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Djavan lança o disco 'Vesúvio', em que canta o amor, a natureza e músicas mais políticas

Ao 'Estado', o cantor e compositor fala sobre sua paixão por orquídeas e conta como o momento político do Brasil influenciou em sua composição

22 nov 2018 - 06h11
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A chuva cai insistentemente sobre as plantas e as flores do jardim da casa de Djavan, na Barra, numa dessas áreas que parecem oásis perdidos no meio do Rio. Como uma sinfonia, o barulho do impacto das gotas d'água sobre as folhas é entremeado pelo canto de passarinhos ao fundo. Djavan olha orgulhoso para seu pequeno paraíso verde, que separa a casa da família de seu estúdio. Pergunta se a repórter gosta de plantas e fica satisfeito com a resposta afirmativa. Djavan tem uma conexão com a natureza desde pequeno, ele conta. Em seu sítio, na região serrana, o cantor e compositor alagoano, radicado no Rio há décadas, conseguiu criar uma versão amplificada de jardim, que margeia a casa projetada por ele próprio.

Um dia, ele ouviu Lenine, um apaixonado por orquídeas, falando sobre o assunto e se deu conta que não tinha orquídeas em seu jardim. Chamou um especialista e ergueu ali um orquidário, do qual gosta de cuidar pessoalmente. Lá se vão 15 anos. "Orquídea é algo delicado. Fiz um tabuleiro de orquídea para 450 espécimes, já estou com 850 espécimes de 360 espécies. E você vai se envolvendo e não para, comecei a comprar livros", afirma Djavan, ao Estado. "Vira um vício, elas têm perfume, de chocolate, de menta, é cada perfume puro, e um show de cores e formas."

Essa paixão o instigou no campo da música. Em seu novo disco, Vesúvio, o 24.º da carreira, que será lançado nesta sexta, 23, nas plataformas digitais (e dia 30 em disco físico), o samba Orquídea extrapola o status de homenagem. Foi puro desafio para o compositor, ao estruturar uma letra com nomes em latim de orquídeas - e que esses nomes pudessem ser assimilados naturalmente dentro de sua poética. "Lembra aquela Phalaenopsis/Que você me deu/Me deixou com Sophronitis/Por um beijo seu Pleurothallis, Paphiopedilum", traz a introdução da canção. "Eu sabia que essas palavras tinham música, e eu queria ver se eu conseguia envolvê-las numa música de maneira fluida", diz.

Em Vesúvio, o álbum, a natureza também é usada por Djavan como metáfora do amor em diversos momentos, como na canção-título que abre o disco, com letra e imagem fortes: "Você tem um poder/Que me lembra o Vesúvio/O sol é de ouro/Que na foz do prazer/Me transforma em dilúvio". Vesúvio, a música, vem envolta numa atmosfera sonora bem djavaniana. "Ela tem uma parte flamenca, a parte da minha coisa moura, e África, essa música tem uma levada muito tribal. Tudo isso é algo que está dentro de mim", define ele. "E a metáfora na poesia é uma coisa que tenho há muito tempo, e resultou nessas rimas, nessa história, com essa luz toda."

Mais do que influenciar conceitualmente o novo disco de Djavan como uma representação da força na natureza, o Vesúvio ditou a estética da bela capa do trabalho. A imagem valoriza o rosto do músico, cuja pele recebeu camadas de tinta especial. "Foram usados o preto e o dourado para revelar o vulcão: a lava seca e a lava líquida", explica Djavan. Alguma referência à capa do disco Tutu, de Miles Davis, como já sugeriram? "Aquela capa era linda, mas sabe que não pensei em nenhum momento no Miles Davis?", ele responde.

Com 12 faixas inéditas - e como uma sonoridade "mais pop" -, o disco Vesúvio fala de amor, natureza, mas também traz canções mais políticas, compostas por Djavan sob o impacto do cenário polarizado no Brasil nos últimos meses, como Solitude e Viver é Dever.

Djavan fala sobre seu novo disco, 'Vesúvio'

Ao Estado, ele fala sobre o novo trabalho, política, envelhecimento e sobre a tocante Esplendor, versão em espanhol que o uruguaio Jorge Drexler fez para Meu Romance e que entrou no disco como faixa bônus, com os dois cantando em dueto.

Você trouxe o pop para seu novo disco, mas dentro da sua linguagem. Como que o trabalho caminhou para isso?

Usei o termo pop até para definir a ideia de fazer uma música mais fluida, que tivesse uma comunicação mais direta, evidentemente sem abrir mão de mim, da minha diversidade. Mas ele tem um acento mais pop em várias canções. Por exemplo, Solitude é nitidamente uma música pop, uma melodia mais fácil de absorção e a letra fala de um tema, mas de uma maneira também bastante clara.

