Do bigode de pornochanchada ao popstar real: o abismo estético no Tiny Desk
Uma comparação inevitável entre a música que se sustenta sozinha e a estética que grita por atenção
Artigo compara performances nacionais e internacionais no Tiny Desk, ressaltando a autenticidade artística como fator crucial e criticando excessos estéticos na cena brasileira.
Eu estava quieto no meu canto, ignorando solenemente as afetações habituais da nossa cena "cool", quando o algoritmo resolveu me sacanear. Em sequência, pintaram duas sugestões de vídeos do Tiny Desk: uma gringa, uma nacional. A disparidade foi tanta que tive que escrever (isto aqui).
Para quem não conhece, vale explicar o fenômeno. A história do Tiny Desk começa em 2008, meio que por acaso, quando Bob Boilen e Stephen Thompson, produtores da rádio NPR, saíram frustrados de um bar onde não conseguiam ouvir a cantora Laura Gibson por conta do barulho da plateia. Lançaram um desafio em tom de brincadeira: que ela tocasse diretamente na mesa de escritório de Boilen. O improviso funcionou e criou a regra de ouro do programa: intimidade total, zero pirotecnia e a música nua e crua, tendo que se garantir sozinha.
A ideia viralizou e ganhou status de "prova dos nove" para artistas de todos os calibres. Foi o caso do rapper T-Pain, que calou críticos ao dispensar o autotune ali e mostrar que tinha voz de sobra naquele ambiente controlado.
Eis que a franquia aterrissa no Brasil e, como quase tudo que cai na mão da nossa "Descolândia", ganha uma camada de verniz completamente desnecessária (ou impeditiva, tenho dúvida). A curadoria inicial até passou – com a presença do piseiro de João Gomes ou da mistura afro-punk-jazz do Metá Metá. Mas nesta semana, quando pintou a imagem do cantor Tim Bernardes, minha condescendência foi para o espaço.
O rapaz parecia ter vencido uma gincana de clichês visuais, tentando gritar "bingo" na cartela do estilo "despojado" antes mesmo de a música começar. Sabe quando se força a mão na estética duvidosa até que aquilo vire uma “tendência”? Pois é.
Estava tudo lá: o cabelo com corte de franja torta e mullets (como se a tosa tivesse sido feita por um aparador de grama cego), o bigode de ator de pornochanchada setentista, o pulôver que parece ter sido afanado do armário do avô, a camisa de time de futebol retrô-raiz e o indefectível cordão de santo no peito de quem se diz ateu (nem sei se ele se diz, mas é parte do pacote, então suponho que sim). Óculos John Lennon? Checked.
Na sequência, o algoritmo me joga um programa do Justin Timberlake, gravado há um ano. Coloquei os dois para rodar, no teste do "quem segura a onda". De toda a cenografia nacional milimetricamente calculada, aguentei exatos 12 segundos. Do Timberlake, artista que acompanho pouco (quase nada), vi até o final.
A diferença? O sujeito É um popstar. Ele é simples, carismático, interage sem forçar a barra de "somos todos iguais" e a banda inteira exala um tesão genuíno de estar ali tocando. Enquanto isso, no nosso exemplo doméstico, a linguagem corporal é de quem está fazendo um favor imenso ao nos permitir ouvi-lo.
É nessas horas que repito velha máxima: gosto muito de MPB, desde que o B seja de britânica. Recebo olhares de "complexo de vira-lata detectado", mas, sinceramente? Que se lasque. Até que a Descolândia largue o osso musical, permanecerei orgulhosamente colonizado.