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Livro aponta contradições do compositor Camargo Guarnieri


Sexta, 21 de setembro de 2001, 16h10

Livro: Camargo Guarnieri - o Tempo e a Música, Organização e introdução de Flávio Silva (Editora Funarte)

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    O retrato a têmpera do compositor Mozart Camargo Guarnieri por Cândido Portinari exibe um rosto sólido em três quartos, a testa franzida e o olhar vazio, fixo num ponto indeterminado. Enquanto o elaborava, Portinari bradou ao modelo que pintor que não sabe desenhar não é pintor. Guarnieri concordou, sem deixar de acrescentar: 'Compositor que não sabe contraponto não é compositor.'

    Tais convicções já eram ultrapassadas para a época. Mas os dois artistas viviam no Brasil, um país na periferia dos movimentos artísticos que ainda ouvia as ressonâncias do dadaísmo domesticado da Semana de Arte Moderna de 1922. O quadro de Portinari, de 1935, não constitui só uma leitura simbólica da estética de Guarnieri. Encerra, também, uma duplicação afirmativa, a apologia, cara a ambos, da superioridade do arcabouço e do acabamento sobre o conteúdo anedótico das cores e a alegoria figurativa. Sob a camada moderna e revolucionária, surgem traços de puro positivismo novecentista: a técnica prefigura a representação e lhe dá o último sentido.

    O músico é pintado como um monumento paulista forjado em tempos totalitários. Assim também a obra de Guarnieri pertence a uma época e um imaginário extraviados; seus 700 opus - entre sinfonias, quartetos de corda, sonatas para piano, cantatas e óperas - formam um monolito nacional, infenso à refutação, salvo por parte de pássaros impertinentes que insistem em manchar obeliscos, talvez por serem seus únicos freqüentadores. A música desse Mozart nascido à beira do rio Tietê em 1º de fevereiro de 1907 e morto em São Paulo em 13 de janeiro de 1993 está esquecida por representar tudo o que de mais conservador e retrógrado o século XX produziu no Brasil. Enquanto o anárquico Villa-Lobos obteve redenção mundial, quase ninguém mais grava as obras de Guarnieri, espécie de cultor da forma clássica dentro do nacionalismo. A música de Villa soa vulcânica, assistemática; a de Guarnieri, austera e horizontal. É introspectiva e complexa; nos termos de Mário de Andrade, apesar de sua leveza timbrística mozartiana, ela não consegue se fazer gostar pelo grande público.

    Arquivado

    Trata-se de uma injustiça que necessita de análise profunda para ser superada. O lançamento do compêndio Camargo Guarnieri - o Tempo e a Música, organizado pelo musicólogo gaúcho Flávio Silva, fornece a documentação e o instrumental necessários para a revisão da obra do compositor. O volume compreende ensaios e análise de obras por diversos especialistas, além de correspondência, iconografia, tábuas cronológicas e índices. Embora oportuno, o lançamento da Funarte é tardio, pois a obra vem sendo elaborada desde 1986. A idéia inicial do musicólogo Vasco Mariz e do compositor Edino Krieger era lançar o volume em homenagem ao octogésimo aniversário de Camargo Guarnieri. Avisado da obra, esperava-a com impaciência. Em 1988, Flávio Silva substituiu Mariz. Percalços de mudanças de governo e desinteresse pelo volume se associaram à perda dos originais digitados em computador.

    Depois de refeito, o livro foi arquivado por causa da morte de Guarnieri. De oito anos para cá, documentos foram descobertos e anexados ao volume, como a correspondência entre Guarnieri e o escritor Mário de Andrade (1893-1945), seu mentor intelectual, reunida pela professora Flávia Camargo Toni junto ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP. O tomo, com quase 700 páginas, forma um conjunto heterogêneo de textos muitas vezes difíceis de ler. Mas traz revelações que, segundo o organizador, não agradariam ao próprio homenageado. É o caso do tom confessional das suas cartas a Mário de Andrade. Os dois mantiveram correspondência entre 1930 e 1945, do início da carreira do compositor à morte do escritor, no ano em que aquele vivia o ápice de sua glória internacional. Em algumas cartas, Mário desanca o pupilo, de seu método harmônico heterodoxo ao temperamento sobranceiro e rude. Outro dado interessante é o que demonstra que a viagem do compositor a Paris, em 1935, não foi simplesmente concedida pelo governo de São Paulo ao músico, mas resultado de um concurso teórico no qual Guarnieri tirou o primeiro lugar.

    Mas a descoberta mais espetacular do livro fica por risco de Flávio Silva. Segundo ele, Guarnieri não foi o único autor da famosa 'Carta aberta aos músicos e críticos do Brasil', publicada em 17 de novembro de 1950, em O Estado de S. Paulo. Segundo o organizador do volume, o panfleto foi escrito em colaboração com o irmão do músico, Rossine, poeta e militante comunista. Por sua vez, este usou o texto doutrinário A Estética à Luz do Marxismo, redigido um ano antes pelo pensador argentino Rodolfo Ghioldi.

    Dodecafonismo

    A Carta de Guarnieri é um prodígio de teorização conspiratória contra a Escola de Viena. Denunciava o dodecafonismo como técnica decadente, espúria e inadequada para uso dos compositores brasileiros. Com termos e argumentos xenófobos, apesar de se declarar 'apolítico', movia o canhão contra o compositor alemão H.J. Koellreutter, que havia introduzido a 'técnica dos 12 sons' no Brasil, com a fundação, na década de 40, do grupo Música Viva. Alerta para os perigos da 'degenerescência do caráter nacional de nossa música', por meio da divulgação de 'falsas teorias progressistas da música'. E avança nos seguintes termos: 'É preciso que se diga a esses jovens que o dodecafonismo, em música, corresponde ao abstracionismo em pintura; ao hermetismo, em literatura; ao existencialismo, em filosofia; ao charlatanismo, em ciência.' O texto de Ghioldi, citado por Flávio Silva, diz o seguinte: '(...) o atonalismo, o mesmo que o surrealismo nas letras, o abstracionaismo na pintura ou o existencialismo em filosofia. Um de seus teóricos, o francês Leibowitz, afirmou, precisamente, que o atonalismo é o existencialismo sonoro'.

