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Garotos Incríveis

De Curtis Hanson






RAPIDINHO
Caso clássico de expectativa demasiada, ou simplesmente um filme demasiado previsível? Uma longa espera por uma ação que nunca se completa, ou simples incompreensão frente a obra que não trata de ações, e sim de um homem que não consegue mais agir? Garotos Incríveis é desconcertante, mas não pelo que mostra, pelo que apresenta, e sim pelo que recusa-se a narrar. Eu, que aguardava um filme policial (pois o diretor é o mesmo do ótimo Los Angeles, Cidade Proibida), fiquei todo o tempo esperando que algo muito importante acontecesse. E nada de realmente significativo acontece. Infelizmente, esse nada também é pouco significativo, ou alguém acredita em Michael Douglas paralisado por uma crise existencial?

AGORA COM MAIS CALMA
Ele escreveu um livro de sucesso, há oito anos, e agora não consegue achar um final para seu interminável (mais de duas mil páginas) novo romance. Sua jovem e linda mulher o deixou naquela manhã. Seu editor está na cidade e quer dar uma olhada nos originais. Ele está apaixonado pela esposa de seu chefe na Universidade. Parece um bom começo de história. Michael Douglas, sempre com a barba por fazer, mal vestido, desglamurizado, faz o possível para nos convencer de que não é o galã machão de sempre. Às vezes, até consegue. Mas, como eterno chapado (ele acende uma dúzia de baseados durante o filme), não cola. Aliás, a representação da maconha em Garotos incríveis é estranha.

O personagem, depois de fumar, não demonstra qualquer reação à droga (euforia ou paranóia, extrema sociabilidade ou isolamento). Na verdade, parece que, para ele, não faz a menor diferença fumar. Até que assistimos ao primeiro desmaio, ou perda de consciência, ou seja lá o que for. Eu nunca tinha ouvido falar que a maconha, mesmo em grande quantidade, pudesse levar a um quadro tão sério assim. O filme tenta manter-se à distância de uma discussão específica sobre a droga – talvez para evitar o risco de qualquer clichê ou simplificação – mas, lá pelas tantas, a condenação é evidente. A maconha torna-se uma dupla vilã: ao fazer o escritor dar voltas sem fim em seu novo romance (isso é dito explicitamente por sua aluna) e ao prejudicar tão seriamente a sua saúde.

Claro que minha função aqui é discutir o filme, e não os efeitos da droga, mas, sinceramente, se era para esculhambar a maconha, isso poderia ser feito de forma mais conseqüente, ampliando a discussão, ou de forma mais divertida, com bom humor e melhor noção de ritmo. Mas, do jeito que está, e com um final tão conservador, o recado que o filme passa é um grande elogio ao velho american way of life: o personagem, antes descentrado, triste, cínico, sempre chapado e – o mais importante de tudo! – pouco produtivo, só encontra a felicidade quando desiste de enfrentar o sistema e passa a ser igual a todos - um normopata -, inserido na sociedade e produzindo de acordo com o que dele se espera: uma nova esposa, um filho e um novo livro. Que edificante...

Quanto aos outros personagens, pouco a dizer. Tobey Maguire, no papel de um jovem (e supostamente brilhante) escritor, que mente sem parar, não consegue decolar, por culpa do roteiro frouxo e cheio de lugares comuns. Parece uma reedição sem brilho de Matt Damon em O talentoso Ripley. A grande atriz Frances McDormand, coitada, defende um personagem de pouca extensão, tanto no tempo em cena quanto na carga dramática. Robert Downey Jr., como o editor homossexual, tem bons momentos, mas também não escapa da nebulosidade geral que se espalha sobre a história desde os primeiros minutos. Garotos brilhantes não é um mau filme. É, talvez, um filme tão preocupado em fugir das banalidades do cinemão americano, em escapar do gênero policial, em procurar uma narrativa mais européia, que acaba num beco sem saída, pois seu tema principal – o processo de criação literária – também não toma conta da história com a relevância necessária para ser levado a sério. Talvez essa relevância possa estar no romance que deu origem ao filme (não sei, não li), mas não está no roteiro, com toda a certeza.

Outro detalhe: alguém acredita num escritor americano contemporâneo, de razoável posição social e estatura intelectual, que usa máquina de escrever, e não computador? Dirão alguns de meus leitores que escritores são seres excêntricos, e cada um escreve de um jeito. E eu direi: eles escrevem desse jeito só porque o roteiro do filme (certamente escrito em computador) prevê que a obra em questão será devidamente perdida. Basta lembrar que o mesmo acontece com o livro de Kenneth Branagh em Celebridades. Mas ali é uma comédia, onde a verossimilhança é o de menos. Aqui, trata-se de um drama. E quem explica aquela chuva de aplausos para o personagem de Tobey Maguire no auditório universitário, na penúltima cena do filme? Por que tanto entusiasmo, se ninguém leu o livro, ninguém simpatiza com o autor e, pouco antes, uma outra escritora recebera escassos aplausos? A única explicação possível: para tentar construir um final emocionante para o personagem. Não funciona.

Respondendo, finalmente, às perguntas que formulei lá cima, afirmo que a decepção com Garotos incríveis não é um caso de excesso de expectativa. É, simplesmente, uma questão de sonolência narrativa, combinada com um certo reacionarismo (o que me incomoda bem mais). É um filme que tenta ser inteligente, mas tem suas burrices. É um filme que tenta ser sensível, mas tem suas grossuras. Enfim, acho que Curtis Hanson deve voltar ao policial, gênero em que já demonstrou grande competência, pois lá estará distante de questões complicadas demais para um bom artesão norte-americano a serviço de Hollywood.

Garotos Incríveis (Alemanha/EUA/Reino Unido/Japão, 2000). De Curtis Hanson

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Carlos Gerbase
é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

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