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Aos 89, lenda do balé continua dançando com a alma

4 jun 2010 - 11h16
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Gia Kourlas

Alicia Alonso, a diretora de longa data do Balé Nacional de Cuba, não dança mais com seus pés, os quais, na tarde de segunda-feira num hotel próximo ao Lincoln Center, estavam delicadamente cruzados pelos tornozelos em um par de sapatilhas. Ela também está praticamente cega. Mas ao falar sobre balé, suas mãos, manchadas e envelhecidas, passam perto de seu rosto enquanto dedos delgados, com anéis brilhantes e unhas rosadas, giram e se prolongam em delicadas coreografias.

Foto: Getty Images

"Danço com as mãos", concorda, sorrindo discretamente. "Danço mesmo. Na verdade, danço mais com o meu coração. Daí, atravessa o meu corpo. Não posso evitar".

Na noite de quinta-feira, Alonso celebra seu 90º aniversário com um programa especial executado pela companhia do American Ballet Theatre, onde ela foi uma dançarina instrumental no início de sua carreira. (Ela rapidamente aponta, porém, que ainda tem 89; seu aniversário de verdade será no dia 21 de dezembro.) A noite terá um filme com uma retrospectiva da carreira de Alonso, assim como uma apresentação de Don Quixote com três elencos principais.

Alonso é ao mesmo tempo vilipendiada e adorada. Alguns a consideram um instrumento político de Fidel Castro, e também alguém que está tempo demais em seu cargo, impedindo certos dançarinos de trabalhar no exterior. Em 2005, Rolando Sarabia, então um dos principais dançarinos da companhia cubana, resolveu se desligar do grupo, sendo seguido por Octavio Martin, um dançarino principal, e sua esposa Yahima Franco. Sarabia e Martin disseram separadamente na época que Alonso havia negado seus pedidos para dançar no exterior e seguir os passos de outros cubanos, notavelmente Carlos Acosta.

Mas Alonso também é adorada por apreciadores de balé que têm em grande estima memórias de sua Giselle e sua longevidade nos palcos. Ela fez sua última apresentação em 1995, quando dançou The Butterfly, uma peça que ela coreografou. Ela tinha 75 anos.

"Uma jovem senhora", disse antes de se render a uma risada de menina. "Foi fantástico, não? Dois anos antes, dancei Giselle".

Alonso é uma raposa dissimulada do mais alto grau ou uma amável senhora que usa um xale ¿ orelhas cobertas ¿ com o vigor de Little Edie em Grey Gardens. Provavelmente ela é as duas, suas atitudes podem mudar drasticamente. Ela recusou com firmeza responder a qualquer pergunta relacionada a política.

"Vim para cá porque estão me oferecendo uma recepção maravilhosa, um sentimento maravilhoso de retorno", disse Alonso. "Falarei com você sobre memórias e coisas semelhantes e creio que devemos manter a coisa assim. Você não acha?".

Bem, não exatamente. Mas não é possível forçar Alonso a algo que ela não queira fazer. "Não, não quero", ela disse. "Quero dizer, não há nada que eu possa falar. Ainda sou cubana, tenho uma companhia de balé que representa meu país e tenho orgulho disso. Muito".

O retorno de Alonso ao Ballet Theatre evoca emoções que ela disse serem difíceis de expressar em palavras. "Isso me lembra de todos os anos em que trabalhei aqui, meus amigos, as vezes que fizemos turnês durante a guerra e nossas apresentações. É toda uma vida. Estávamos criando o futuro do balé nos Estados Unidos. Era um sonho".

Alonso se juntou ao Ballet Theatre em 1940, mas uma operação nos olhos lhe enviou de volta a Cuba, retornando à companhia em 1943. Ela estava no elenco original de "Undertow" (1945), de Antony Tudor, "Fall River Legend" (1948), de Agnes de Mille, e "Theme and Variations" (1947), de George Balanchine.

Para este balé diabolicamente difícil, no qual ela fez dupla com Igor Youskevitch, Balanchine aproveitou o talento técnico de Alonso, desafiando-a em cada movimento. "Eu me lembro do Sr. B., ele olhou para mim", ela disse, antes de imitar a famosa fungada do coreógrafo, "e disse: 'Você consegue fazer esse passo?' Eu disse, 'Eu tento, Sr. Balanchine.' Bum." Depois, ele pediu para que ela tentasse um entrechat seis, um salto vertical com rápidos cruzamentos de perna. "'Você está com medo?'" Alonso fungou de novo. "'Não, não. Eu tento, Sr. Balanchine'".

Sua parte favorita da história ocorreu após Balanchine ouvir Youskevitch dizer que a variação dele era fácil e decidir complicar as coisas. "Ele quase o matou. Após terminar a variação, o Sr. Balanchine disse: 'Você gostou?' e Igor disse, 'Não. Estou morto.'"

Ao longo dos anos, a visão de Alonso piorou, mas ela continuou a dançar. Enquanto outros saíam do palco com velocidade, Alonso, para não bater no cenário, optava por uma saída mais lenta. "Eles botavam luzes muito fortes para eu conseguir enxergar onde era o centro", conta. Ela se recorda de quando seu parceiro Anton Dolin disse: "Minha querida, está tudo bem. Está muito bonito. Você simplesmente vai e flutua."

Mas, por mais indefesa que alguns possam imaginá-la, Alonso é muito esperta no que parece ser uma compreensão seletiva do inglês, dependendo da pergunta. Foram necessárias três tentativas, por exemplo, para descobrir se ela estava preparando um sucessor para sua companhia. Depois de perceber que a frase "Não entendo" não ia tirá-la do aperto, ela finalmente deixou escapar: "Não. Acho que eles são bons por si sós. São gente muito capaz, tenho certeza. Eu espero". (Esperançosa, ela cruzou os dedos.)

Quanto a seu legado, ela disse: "Não quero ser lembrada. Só não quero ser esquecida."

O mantra de Alonso claramente tem muito a ver com o fato de ela ser jovem de coração. Se um dia ela renunciar ao cargo de diretora da companhia cubana, talvez encontre trabalho como conselheira pessoal.

"Se uma pessoa ficar pensando, 'quantos anos vou viver?', e na idade", ela subiu a voz, "é a pior coisa que você pode fazer. Você não precisa pensar em quantos anos você tem. Você precisa pensar em quantas coisas você quer fazer e como fazê-las e continuar assim."

Ela bateu as mãos e acrescentou: "De qualquer forma, sabe o que eu penso? Eu vou viver até os 200 anos. Então, eu espero que todos vocês tenham a mesma sorte. Odiaria ficar sozinha".

The New York Times
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