Eu só via em filme e passou pela minha cabeça: 'Eu sou pai'", conta Jarbas. Ao seu lado, Mika relembra: "Foi um momento inesquecível, muito esperado mesmo, por muitos anos."

Dia dos pais

Foto: Reprodução/@2paisdaantonella/Instagram

Agora, celebrando o segundo Dia dos Pais, o principal desafio para Mika é ficar longe da Antonella. "Ela já era muito esperada desde quando eu era pequeno. Eu sempre quis ter uma filha menininha, desde que eu era novo, por conta das minhas irmãs. A minha irmã mais nova, eu que cuidava dela. (...) Depois, quando chegou a Antonella, não tive nenhuma dificuldade."

"Eu fiquei apavorado", brincou Jarbas. "O Mika, parecia que ele já tinha 50 filhos".

A chegada de Antonella não apenas transformou os dois em pais. Criou um propósito. O casal passou a dividir nas redes sociais momentos da rotina com a filha, recebendo apoio de milhares de pessoas que se viram inspiradas pela história. 

O perfil, @2paisdaantonella, se tornou um sucesso. O casal acumula 155 mil seguidores no Instagram, onde compartilham o cotidiano da família. Entre os milhares de comentários, entre aqueles que celebram a alegria deles, ainda existem os que o criticam.

"No início foi muito difícil, porque eles tocam no nome de Deus", conta Jarbas. "Isso não é de Deus" ou "Isso é do diabo", são comentários recorrentes. No entanto, Mikael e Jarbas adotam uma postura de ignorá-los --o que nem sempre é possível. "Nós não temos sangue de barata, né?".

As críticas parecem se dissolver, uma a uma, diante dos pequenos rituais que traduzem o amor. Jarbas sente isso todas as manhãs, naquele instante quase imperceptível que se repete como um milagre íntimo: ele já está de pé, preparando-se para o dia, quando Mikael surge na porta do quarto carregando Antonella. É só uma fração de segundo, mas suficiente para condensar tudo. "Naquele momento, eu lembro de cada passo que dei para construir minha família", recorda.

Para Mikael, o instante de encanto começa momentos antes. É quando a manhã chega ele vê os olhos de Antonella se abrirem, devagar.

"Acho que nem vamos precisar ensinar a ela sobre o amor. Ela tem tanto que acho que vai ser professora" --Mikael Bittencourt

Um ano depois do nascimento de Antonella, ela é o centro do mundo de Mikael e Jarbas, mas esse mundo pode se expandir em breve. Ainda guardam outros embriões --e o desejo de ter mais filhos.

Fonte: Redação Terra
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