O disco tem temas relacionados à natureza, mais políticos, de amor. Nessa seara do amor, está a canção Tenho Medo de Ficar Só. O quanto tem de você nela?

Embora ela não seja biográfica, tenho medo de ficar só (risos), mas isso foi para revelar não a minha impressão especificamente, mas do ser humano, sobretudo quem já esteve acompanhado. Isso é uma coisa que faz medo mesmo, você que conhece o amor, que já teve amores, sabe que é melhor quando você está acompanhado (de alguém), que realmente divida tudo o que envolve uma parceria. Quando você perde isso, é uma coisa difícil.

Conte sobre a parceria com Jorge Drexler, que fez Esplendor, versão em espanhol da sua música Meu Romance (que também está no disco)?

Não havia nenhuma proximidade nossa antes. Eu só o conheço e ele também a mim pela internet. Quando eu fiz Meu Romance, que é um bolero espanhol, falei: não seria bom que a gente lançasse esse bolero na América Latina com a letra em espanhol? Todo mundo gostou da ideia. Pensei no Drexler, ele escreve bem, tem uma musicalidade boa, é um grande artista. Ele gostou da ideia. Ele fez uma versão quase literal. Fiz uma divisão que eu até pensei que ele ia estranhar, porque ele começa cantando a música inteira até o fim, aí depois canto a música inteira, e a gente se junta no final. Porque essa coisa de dueto, de dividir, canta um pedaço um, um pedaço outro, é chato. A emoção não flui.

Por isso você evitou fazer duetos na carreira?

(risos) É questão de oportunidade, já fiz alguns duetos. O último foi com Cássia Eller há 17 anos, mas eu já tinha feito com Gil, Chico, Gal.

A capa do disco já está circulando nas redes há algum tempo e vi gente comentando que você estaria fazendo blackface, o que não faz o menor sentido, já que você é negro.

Acho que as pessoas têm uma necessidade enorme de marcar presença, e marcar presença na internet significa uma coisa muito temerária, porque o conteúdo não tem muita importância, por isso que produz tanta maluquice. A minha ideia, na verdade, foi estar diferente. São 40 anos de carreira, mexer na história é uma coisa natural. Não fico escutando meus discos. Tudo o que foi feito já faz parte do passado, já estou pensando em outras coisas na frente.

Em janeiro, você faz 70 anos. Pensa em fazer algo especial?

Não penso em nada especial. Não tive o hábito de comemorar aniversário. Isso é uma coisa que você adquire na infância. Lá em casa nunca ninguém comemorou aniversário, não tinha dinheiro para isso, não tinha situação para isso. A data passava como passa o vento. A Rafa (sua mulher) faz para as crianças, comigo ela faz questão. Não tenho hábito nem gosto muito de fazer aniversário.

Envelhecer é uma questão para você?

Pois é, não sei falar disso ainda. O envelhecer está muito ligado à saúde. Por exemplo, eu encaro um palco durante duas horas e saio de lá como se nada tivesse acontecido. Sou muito regrado, disciplinado, priorizo a saúde, porque tenho uma profissão que exige muito, tenho uma família com a qual preciso estar interagindo, tenho filhos pequenos ainda. Tenho uma vida muito dinâmica, não posso me dar ao luxo de ficar olhando para o tempo.

Você compôs canções como Solitude em meio ao turbilhão em que estávamos vivendo no Brasil. Para você, como letrista, como foi esse processo dessas letras mais políticas, sem serem partidárias?

Isso deveu-se ao mesmo processo quando estou escrevendo. É o que está à minha volta. É o que eu estou vendo, o que estou vivenciando. Comecei a escrever para o disco de junho a agosto, um período bem amplo do ponto de vista de assuntos com relação à política.

Como foi para você nesse período, da exigência de que artista precisa se posicionar?

Sou um brasileiro que conheço o Brasil, viajo muito, converso muito, a minha preocupação é com a vida das pessoas. Não tenho envolvimento político pessoal com ninguém, com partido muito menos. Sou filho de mãe negra, mãe de 5 filhos, lavadeira, que não tinha marido. Uma vida sofrida. Então, não estou preocupado com candidato, faço uma ampla análise sobre o que ele poderá ser no futuro, o que ele realmente pode trazer para o povo. Essa é minha visão política imediata. Nunca perco a esperança porque acho que o Brasil não pode ficar pior do que está, acho que agora a gente tende a avançar de algum modo, seja que governo for.

Estadão
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