Falta energia e estilo a 'O Sobrevivente', novo filme de Edgar Wright
Longa-metragem não consegue reverter os erros do livro de Stephen King e resultado é produção morna
Ben Richards (Glen Powell) é um homem desesperado. Vivendo em um mundo tomado por uma organização poderosa, numa espécie de 1984, ele parece não ver uma luz no fim do túnel: não arranja emprego, a esposa se prostitui e a filha está doente e sem remédios. Sem esperança, ele decide abraçar o que não tem volta: participar de um programa de TV em que é caçado pelas ruas dos Estados Unidos por mercenários e até pessoas comuns.
Essa é a história de O Sobrevivente, longa que estreia nos cinemas nesta quinta, 20, e que adapta novamente a história escrita por Stephen King nos anos 80. Desta vez, o cineasta Edgar Wright deixa tudo mais parecido com o material original -- a primeira versão para as telonas, afinal, foi renegada por King por mudar demais a trama, mesmo com a presença marcante de Arnold Schwarzenegger como Ben. Agora, são pequenas alterações aqui e ali ao longo da narrativa, apenas com o filme rigorosamente diferente do livro (e pra melhor).
No entanto, é difícil dizer que O Sobrevivente de 2025 é melhor do que o de 1987 -- ou que algum desses é superior ao livro. Todos eles, de alguma forma, ficam na mesma zona mediana. Filmes de ação regulares, que focam nessa figura tentando sobreviver a qualquer custo, numa mistura natural de obras que beberam da fonte do livro de King, como Jogos Vorazes, é claro, e até mesmo John Wick. Há algo de divertido nessas histórias de um exército de um homem só, causando uma conexão rápida e genuína com o público.
Só que a sensação, hoje, é de que O Sobrevivente tem pouco a contar ou acrescentar em um subgênero já bastante explorado nos últimos anos. Tudo soa cansado e ultrapassado.
Edgar Wright sem brilho
É frustrante esse resultado com o longa de 2025, assim. Afinal, o nome por trás de tudo é Edgar Wright, a mente visionária por trás da Trilogia do Cornetto, de Scott Pilgrim Contra o Mundo e de Em Ritmo de Fuga. O cineasta, que já foi um dos nomes mais celebrados do cinema independente dos Estados Unidos, parece estar perdendo de vez a vitalidade do começo da carreira, com dois filmes medianos em sequência -- primeiro o fraquíssimo e esquecível Noite Passada em Soho e agora com este filme de ação mambembe.
E olha que Wright corrigiu o erro de seu filme anterior e voltou a trabalhar com o montador Paul Machliss, que sempre deu um ritmo próprio aos longas do cineasta e uma montagem mais esperta, moderna, vigorosa. Aqui, nem isso salva. Afinal, além da história ser batida, a direção passa longe de estar inspirada. As cenas são corridas, com pouco espaço para que o espectador crie conexão com os personagens, desperdiçando bons atores no caminho.
Michael Cera, por exemplo, aparece na tela com um monte de piadas, mas que pouco importam, já que não há qualquer contexto sobre quem é aquela pessoa. Tudo é rápido demais, como se nada importasse. William H. Macy aparece por três ou quatro minutos em uma interação importante, mas também de pouca conexão -- quando ele reaparece na tela, o espectador continua a sentir nada. Isso se repete com os vilões, vividos por Josh Brolin e Colman Domingo, que são apenas estereótipos desfilando na tela sem grandes ideias.
Um filme apressado
Engana-se quem pensa que essa rapidez é algo benéfico. É o mesmo erro do livro de King, que aposta tudo em um personagem pouco carismático -- Ben Richards, essa máquina humana que é contextualizada por cinco minutos e depois já vai pra pancadaria. Falta algo de humano ali para criar vínculos reais com o público. Katniss Everdeen, a heroína de Jogos Vorazes, funciona pela ligação forte com a irmã (muito bem explorada antes de ir pra arena, por exemplo). Já John Wick, outra comparação óbvia, também é uma máquina humana, mas com cenas de ação bem filmadas e, acima de tudo, com uma história que empolga. Aqui, nada disso funciona.
Powell até tenta, colocando pra jogo seu lado camaleônico mostrado em Assassino por Acaso -- e com um físico que faz diferença na tela, se aproximando bem de leve do que era Schwarzenegger em 1987. Mas não tem milagre que faça uma atuação boa salvar um filme sem inspiração. Os disfarces de Richards não são bem aproveitados (o padre dura menos de cinco minutos na tela!) e a ação, que poderia ser um diferencial, é toda entrecortada, ruim de assistir. A sensação é de que Wright simplesmente não sabia como filmar isso tudo.
O que funciona, no final, talvez seja a mensagem punk contra o sistema, quase anarquista, numa curiosa evolução do que foi visto recentemente no interessante A Longa Marcha -- outra adaptação de King, bem mais funcional. No fundo, bem no fundo, há algo de revolucionário aqui, principalmente na forma que a história se infiltra na mente de quem está assistindo, quase como um Cavalo de Tróia ideológico. Mas, convenhamos, isso é mais mérito de King do que de algum diretor: esta é a essência do livro O Concorrente.
Dá pra se divertir? Dá. Você torce aqui e ali e fica preocupado com o personagem em alguns momentos. Mas nada, nem mesmo o final mais ousado e que surpreende inclusive os que leram o livro, faz valer essa falta de emoção e de inspiração, ainda mais quando se fala de um novo longa-metragem de Edgar Wright. Fica a torcida para que o cineasta, um tanto perdido e sem empolgação, reencontre a chama do cinema em seu próximo projeto.