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História apresentada no Carnaval pode ser usada em aula

Acadêmicos falam sobre como o trabalho das escolas de samba podem ser utilizados em salas de aula para ensinar história.

25 fev 2019 - 09h00
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Todos os anos, as escolas de samba trazem não só elementos lúdicos para o desfile, mas também diversos componentes didáticos e históricos. Entretanto, alguns dos enredos marcam época enquanto outros são esquecidos rapidamente. Dentre os mais rememorados, os que falam de personagens ou eventos da história do Brasil estão incluídos. Por que isso acontece?

Para Jorge Freitas, carnavalesco com quatro títulos da Divisão Especial de São Paulo (com a Gaviões da Fiel, Rosas de Ouro e Império de Casa Verde), “o Carnaval é a maior manifestação cultural do povo brasileiro, tem essa incubência de levar a todos um conhecimento dentro de uma leitura auditiva e visual, através do samba e da plástica que a escola representa”. Em 2019, por exemplo, ele está à frente do projeto da Mancha Verde “Oxalá, salve a princesa! A saga de uma guerreira negra”, que contará a história de Aqualtune, a avó de Zumbi dos Palmares.

Vista geral dos desfiles no primeiro dia de apresentações do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro, no sambódromo da Marques de Sapucaí, no centro da cidade. (2012)
Vista geral dos desfiles no primeiro dia de apresentações do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro, no sambódromo da Marques de Sapucaí, no centro da cidade. (2012)
Foto: Wilson Ruiz / Estadão

“O que eu enfatizo é que muito já se falou de Palmares e Zumbi, mas pouco sobre ela”, diz Freitas. Um enredo que resgata personagens pouco usuais da história brasileira é comum entre as agremiações. Para Fabiolla Falconi, mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), “temas históricos em geral são sempre muito ricos de possibilidades e alguns deles se constituem como temas bem completos para o desfile no sentido de já serem muito explorados no imaginário da própria sociedade, além de possibilitarem às escolas, em vários momentos, apresentarem uma nova releitura onde a própria comunidade negra tenha mais visibilidade.”

Ela explica que nos primórdios dos desfiles da escolas de samba, na Era Vargas, as agremiações eram obrigadas a escolherem temas nacionais, o “que pode explicar em parte a preferência por temas históricos”. Para Emerson Porto, mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) , “com o passar dos anos, já com a figura do Carnavalesco e o próprio aceleramento da informação, a própria pesquisa do Carnaval vai se modificando e os temas históricos vão perdendo espaço para outras demandas, como os desfiles comerciais e abstratos”.

Entretanto, para ele houve um resgate dos temas históricos nos últimos anos, em decorrência de “movimentos que atuam na formação das redes de sociabilidade dentro das escolas, ou dos componentes externos que influenciam, o próprio Carnavalesco que nem sempre é da comunidade, e nos tempos em que vivemos, o nosso sistema político e econômico”. “Todos fatores contribuem para que esse fenômeno de crítica social e de uma volta de enredos históricos se torne presente nos carnavais de Rio e de São Paulo”, acredita.

Tanto Fabiolla quanto Porto dizem que os temas podem ser utilizados, inclusive, de forma didática dentro das escolas, para auxiliar os alunos a fixar determinados temas. “Não basta somente olhar o desfile e ouvir o samba-enredo, se você não pesquisar sobre o tema, cruzá-lo com outras fontes, procurar outras versões, dificilmente aprenderá algo sobre a temática, a não ser repetir exatamente o que é apresentado, e isso não é exatamente uma forma de aprendizado”, diz Fabiolla.

“O samba-enredo e outras músicas de Carnaval podem possuir diversos usos e recursos para se entender a história do Brasil e do Mundo. Um exemplo, é o enredo da Império de Casa Verde de 2018, que ao abordar a Revolução Francesa em seu desfile, não só descreve a história em si, como Carnavaliza a realidade”, diz Porto. Ele classifica isso como uma "dimensão Carnavalizada da história", que  “desconstrói a realidade por meio de um deboche, de uma sátira, de uma comparação com o presente”.

O pesquisador listou alguns dos enredos que mais se destacaram: “Heróis da Liberdade, de 1969, do Império Serrano, samba-enredo que foi censurado pela ditadura e que colocava um grito de liberdade logo após a implementação do AI-5; embora possua uma visão romantizada da Proclamação da República, temos Liberdade, Liberdade, Abra as asas sobre nós, de 1989 da Imperatriz Leopoldinense. Devemos destacar a Mocidade em 1983, quando coloca o indígena com protagonismo, com Como era Verde o meu Xingu. Podemos citar em São Paulo também alguns sambas da Nenê de Vila Matilde, a qual pesquiso, com destaque a 1982 (Zumbi), 1997 (Narciso Negro) e 2001 e 2002 (O negro no mundo e na história e Reforma Agrária)”.

Ambos falam como os desfiles podem ser usados como ferramenta pedagógica. “Não somente as letras, mas também a sonoridade, a plasticidade e a performance apresentada pelas escolas podem ser utilizadas como material didático nas escolas. A questão principal é como o professor ou professora fará uso desse material em sala”, diz Fabiolla. Ela desenvolveu um material que aborda o uso de sambas-enredo nas aulas de História e serve como guia para os professores e professoras utilizarem em sala de aula.

“A proposta principal é partir do samba-enredo como uma fonte histórica, ou seja, um produto que foi produzido por alguém, em determinado lugar e com um objetivo específico. Partindo daí o material nos conduz a cruzar o samba com outras pesquisas e fontes históricas, como as histórias das escolas, entrevistas com os compositores, fotografias dos desfiles, o áudio do samba, etc. E é desse cruzamento de diferentes fontes que os alunos vão construindo o conhecimento histórico, ou seja, ele confronta as fontes e a partir delas consegue estabelecer um pensamento crítico acerca da construção feita pela escola de samba”, defende Fabíola.

Emerson chegou a pensar em um aplicativo de celular que auxilia professores a usar o samba, em conjunto com outras fontes, em sala de aula. Para ele, o professor precisa entender como o samba-enredo é complexo e analisar também o contexto histórico da produção da obra e em que momento histórico tal samba se insere, dentre outros aspectos. “Após entender essa dimensão o professor pode se utilizar de músicas, imagens, vídeos documentos históricos ou até mesmo o livro didático para poder cruzar fontes diversas com o samba-enredo, o que pode gerar um maior aproveitamento de sua letra, além é claro, do conhecimento cotidiano que o aluno possui”, conclui.

Jorge Freitas acredita que o Carnaval tem a incubência de levar a todos um conhecimento dentro de uma leitura auditiva e visual: ”O samba-enredo na verdade canta o enredo, canta a história que está sendo apresentada, com um roteiro bem didático, as obras dos compositores tem essa linguagem e esse acesso muito rápido de levar a informação”.

Fonte: Redação Terra
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