    Plágio, má-fé intelectual? Para Silva, o músico se tornou 'refém do que escrevera e assinara'. Até o fim da vida teimou na autoria do texto, embora manifestando certo desconforto. Houve, assim, a intromissão 'revolucionária' de Rossine, com a anuência do irmão. Silva afirma que a evidente aceitação da tutela depõe contra Guarnieri 'e atesta fraqueza sua, não apenas com relação às ambições ou ideais do irmão mas também no que se refere ao manejo de conceitos aos quais não estava nem era afeito'.

    A Carta é responsável pelo infortúnio que a obra de Guarnieri tem gozado na posteridade. Sua leitura converteu instantaneamente a obra do compositor em objeto museológico. A polêmica teve enorme repercussão e houve quem pensasse, como o poeta Manuel Bandeira, que Camargo Guarnieri havia se convertido ao comunismo. Amigos não ousaram confessar suas restrições, com medo de rompimento - e Guarnieri era dado a terminar amizades por questão de gosto. Com temor de magoá-lo, a pianista Maria Abreu (1916-1997) escreveu um excurso biográfico para o livro, sem expressar suas restrições à Carta.

    A história se mostrou impiedosa para com o músico, já que o dodecafonismo não só brotou, como se consolidou entre os músicos locais através de sucessivos movimentos de vanguarda, refugando a música do velho mestre nacionalista. A pá de cal veio com a descoberta da autoria espúria da Carta.

    Ainda que nunca tenha se convertido ao jdanovismo, Guarnieri partilhava de algumas idéias comuns ao realismo socialista, como o desenvolvimento do caráter nacional por meio da pesquisa folclórica. Ora, tal crença estava na base da doutrina de Mário de Andrade. Em toda a sua carreira, o escritor impediu que as informações de ponta vindas de fora contaminassem a pureza nacional. Atrasou a história da música brasileira em duas décadas. Nos últimos anos de vida, queria se converter no ídolo da juventude esquerdista e publicava textos festivamente stalinistas. Neles, conforme provou Jorge Coli no ensaio 'Música Final' (1998), expunha toda a fragilidade de seu saber à sanha dos novos teóricos universitários. Não era o caso de Guarnieri, que o admirava incondicionalmente. O derradeiro texto publicado de Mário foi 'Introdução a Shostakovich', feita para a edição brasileira da biografia do compositor soviético por Victor Seroff, em 1945. Mário exaltava a 'inteligibilidade' conquistada pelo compositor comunista entre as 'massas', característica perdida na 'música burguesa capitalista'. No fim, Mário duvidava da existência do atonalismo e denunciava o formalismo acadêmico como perigoso ao povão.

    Inconsciência nacional

    Ao mestre, Guarnieri confessou desgostar de Shostakovitch. Mas, talvez por apego nostálgico a Mário, tenha aceitado a interferência fraterna na elaboração de um texto cujo alvo Mário insinuava em seus panfletos de adeus. A Carta foi a retribuição póstuma do discípulo. É costume afirmar que a obra de Guarnieri é a realização sonora da estética de Mário; foi o compositor que o escritor queria ter sido. Daí ser lícito inferir que a Carta significou a realização teórica de Guarnieri, por metempsicose andradiana.

    O músico apontava como seus gurus o maestro italiano Lamberto Baldi, que lhe ensinou composição, e, a partir de 1928, Mário de Andrade, no plano estético. Guarnieri concretizou o ideal de 'inconsciência nacional' alimentado pelo autor de Macunaíma: a epifania de um artista que escreve música brasileira naturalmente, sem cacoetes, vivendo o Brasil profundo. Era a utopia da introjeção do nacional no erudito. Guarnieri executou-a como um édito. A forma se transformou para ele em uma alucinação nativista.

    É considerado um 'mestre do desenvolvimento temático' porque os motivos se disseminam com lógica indestrutível através de longas seqüências. No final do compêndio, há análise da produção do compositor nos diversos gêneros. Mas estas se referem mais à morfologia que à sintaxe, à lógica da grande forma típica de suas peças pianísticas e a de suas sete sinfonias. O desenvolvimento temático mereceria um estudo mais aprofundado.

    Ainda há muito a estudar na obra desse grande e azarado artista. Em carta de janeiro de 1939, Mário de Andrade previa que o discípulo ia ser tomado nos 'braços perversos' da vida brasileira para caminhar, como todos os intelectuais honestos, 'de desilusão em desilusão, de miséria em miséria, da miséria para a desilusão'. Cumpriu-se o vaticínio: Guarnieri passou seus últimos 40 anos a escrever obras cada vez menos executadas e apreciadas.

    Sua música deve ser separada do impulso que a criou e ser usufruída a despeito do caráter brasileiro. O que a mantém não é a 'brasilidade implícita', mas seu arcabouço formal, sua fluência contrapontística, a liberdade da harmonia. Em Guarnieri, o traço nacional não passa de ornamento. A grandeza está contida nela própria, não nos seus aspectos pitorescos. Neste ponto é que difere em essência da de Villa-Lobos.

    Luís Antônio Giron / Investnews - Gazeta Mercantil

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