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Com o disco 'Margem', Adriana Calcanhotto encerra sua trilogia do mar

Em novo álbum, a cantora e compositora fala de amor, desamor e faz crítica à forma como o homem trata os oceanos: "É uma coisa chocante"

8 jun 2019 - 03h10
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O fascínio pelo mar já inspirou grandes obras, sejam elas literárias, poéticas, visuais ou musicais. Na história da música brasileira, por exemplo, Dorival Caymmi talvez tenha sido o compositor que melhor traduziu essa relação/ligação do homem com o mar, com seu emblemático repertório de 'canções praieiras'. É um cancioneiro que remete a esse universo de forma literal, imagética ou mesmo trágica. "É doce morrer no mar/ Nas ondas verdes do mar/ É doce morrer no mar/ Nas ondas verdes do mar", diz uma de suas canções mais famosas.

Esse encantamento também arrebatou Adriana Calcanhotto. E não é de hoje. A ponto de dar origem a uma trilogia de álbuns sobre o mar, iniciada há 20 anos, com Marítimo, que foi lançado em 1998; depois Maré, em 2008; e agora, Margem, que acaba de chegar às plataformas digitais, e encerra a trilogia. É como se essa narrativa se impusesse à cantora, sem que fosse planejada.

"Quando lancei o primeiro álbum, eu não tinha ideia de trilogia. Só quando eu tive vontade de fazer o segundo, foi que resolvi fazer esse terceiro", conta a compositora, em entrevista ao Estado, por telefone, do Rio - cidade em que vive quando não está em Coimbra, em Portugal, onde ministra curso sobre como escrever canções na universidade.

A relação da cantora e compositora vai muito além do simples gostar do mar. É mais profunda. "Tem várias camadas disso. Tem o mar físico, aquele barulho, uma coisa muito poderosa que sempre me impactou muito. E tem o mar literário, as citações, desde Odisseia, em que se cita os mistérios do mar, o mar como metáfora da condição humana. E agora também essa outra camada com que se lida o tempo todo, que é o que a gente está fazendo com o mar, o estado em que os oceanos se encontram. É uma ação do homem acabando com o próprio hábitat. Isso é uma coisa chocante, não dá para não tocar nesse assunto fazendo um disco sobre o mar agora", diz Adriana.

A foto da capa do disco Margem, de autoria de Murilo Alvesso, inclusive, vem carregada de simbolismos. Esteticamente, é uma bela imagem. Mas ali é Adriana dentro d'água rodeada por garrafas de plástico. Uma referência ao lixo jogado nos nossos rios, mares, oceanos, poluindo-os, sufocando-os. "Eu não vou à praia, não é esse litoral, e não é só o litoral que me interessa. Gosto de alto-mar, me sinto bem no mar, embarcada ou não." Mas a questão ambiental ganha um peso ainda maior para ela ao voltar ao tema. "É uma coisa que está mais na minha cabeça."

Novo disco e nova turnê de Adriana Calcanhotto

Adriana Calcanhotto abre seu novo disco, Margem, com a bela faixa-título, de sua autoria, uma canção de amor numa cadência quase carnavalesca. Dessa vez, uma música bem ao sabor da composição de Adriana, trata de arroubos amorosos, separações e partidas. Em Tua, balada com uma levada meio 'djavaniana', fala da paixão desmedida. "Na areia, na neve marinha/ No dentro do dia, tua", canta, devotamente. Ogunté, também de Adriana, é quase um poema cantado - ou uma música recitada, em tom dramático, crítico. "Crianças encalhadas na Costa de Lesbos/ Pacotes de cruzeiros pelas ilhas gregas/ O plástico do mundo no peixe da ceia/ O que será que cantam as tuas baleias?"

Margem é um disco essencialmente autoral, mas duas canções do repertório são de outros compositores e foram fundamentais para Adriana se dedicar a um terceiro álbum sobre o mar - e fechar a trilogia. São as faixas O Príncipe das Marés, de Péricles Cavalcanti, e Os Ilhéus, de Antonio Cicero e Zé Miguel Wisnik. "São duas canções do Maré que não entraram (naquele disco). Isso já me dava uma ideia do que precisava, parecia que eu tinha de trabalhar um pouco mais as canções, mas que seriam de uma sequência. Talvez por isso ele (o disco Margem) já começou a nascer logo no lançamento do Maré", lembra. "Preferi não lançar (na época) e, de alguma maneira, eu estava certa. Não só em relação ao canto, como acho que elas tinham mais a ver com Margem do que com Maré. As canções é que sabem."

O Príncipe das Marés faz um jogo com a palavra mar: "A minha terra é o mar", "o meu céu é o mar", "o meu castelo é o mar". "Gosto muito do arquétipo surfista (na letra). E é usada como se pegar onda fosse voar. Nessa situação, meu céu é o mar, e depois como se ele estivesse cavalgando, então, meu cavalo é o mar. São dessas canções simples, mas que você vê que existe muito trabalho até chegar a esse ponto de simplicidade. É uma canção que, desde que eu ouvi, fiquei encantada. Ela ia para o Maré, mas acho que eu não estava pronta", descreve Adriana.

As temporadas intensas em que Adriana passa em Portugal estão presentes delicadamente no novo trabalho. Em reflexões, ideias e sonoridades. Na canção Era Pra Ser, essa aproximação é mais evidente, com a melancólica introdução da guitarra portuguesa de Ricardo Parreira. "Não é mais possível a essa altura que eu faça alguma coisa que não contenha Portugal", diz a cantora e compositora. "O som da guitarra portuguesa é uma coisa que sempre gostei, desde (a canção) Esquadros. Mas ali era uma guitarra portuguesa gravada por um músico brasileiro e agora não. Porque é muito difícil a lógica da guitarra portuguesa. Acho que fica lindo."

No disco, Adriana vem acompanhada dos músicos Bem Gil e Bruno Di Lullo, que estiveram com ela durante a turnê A Mulher do Pau Brasil, que teve início no ano passado. E Rafael Rocha se uniu à trupe. A sintonia entre o trio Adriana, Bem e Bruno no palco - e nos bastidores - fluiu tão bem que o novo disco foi feito em paralelo àquela turnê.

"Eles são muito concentrados. Então, você não precisa trabalhar tantas horas seguidas como costumava ser. Você aproveita muitas horas para fazer aquilo render muito", comenta a cantora. "Acho que a turnê vai ser muito boa, pelo que eu vi com A Mulher do Pau Brasil, com o Bem e o Bruno. Acho muito interessante viajar com eles."

Antes de voltar à estrada, Adriana vai a Portugal em julho, para cantar em um evento de sustentabilidade no Porto e, em novembro, retorna para fazer shows no país. "No ano que vem, vou dar aula na universidade pela quarta vez."

A turnê inspirada no disco Margem terá início em agosto, no dia 23, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, passando por Curitiba, Aracaju, Maceió, Fortaleza, entre outras cidades. "É outra turnê, um show totalmente novo, que terá canções dos três discos de mar.

Estou pensando no repertório, fazendo aquela lista maior, para a gente ficar entre 16 e 18 músicas", conta. "Vou ter a sorte de ter a banda-base, que fez o disco. E isso nem sempre é possível. O Rafa não estava na turnê anterior. Ele se juntou no disco, mas agora vai para o palco."

Estadão
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