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"Chorei muito, mas parar não está em meus planos", diz aluna de 44 anos vítima de etarismo

Patrícia Linares foi alvo de vídeo que debochava da sua idade e da condição de aluna. "Fiquei triste, e essa tristeza ainda está em mim"

14 mar 2023 - 08h51
(atualizado às 08h53)
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Vítima de etarismo, a estudante de Biomedicina Patrícia Linares, de 44 anos, se viu na última semana diante de uma situação que jamais imaginou vivenciar. Caloura em uma universidade de Bauru, no interior de São Paulo, ela estava na sala de aula na quinta-feira, 9, quando um grupo de colegas a chamou para alertá-la que havia um vídeo sobre ela circulando em grupos de WhatsApp.

Apesar da curiosidade em saber do que se tratava, ela conta que a primeira reação foi deixar de lado. “Estava fazendo um trabalho difícil, de anatomia, e estava quase na minha vez de apresentar”, disse ao Estadão. Pouco depois, porém, Patrícia acabou vendo o vídeo, que nos dias seguintes viralizou nas redes sociais e gerou revolta entre usuários. Ela só teve noção da dimensão que aquilo havia tomado no fim de semana.

No vídeo, três alunas de Biomedicina da Unisagrado comentam, em tom de deboche, sobre o fato de uma colega de classe ter mais de 40 anos de idade. “Quiz do dia: como ‘desmatricula’ uma colega de sala?”, diz uma das alunas. Em seguida, outra comenta: “Ela tem 40 anos já, era para estar aposentada.”

Patrícia recebeu solidariedade de colegas após vídeo
Patrícia recebeu solidariedade de colegas após vídeo
Foto: Acervo pessoal

O alvo dos ataques, que não tem o nome citado, é Patrícia, que entrou na faculdade no fim do último mês. “Quando vi o vídeo, chorei muito, mas parar não está em meus planos”, disse. Ela conta ter visto as estudantes envolvidas pela última vez na quinta, mas não quis falar com elas. “Fiquei muito triste, e essa tristeza ainda está em mim”, continuou.

No dia seguinte, sexta-feira, 10, as três estudantes não foram à faculdade. Ao mesmo tempo, alunos da sala de Patrícia e de outros cursos foram até ela demonstrar solidariedade. “No fundo, tive uma vontade de parar de ir à faculdade até tudo acabar, mas eu não posso”, disse. “Eu preciso continuar, por mim e por todas as pessoas que sofrem esse tipo de retaliação gratuita.”

‘Meu sonho de estudar na área da saúde sempre existiu’

Comerciante durante a maior parte da vida, Patrícia conta que decidiu fazer a graduação em Biomedicina após ter que fechar sua loja de roupas na pandemia de covid-19. “Tinha essa loja desde 2012, mas nos últimos anos não deu mais para manter aberta”, disse. Desempregada, decidiu recalcular os planos para o futuro.

A escolha do curso de Biomedicina se deu por influência da mãe, enfermeira ao longo de toda a vida. “Meu sonho de estudar na área da saúde sempre existiu. Tinha essa vontade desde menina, desde criança”, conta. Até então, as circunstâncias da vida, porém, nunca tinham permitido que ela estudasse. Com apoio do marido, decidiu que esse seria o momento, e se jogou para fazer sua primeira faculdade.

“Estou bastante empolgada, tem sido maravilhoso”, disse a estudante, que completa 45 anos nesta terça-feira, 14. Segundo ela, não há previsão de festa para comemorar o aniversário deste ano, cuja véspera foi um pouco mais movimentada que o habitual. “Amanhã (terça-feira, 14) tem aula, é um dia comum. Estou focada na faculdade.”

Sobre o apoio que tem recebido nas redes sociais, na sala de aula e em outros ambientes, ela ainda deixa uma mensagem. “Agradeço imensamente e gostaria de dizer, para todos que me mandaram apoio, que se sintam abraçados por mim”, disse a estudante, que até passou a ser mais ativa no Instagram para acompanhar as manifestações de carinho.

Em um dos posts, ela compartilha a música “Clube da Esquina Nº 2″, famosa na voz de Milton Nascimento. Na publicação, dá destaque para um verso da canção: “Sonhos não envelhecem”. “Já passei por tanta coisa na vida, não vai ser isso que vai me abalar”, disse Patrícia.

Em nota, o Unisagrado informou repudiar “qualquer ato de preconceito e discriminação”. Afirmou ainda que estão sendo tomadas as medidas administrativas necessárias para apuração disciplinar dos envolvidos. “Ressaltamos que nosso objetivo é educar, verbo fundamental e obrigatório na construção de uma sociedade cada vez mais justa.” A reportagem não conseguiu contato com as alunas envolvidas no vídeo.

Estadão
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